A Transparência Internacional – Brasil enviou nesta quarta-feira (9), ao Grupo de Trabalho Antissuborno da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (WGB/OCDE), um relatório detalhando os principais retrocessos nos marcos legais e institucionais anticorrupção do país em 2021 e recomendações para a reversão deste cenário. A reunião plenária do grupo de trabalho está ocorrendo esta semana em Paris.
O relatório “Brazil: Setbacks in the Legal and Institutional Anti-Corruption Frameworks” complementa denúncias anteriores realizadas pela Transparência Internacional – Brasil em 2019 e 2020. Esta atualização traz novas evidências sobre a perda de independência e crescimento da ingerência política por parte do Governo Federal sobre órgãos fundamentais na luta contra a corrupção, como a Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Receita Federal, COAF, entre outros.
A ingerência também se estende a órgãos de controle em outras áreas, como a ambiental, que vêm sofrendo um verdadeiro desmanche, com graves consequências no enfrentamento de crimes ambientais e violações de direitos humanos. No Congresso Nacional, os retrocessos na transparência do processo legislativo (principalmente, o orçamento secreto) foram destaques, além da reforma que enfraqueceu a Lei de Improbidade Administrativa, uma das principais leis anticorrupção do país.
Já no âmbito do Poder Judiciário, o documento destaca a decisão do STF que retirou da Justiça comum e transferiu para a Justiça Eleitoral a competência para julgar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros, quando houver associação destes com crimes eleitorais (como caixa 2, por exemplo), e está resultando em dezenas de casos graves anulados e prescritos, além do impacto extremamente negativo na capacidade do país de processar e punir grandes esquemas de corrupção, já que os tribunais eleitorais têm muito menos estrutura e capacidade técnica para lidar com a complexidade desses crimes.
O documento também traz denúncias sobre os ataques do Presidente da República e outras autoridades às organizações da sociedade civil, academia e jornalistas investigativos, que além de enfraquecer o controle social da corrupção, deterioram gravemente a democracia brasileira.
Entre as principais recomendações do relatório estão medidas para recuperar a independência dos órgãos anticorrupção, reformas legais para evitar impunidade da corrupção política, transparência no processo legislativo e orçamentário, além de salvaguardas contra a redução do espaço cívico, a criminalidade ambiental e deterioração democrática.
Situação do Brasil no Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE
O relatório da Transparência Internacional – Brasil, que será enviado a outros organismos internacionais, foi entregue, primeiramente, ao Grupo de Trabalho Antissuborno (WGB) da OCDE, cuja reunião plenária está acontecendo nesta semana em Paris. O WGB é responsável por monitorar o cumprimento da Convenção contra o Suborno Transnacional da OCDE, da qual o Brasil é signatário desde 2000. Nos últimos três anos, o Brasil vem sofrendo várias pressões deste GT, por seu descumprimento de compromissos assumidos no âmbito da Convenção. Em 2019, o país recebeu uma missão de alto nível da OCDE para verificar in loco e reverter retrocessos e, em 2020, uma medida inédita foi tomada, com a instalação de um sub-grupo ad hoc para monitorar exclusivamente a situação do Brasil. Nestas duas ocasiões, a Transparência Internacional – Brasil também publicou relatórios que documentavam os crescentes retrocessos.
Em janeiro deste ano, teve início o processo formal de adesão do Brasil à OCDE, junto com outros cinco países. Trata-se de um processo extremamente criterioso, que pode durar até cinco anos, durante o qual todos os grupos de trabalho e comitês da OCDE participam da avaliação dos países em diversas áreas. Os retrocessos na pauta anticorrupção, refletidos na situação cada vez mais crítica do Brasil no Grupo de Trabalho Antissuborno, somam-se às graves preocupações no campo ambiental como os dois maiores obstáculos à pretensão do governo do Brasil em aderir ao “clube das nações ricas”, como é conhecida a OCDE.
“O Brasil pode reverter estes graves retrocessos na luta contra a corrupção e na defesa do meio ambiente, pois há muito pouco tempo era reconhecido como exemplo de progresso nessas duas áreas. São temas prioritários para a comunidade internacional, que o país deve dar muita atenção em seus objetivos de inserção global”, comenta Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional – Brasil.
