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A emergência da pesquisa e do ensino público: a gente chamada Brasil, por Nathan Caixeta


O Ensino Público não é custo. A pesquisa universitária não é custo. Os empreendimentos tecnológicos não são somente para “sociedades com mão de obra qualificada”


A emergência da pesquisa e do ensino público: a gente chamada Brasil | Foto: Reprodução/Jornal GGN

Reprodução do Jornal GGN

por Nathan Caixeta

Cheguei ao Coração “desindustrializado do Brasil”, recebendo o dilúvio fino que pesa sobre as nucas dos habitantes da terra da garoa. Após ser presenteado com a atenção de Nara e Paula Quental, as quais espero não ter chateado com as longas divagações provocativas da Antieconomia. Recebi outro presente ao retornar para Campinas, trafegando pelas rodovias paulistanas. Fui de carona com Lúcio Freitas-Junior, empreendedor, pós-graduado em Paris e com vasta experiência internacional em pesquisa no ramo farmacológico.

Enquanto atravessávamos a antiga rota do café, hoje pintada de concreto, a conversa se estendeu para os mais diversos assuntos.

Os sonhos que afastam um experiente pesquisador de um jovem economista, concluímos: estão unidos pelo ímpeto da criatividade. Lúcio me contou sobre sua experiência na Ásia. Foi para lá abraçando o desconhecido, quando voltou era indicado para alçar à diretoria do renomado centro de pesquisa norte-coreano, onde trabalhou durante 8 anos.

Ao trocarmos nossas visões sobre os paralelos entre o desenvolvimento científico-educacional entre a Coreia do Sul e o Brasil, verificamos dois pontos centrais que vão à contramão do complexo de vira-lata:

1 – No Brasil a mão de obra qualificada é mal aproveitada e a não-qualificada carece de oportunidades. A falta de incentivo a pesquisa e ao ensino público faz com que aqueles que escapam da barreira do ensino regular, encontrem no estrangeiro algo além de maiores remunerações: desafios e valorização profissional.

Na Coreia, a pesquisa e o ensino foram e continuam sendo centrais para o desenvolvimento econômico-social do país que em 1980, enquanto o Brasil exibia um nível de desenvolvimento industrial-tecnológico muito superior ao coreano, o país asiático ainda engatinhava.

De lá para cá, o Brasil estacionou, foi desindustrializado e a tragédia se abateu sobre nossos centros de pesquisa e universidades que registraram o menor investimento da história durante a segunda metade da década 2011-2020.

A Coreia entrou na globalização afiançada pela integração regional nos níveis produtivo, tecnológico e industrial, montando uma economia hiperindustrializada. O bloco dos tigres asiáticos, cercados pela tela de proteção chinesa, criaram uma sinérgica articulação entre investimento estatal, iniciativa privada, pesquisa e desenvolvimento tecnológico aliado à educação.

2 – a “jabuticaba” brasileira não está na ineficiência do Estado, mas no desmonte de sua capacidade de investimentos no ramo social, educacional e tecnológico. Não por menos, os asiáticos participam como geradores da 4° revolução industrial, enquanto, nós, estacionamos no padrão industrial dos bens de consumo duráveis que está há três décadas em processo de putrefação. Os atuais detentores da caneta governamental não cansam de disparar: “o agro é o motor da Economia nacional. A pesquisa é um custo que não cabe no ‘teto’ orçamentário”.

Acrescento: como demonstrou os esforços dos pesquisadores brasileiros envolvidos na criação das vacinas. A ciência e a educação salvam vidas. Contudo, isso não basta! Sem investimento em pesquisa, tecnologia e política industrial, a incursão do Brasil no novo paradigma tecnológico será inviável. Veremos tudo a distância, enquanto o “agropop” nos fará viajar no tempo: de volta às estradas do café.

O companheiro de carona compartilhou um relato que ilustra bem as distâncias entre um país gerador de progresso técnico e o Brasil que exporta cérebros:

“O IPhone foi a maior inovação desde a Internet. Num dia o mundo conectava-se por computadores pessoais restritos a espaços físicos. No outro, todo complexo de conexão virtual estava na palma da mão. Sabe o que os coreanos fizeram? Determinaram a criação de um Smartphone mais barato e melhor. Assim nasceu a competição entre Apple e Samsung. Em três anos a empresa sul-coreana furou a barreira tecnológica mediante a pesquisa e o financiamento aliado à integração produtiva-tecnológica regional”.

Em Pindorama, nos contentamos em importar as peças dos maravilhosos Smartphones e montá-las por aqui, deixando o valor agregado para os outros. Enquanto isso, os cérebros brasileiros envolvidos com pesquisa encontravam no estrangeiro o apoio e o reconhecimento que merecem.

Retomando o papo, perguntei: porque retornar ao Brasil diante de uma posição de destaque no velho-novo oriente?

A resposta me surpreendeu: “sou viciado em desafios. Acredito que no Brasil existem muitos ramos a serem explorados”.

Lúcio e seu Sócio, Fernando, montaram uma Startup de pesquisa em Biomedicina e Biotecnologia, a “Quaser Bio” associada a USP. A Startup propõe ser: “uma ponte entre Universidades e Empresas para o desenvolvimento de pesquisas e produtos em prol da sociedade”.

A Empresa atua na lacuna existente entre a pesquisa de alta-tecnologia e a demanda de empresas que necessitam de insumos cuja insuficiência de oferta no setor encarece os custos de logística (ao necessitarem importar os insumos) e dos próprios componentes utilizados para fabricação de remédios.

Os entrepreneurs   subsidiam a demanda futura, pegando carona na estratégia asiática de investimento tecnológico de “criar o mercado”.

Se o entrepreneur é fundamental para a “destruição criadora” de Schumpeter, o Estado deve estar à frente, fomentando a pesquisa, “criando a demanda” e repartindo os riscos do empreendimento através do crédito e do investimento, como ensinou Mariana Mazzucato. Caso contrário, a boiada do mundo passará sobre a Banana Republique do Agropop.

Para concluir, lembro os testemunhos de colegas da Unicamp na aula Magna de Lula: “sou o primeiro da família a entrar na universidade graças ao estímulo ao ensino público”. Companheiro Lúcio, eu também, sou filho de “mãe solo”, sou filho do ensino público.

Filhos do FIES, do Prouni, do Bolsa-Família. Pretos, LGBT’s, indígenas que ultrapassaram a barreira das universidades outrora habitada unicamente por herdeiros de olhos azuis.

O Ensino Público não é custo. A pesquisa universitária não é custo. Os empreendimentos tecnológicos não são somente para “sociedades com mão de obra qualificada”. O ensino, a pesquisa, as políticas de renda e o fomento à tecnologia são investimentos. Investimento em gente. A gente chamada Brasil.

Nathan Caixeta, pós-graduando em desenvolvimento econômico no IE/UNICAMP e pesquisador do núcleo de estudos de conjuntura da FACAMP (NEC-FACAMP).