Outro ponto relevante será o de permitir aos sindicatos representarem uma gama maior de trabalhadores. A lei antiga não protegia nem metade dos trabalhadores, diz Gatz. Queremos nova lei que dê proteção para todo mundo, mesmo que reduzindo um pouco os direitos dos trabalhadores convencionais.
A declaração de Lula, de que pretende rever a reforma trabalhista de Michel Temer, provocou uma revoada de manifestações de uma nota só. Os veículos de mídia limitam-se a ouvir exclusivamente dirigentes patronais, que insistem na tese de que nenhum direito foi suprimido. E que, graças à reforma, foi regulado o trabalho remoto.
Todos os argumentos consideram que, em um eventual governo Lula, se voltará à legislação anterior. Seria conveniente que ouvissem os argumentos críticos à lei, como é o caso de Clemente Ganz, ex-diretor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas), e um dos grandes conselheiros das centrais, para entender melhor o que se questiona.
Peça 1 – as ressalvas em relação à nova legislação
As críticas à nova lei se resumem a um conjunto de decisões que enfraquece especialmente os sindicatos mais fracos:
1. Enfraquecimento da representação sindical
Em qualquer modelo trabalhista, o trabalhador individual não tem o menor poder de barganha frente à empresa. A nova legislação permite acordos individuais, nos quais o trabalhador poderá abrir mão do negociado no dissídio coletivo, inclusive aceitando trabalho inferior ao que foi negociado.
2. Bloqueio das ações trabalhistas.
70% das ações trabalhistas se dão em torno das verbas rescisórias – pagas no ato de demissão. Antes da lei, todas as rescisões eram feitas no sindicato. A lei e, depois, algumas Medidas Provisórias, proibiram a assistência do sindicato. A lei determinou, também, que, se o trabalhador recebeu e assinou a rescisão, ele deu quitação definitiva para a empresa.
A Justiça do Trabalho começou a dar ganho de causa ao trabalhador. Agora, o estudo contratado pelo governo Bolsonaro – e preparado por Ives Gandra Filho, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho – quer impedir julgamentos. Caberá ao trabalhador provar a fraude, mas com todos os documentos ficando com a empresa. Ou seja, a proposta de Gandra Filho é uma verdadeira legalização da fraude.
3. Financiamento dos sindicatos
Finalmente, a lei acabou com o imposto sindical – correspondente a um dia de trabalho por ano. Fica proibida a cobrança, mesmo se definido em assembleia da categoria.
Mais ainda. Se o sindicato conseguir uma boa negociação no dissídio, todos os trabalhadores serão beneficiados, incluídos os que não aceitarem pagar a contribuição ao sindicato.
Completou o ciclo a penalização do trabalhador, em caso de derrota na Justiça – obrigado a arcar com as custas.
Peça 2 – as promessas não cumpridas
O argumento maior para as mudanças é o não cumprimento da promessa original, de que reduzindo os custos do trabalho haveria aumento do emprego.
Desde as mudanças trabalhistas, ainda no governo Temer e antes da pandemia, houve ampla perda de dinamismo do mercado de trabalho, queda de 10% no salário médio, queda na massa salarial, aumento da informalidade, inclusive comprometendo radicalmente o financiamento da Previdência Social, enfraquecimento do mercado de consumo.
Esse enfraquecimento não é fruto exclusivo das mudanças da legislação, admite Ganz, mas do conjunto de medidas ultraliberais, adotadas de 2016 para cá.
Peça 3 – a nova economia
Independentemente da legislação, diz Ganz, há um conjunto de mudanças estruturais na economia mundial.
Estudos recentes, produzidos por especialistas americanos, sustentam que o trabalhador estável, no futuro, terá pelo menos 15 vínculos laborais e 5 profissões em média ao longo de sua vida laboral.
Por tudo isso, a garantia de emprego e de seguridade não se dará nas relações trabalhistas entre trabalhador e empresa. Nem o sindicalismo ficará restrito a setores formais da economia.
Há o fenômeno do trabalhador intermitente, que se cadastra em várias empresas. Hoje em dia, a principal doença do trabalho são aquelas associadas ao toque do celular, à expectativa de ter emprego e a frustração seguinte, diz Ganz. Trata-se de uma doença muito mais grave do que as que surgem nos anos 90, do LER (lesão por esforço repetitivo).
Outro desafio é das plataformas digitais. Como fazê-las responsáveis pelos direitos dos seus trabalhadores?
Peça 4 – o novo modelo
A reforma de Temer foi inspirada no modelo espanhol. Por 40 anos, o país experimentou mais de 50 reformas trabalhistas pesadas, flexibilizando a contratação, tirando o poder dos sindicatos e facilitando demissões, diz Ganz. Nas últimas décadas houve mais de uma centena de reformas trabalhistas nos diversos países, todas retirando direitos.
Agora, há uma inversão, com a nova onda procurando amenizar os exageros do período anterior.
A União Europeia já dispõe de documento base para discutir reconhecimento de atividade e vínculos laborais com empresas de aplicativos. Com as novas tecnologias exterminadoras de emprego, o mundo terá que partir para a aposentadoria universal e a proteção laboral, diz Ganz. E o financiamento poderá contar com um pouco de desconto em folha, mas não de forma central.
O poder das empresas de aplicativos foi o ponto central para o novo pacto da Espanha, uma negociação entre centrais sindicais e patronais visando reformas na legislação.
As empresas tradicionais foram convencidas, depois de perceber que a isenção para as plataformas promoveria um desequilíbrio no mercado, em favor das empresas de aplicativos.
De qualquer modo, não se pensa mais na proteção ao trabalho dependendo exclusivamente dos vínculos assalariados clássicos. As mudanças irão exigir da sociedade pensar formas inovadoras de proteção ao trabalho, diz Ganz, com apoio do Estado, dos municípios e financiamento por uma reforma tributária progressiva, na qual o desconto em folha não seja o centro maior de arrecadação.
Um dos pontos de proteção, por exemplo, são os acidentes com bicicletas, motos ou carros, de trabalhadores de aplicativos. Na Espanha, algumas prefeituras estão criando fundos para repor as bicicletas por valores simbólicos.
Segundo Ganz, mecanismos como seguro-desemprego terão que ser substituídos por instrumentos de direito ao emprego permanente. Por exemplo, em caso de desemprego, seria assegurado emprego do Estado, oferecendo serviços demandados , cursos de reciclagem e serviço de intermediação, procurando colocação para os desempregados.
A tendência mundial será a de jornadas menores de trabalho, diz ele. As experiências estão se ampliando no mundo, com ganhos substantivos de produtividade. E, com mais horário disponível, haverá a criação de formas novas de utilização do tempo disponível, trazendo novas demandas e novas soluções.
Outro ponto relevante será o de permitir aos sindicatos representarem uma gama maior de trabalhadores. A lei antiga não protegia nem metade dos trabalhadores, diz Ganz. Queremos nova lei que dê proteção para todo mundo, mesmo que reduzindo um pouco os direitos dos trabalhadores convencionais.
De qualquer modo, a recuperação do emprego dependerá da política econômica. Nos Estados Unidos, a proposta Biden junta investimento pesado, fortalecimento da base industrial, melhoria dos serviços públicos e fortalecimento dos sindicatos, estimulando-os a discutir o novo sistema de organização do trabalho.
Leia os comentários no texto extraído do Jornal GGN: https://jornalggn.com.br/editoria/economia/coluna-economica-economia/centrais-sindicais-nao-querem-a-volta-da-velha-lei-por-luis-nassif/