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“Com Açúcar, Com Afeto” sai do repertório de Chico Buarque, por Francisco Celso Calmon

Chico Buarque | Foto: Divulgação

Por Francisco Celso Calmon

O que a Nara diria?

“Chico Buarque afirmou que não vai mais cantar Com açúcar, com afeto, composta por ele originalmente para a voz de Nara Leão. A decisão ocorreu após o cantor escutar críticas de feministas, que apontaram um teor machista na letra. A música fala sobre uma dona de casa que faz de tudo para agradar o marido.

O artista confirmou que não cantará mais a canção durante a série documental O Canto Livre de Nara Leão. Chico relata que a letra foi encomendada por Nara, que pediu a ele uma letra de mulher sofrida. Não era comum esse tipo de tema na época.” (https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/chico-buarque-musica-feminista/)

Onde iremos parar? Ninguém, nem o protagonista, tem o direito de negar a história. Censura e autocensura a fatos históricos, que reproduzem uma época, constituem uma atitude revisionista. 

A música é boa e versa uma situação real da nossa cultura, da época e ainda existente; não há machismo na letra e foi pedida pela Nara, exatamente não para enaltecer, mas, sim, para mostrar aquela realidade. 

Será que vamos censurar e não ouvir mais na voz de Nara Leão, a grande guerreira contra a ditadura militar e revolucionária dos costumes e da música, que foi alavanca para tantos compositores?

A história contada na literatura e nas artes servem para conhecimento, crítica e formação da consciência de rejeição, jamais de negação, de censura, venha de onde vier, porque não se apaga o que ocorreu.

 Examinar qualquer criação fora do contexto histórico é concebê-la sob o foco do moralismo cultural ou dos interesses conjunturais de uma estação, muitas vezes efêmera, sem ainda ser consagrado pela própria história como evolução.

As reações identitárias, por suas próprias naturezas, caem em panfletagens emocionais, pois, em última instância, não concebem a História de forma materialista e dialética, que tem como movedor as contradições das classes sociais. 

Na visão moralista da história é proibido reconhecer que a burguesia fora uma classe revolucionária, soa como heresia, por ignorarem que o capitalismo foi um avanço em relação ao feudalismo e deste em relação ao escravagismo. Assim como no futuro teremos um sistema que irá superar o capitalismo, apesar de suas sete vidas, metamorfoseando e camuflando-se de bem-estar.

Se visse essa atitude de um candidato eleitoral ficaria claro a razão, mas do genial e inigualável artista, meu honroso xará, penso que cometeu um equívoco, todavia, como a voz é dele, pode ser que quando ficar escuro não cante, ou o meu esperançar, que vai ouvir posições contrárias e repensar. 

Se houver seguidores à sua atitude, vamos acabar por rever a história, em vez de conhecer para indignar e revolucionar o presente e construir um novo futuro com açúcar a afeto entre todos.

Francisco Celso Calmon, coordenador do canal pororoca e ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça

Assista à música citada neste artigo | Vídeo: Canal Chico Buarque/YouTube