Em artigo publicado no portal oficial do Ministério Público do Trabalho (MPT) o órgão lembra que formalmente, a escravidão no Brasil foi abolida em 13 de maio de 1888, quando decretada a Lei Áurea, mas destaca que a assinatura da lei não foi suficiente para reverter o quadro social escravista instalado no Brasil, que existiu durante mais de 300 anos.
“Hoje, no mundo moderno, ainda são encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravo, denominada atualmente de escravidão contemporânea. Preocupado com essa questão, o MPT vem implementando inúmeras medidas de combate à mão de obra escrava, por intermédio de projetos e programas cujo objetivo é tutelar os trabalhadores em situações de trabalho análogo ao escravo”, diz o MPT.
O órgão ministerial lembra que foi criado em 2002, pela Portaria 231, a Coordenadoria Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), responsável por investigar situações em que indivíduos são submetidos a trabalho forçado e em condições degradantes. Além da criação da Coordenadoria, o órgão fixou parcerias com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com a Organização Nacional do Trabalho (OlT), com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), dentre outras entidades comprometidas no combate ao trabalho escravo.
Por definição, trabalho em condição análoga à condição de escravo acontece quando há restrição do exercício do trabalho humano, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador e quando não são respeitados os direitos mínimos inerentes à vida, em resguardo da dignidade humana, estado de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, alguns ou todos os atributos do direito de propriedade. Configura-se trabalho análogo ao escravo no Brasil: jornadas de trabalho exaustivas, alojamentos precários, falta de água potável e de instalações sanitárias e servidão por dívida.
Escrava na casa de pastor há 32 anos
O trabalho análogo ao escravo está inserido em nosso dia a dia e, embora seja mais associado ao meio rural e a estabelecimentos comerciais, pode ocorrer até mesmo dentro de casa. Uma das modalidades que mais chama a atenção do MPT é o trabalho escravo doméstico. Um caso recente que é destaco no Brasil é de uma doméstica que trabalhava há 32 anos na residência de um pastor, em Mossoró, Rio Grande do Norte. O Ministério Público do Trabalho (MPT) investiga o caso, e segundo auditores-fiscais do Trabalho, a funcionária chegou ao local ainda adolescente, com 16 anos. Além dos crimes associados à escravidão moderna, o pastor deve responder por abuso e assédio sexual do empregador.
O desdobramento do caso aconteceu a partir de uma denúncia anônima recebida pelo Ministério do Trabalho e Previdência que, com uma equipe do grupo especial de fiscalização móvel, coordenada pela Inspeção do Trabalho em conjunto com o Ministério Público do Trabalho e demais órgãos responsáveis, constatou a ocorrência de trabalho forçado, condições degradantes e jornadas exaustivas. Até o momento, o Ministério Público do Trabalho pediu R$ 200 mil em danos morais individuais para a doméstica. Segundo afirmou a procuradora do Trabalho Cecília Amália Cunha Santos, integrante da operação, o MPT deve entrar com uma ação civil pública solicitando o pagamento.
Caso análogo à escravidão no Espírito Santo
De acordo um levantamento feito pelo Portal da Inspeção do Trabalho, nos últimos 15 anos o Estado registrou mais de 800 casos de trabalhadores em condições degradantes e irregulares de trabalho forçado. Conforme os dados da pesquisa, Conceição da Barra, Brejetuba, Pedro Canário, Linhares e Castelo ocupam as primeiras posições no ranking estadual. Em um dos casos denunciados ao Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo (MPT-ES), a Justiça do Trabalho reconheceu a responsabilidade da Vivo por trabalho escravo, em setembro de 2019.
Na época, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 17ª Região confirmou a condenação das empresas Telefônica Brasil S.A (Vivo), Bimetal Indústria Metalúrgica, América Towers e Norte Amazônia Construções, Comércio e Serviços, de forma solidária, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 200 mil, bem como no cumprimento de diversas normas de saúde e segurança no trabalho. Atualmente, o processo encontra-se aguardando julgamento de recurso no gabinete do ministro Alberto Bastos Balazeiro, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Operações de resgate
A pandemia imposta pela Covid-19 estabeleceu desafios à fiscalização de trabalho análogo ao de escravo, mas o MPT e parceiros atuaram para assegurar dignidade aos trabalhadores explorados. Em operações de combate ao trabalho análogo à escravidão mais de 1.700 pessoas foram resgatadas, entre 2020 e setembro de 2021. Segundo dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, 942 pessoas foram encontradas nessa situação em 2020.
Em 2021, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) realizou mais de 70 forças-tarefas e resgatou mais de 500 trabalhadores de condições análogas às de escravo. O grupo é coordenado pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, ligada ao Ministério do Trabalho e Previdência, e conta com participação do MPT e de instituições como o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Polícia Federal (PF) e a Defensoria Pública da União (DPU). Além do resgate dos trabalhadores, a ação integrada teve como objetivo verificar o cumprimento das regras de proteção ao trabalho, a coleta de provas para garantir a responsabilização criminal daqueles que lucram com a exploração e a reparação dos danos individuais e coletivos causados aos resgatados. Ao todo, foram resgatados 137 trabalhadores, que receberam verbas rescisórias e três parcelas do seguro-desemprego.
Dia nacional de combate ao trabalho escravo
A data se tornou símbolo para alertar a população a respeito das condições degradantes de trabalho, ensinando a identificar a prática do crime, bem como conscientizar e punir o empregador como explorador de mão de obra semelhante à escravidão e é uma forma de honrar a atuação dos auditores-fiscais do Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, além do motorista Aílton Pereira de Oliveira, que em 28 de janeiro de 2004, foram assassinados em Unaí, Minas Gerais, quando investigavam denúncias de trabalho escravo em uma das fazendas de Norberto Mânica.
Como denunciar
Ao presenciar ou suspeitar de alguma situação de trabalho escravo, qualquer pessoa pode acionar os órgãos de proteção ou por intermédio do Disque 100. A denúncia pode ocorrer anonimamente ou sob sigilo.
O cidadão ainda pode acessar o site do Ministério Público do Trabalho e realizar sua denúncia formalmente. Há ainda o MPT Pardal, um aplicativo de denúncias do MPT disponível gratuitamente para dispositivos Android ou iOS.