Íntegra da Introdução do documento
Em janeiro de 2022, o governo brasileiro anunciou ter recebido um convite formal da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) para iniciar o processo de adesão para o chamado “Clube das nações ricas”. Embora o caminho a adesão implicará um longo processo de ajustamento para as práticas e regulamentos do país, há preocupação de que o convite venha em um momento de desmontagem contínua de estruturas colocadas no lugar, sobre os últimos anos, para combater a corrupção, promover a preservar o meio ambiente e, finalmente, proteger a democracia do país.
Isso traduziu em restrições aos mecanismos de transparência, perda independência e maior interferência política em instituições cruciais, a neutralização do sistema de freios e contrapesos e encolhimento do espaço cívico. No ano passado, Governo Federal e o Congresso Nacional foram responsáveis por contratempos sem precedentes para transparência e controle da alocação do orçamento federal.
Por meio de distorções processuais, eles criaram o chamado “orçamento secreto” , um sistema para distribuir um exorbitante quantidade de recursos públicos (R$ 16,86 bilhões ou US $ 3,04 bilhões previstos para o orçamento de 2021) entre os parlamentares que apoiam o governo em votos críticos, em um maneira opaca e não oficial, infringindo leis e o Constituição Federal Brasileira.
O mecanismo é de interesse dos parlamentares que buscar controlar e direcionar fundos para suas bases eleitorais, para fortalecer sua candidatura à reeleição em 2022 ou para irrigando esquemas de corrupção. Também serve ao presidente Jair Bolsonaro, que precisa reunir apoio por suas agendas legislativas e, principalmente, para se proteger contra mais de 100 pedidos de impeachment e Comissão Parlamentar de inquérito que investigou o papel do governo na pandemia de Covid-19 e pediu a acusação do presidente por nove crimes.
Todos eles lucram às custas da população brasileira, que sofreu na pandemia com mais de 650.000 mortes, uma queda de 3,9% no crescimento econômico em 2020, mais de 10 milhões desempregados e um aumento recorde na desigualdade social. Além de Bolsonaro, a outra figura-chave e a maior beneficiário do “orçamento secreto”, é o político Arthur Lira, eleito presidente da Câmara dos Deputados em 2021. Um político veterano, condenado duas vezes por improbidade, o Sr. Lira acumulou poder extraordinário através de exercício do controle centralizado do “orçamento secreto” e sua alocação discricionária entre os parlamentares.
Lira tem influência sobre o presidente por ter a prerrogativa de abrir pedidos de impeachment inativos. Armado com esse poder, Lira adotou uma autoritária postura na presidência da Câmara dos Deputados, sem precedentes desde a redemocratização do país na década de 1980, isso representou uma redução drástica na transparência e participação, e desconsideração sistemática para o devido processo na Câmara. Com seu legislativo “blitzkrieg”, Lira aprovou reformas que afrouxam leis relacionadas à luta contra a corrupção e à proteção do ambiente – incluindo regulamentação que fomenta o carvão produção de energia e apropriação de terras, e mina o processo de licenciamento ambiental.
O controle do presidente Bolsonaro sobre o Parlamento, por meio disso parceria com Lira no esquema” orçamento secreto”, contribui para um controle já consolidado sobre o público Ministério Público. O Ministério Público em exercício, Augusto Aras, foi recentemente reconduzido a um novo mandato de dois anos pelo presidente, mantido sem dificuldade após uma audiência no Senado, após docilidade com a classe política em seus dois primeiros anos no cargo. Bolsonaro neutralizou os dois principais pilares, tanto políticos como jurídicos, do sistema de controlo e equilibra que limitam o poder e garantem a responsabilidade pela Presidência da República.
Esta arquitetura de impunidade amplia-se através da interferência política sobre as instituições de controle. O processo de captura do Estado, amplamente documentado e denunciado pela Transparência Internacional desde 2019, já ultrapassou o objetivo de proteger aliados e alcançou muito mais nível perigoso de perseguir adversários-como mostrado por episódios cada vez mais frequentes de retaliação contra agentes da lei e pela acumulação de evidências sobre a configuração de inteligência e digital estruturas paralelas de vigilância.
Essa intimidação e retaliação também visam a imprensa, círculos acadêmicos e sociedade civil organizada. Recente episódios envolvem vigilância ilegal, investigações baseadas sobre a Lei de Segurança Nacional (criada durante as forças armadas do Brasil ditadura e recentemente revogada), e ataques coordenados por milícias digitais incitadas pelo discurso de ódio presidencial, em além da deterioração do espaço cívico também envolve o desmantelamento dos espaços oficiais de participação, desrespeito sistemático pela Lei de acesso à informação, e um padrão institucionalizado de desinformação, através de divulgação de notícias falsas pelo governo.
A Suprema Corte desempenhou um papel importante como uma força contrária ao avanço autoritário do presidente Bolsonaro e Lira. Embora criticado que seu desempenho poderia ser mais incisivo e menos acomodando, o tribunal foi um dos poucos pontos de resistência efetiva ao desmantelamento de estruturas institucionais, e em busca de um grau de responsabilidade presidencial. Significativamente, as decisões do Supremo Tribunal Federal foram acionadas com muito mais frequência por atores políticos (parlamentares e partidos) e atores sociais (ONGs) e não pelo Ministério Público, que deve ser a autoridade mais ativa em relação à supervisão constitucional da Presidência.
No lado contrário, a omissão do sr. Augusto Aras tem sido objeto para críticas frequentes de membros da Suprema Corte. Precisamente porque se tornou um reduto de resistência, as Supremas Cortes e alguns de seus juízes estão entre os alvos preferidos das notícias falsas e do presidente e de sua retórica odiosa, apoiada por suas milícias digitais. Existem temores substanciais de que, em 2022, a escalada do conflito entre diferentes ramos de poderes poderia gerar uma crise institucional de maiores proporções.
Apesar de sua resistência ao autoritarismo, uma polêmica Decisão da Suprema Corte de 2019 produziu, em 2021, consequências graves para a luta contra a corrupção no Brasil. A decisão afirmava que é a competência da Justiça Eleitoral para julgar comum crimes (por exemplo, corrupção, lavagem de dinheiro, etc.) que envolver uma conexão com crimes eleitorais. Depois disso houve decisão da Suprema Corte para vários casos envolvendo indivíduos poderosos, condenados por múltiplos tribunais e que foram anuladas total ou parcialmente e a maioria deles resultará em impunidade, pois ultrapassam o estatuto de limitação.
Mais sério, no entanto, é o impacto sistêmico na capacidade do Brasil de investigar e perseguir grandes esquemas de corrupção (incluindo transnacionais), como vários deles estão ligados a financiamento de campanha ilícita e agora cairá sob o competência dos menos qualificados e especializados Em 2022, o país será instado a se reunir internacionalmente compromissos anticorrupção e enfrentarão consequências por não conformidade, já que o Brasil deve passar por três processos formais de revisão: O segundo ciclo da revisão. mecanismo para a implementação da Convenção das Nações Unidas Contra a corrupção (UNCAC), a quarta rodada de avaliação da tarefa de Ação Financeira Internacional Força (FATF) e fase quatro do Anti-Suborno da OCDE Processo de monitoramento da Convenção.
Há muito tempo o objetivo do presidente Bolsonaro de se juntar ao OCDE, alinhe o Brasil às principais economias e receba um selo aprovação das práticas e regulamentos do país. Ele é essencial, no entanto, que o processo de adesão forneça para a participação de atores não estatais independentes em a avaliação da conformidade do Brasil com as normas recomendado pela OCDE, de modo que as limitações regulatórias e questões de aplicação são completamente consideradas, portanto, aproveitando a oportunidade para a melhoria efetiva do público políticas para o desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Os golpes sustentados do presidente Bolsonaro ao meio ambiente a Política já levou os jogadores internacionais a emitir um warning (advertência, traduzido do inglês) sobre a necessidade de avançar a luta contra o desmatamento e as mudanças climáticas durante o negociações de adesão. Como fraude, corrupção e lavagem de ativos formar a espinha dorsal dos crimes ambientais, os contratempos no sistema anticorrupção, como apontado ao longo este relatório, juntamente com o enfraquecimento da ambiente, governança, criando uma tempestade perfeita para o meio ambiente.
Muito além da causa anticorrupção, o regime democrático brasileiro como um todo enfrenta uma deterioração contundente e as eleições 2022 trazem ameaças novas e mais sérias. O processo avançado de captura de supervisão, inteligência e as instituições policiais podem ser usadas para atacar políticos opositores e, na hipótese de o presidente Bolsonaro for derrotado, os riscos de desafios para os resultados eleitorais, e caso de ruptura institucional, são bastante reais.
É, portanto, vital que a comunidade internacional se junte esforços das instituições brasileiras e da sociedade civil para defender o estado de Direito e a governação democrática.
Íntegra do documento da Transparência Internacional em inglês, em arquivo PDF:
20220309_TIBR-Setbacks-2021