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Amazônia está nas mãos do crime organizado e esse é um ponto de não retorno, diz a Infoamazônia

Vilarejo indígena no Vale do Javari, próximo à divisa com o Peru, está entregue nas mãos do crime organizado | Foto: Infoamazônia

“Assassinatos de Bruno e Dom revelam que a Amazônia já passou de pelo menos um ponto de não retorno: ela está nas mãos do crime organizado”. É assim que a Infoamazônia, uma das entidades independente e está entre as mais conceituadas no Brasil e no exterior na produção de dados, mapas e reportagens geolocalizadas sobre a maior floresta tropical contínua do planeta, se refere como se encontra à região durante o atual governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

A Amazônia, segundo a Infoamazônia, cobre uma extensão de 7,8 milhões de km2, cerca de 12 macrobacias e 158 subacias, compartilhadas por 1.497 municípios, 68 departamentos/Estados/Províncias em oito países: Bolívia (6,2%), Brasil (64,3%), Colômbia (6,2%), Equador (1,5%), Guiana (2,8%), Peru (10,1%), Suriname (2,1%) e Venezuela (5,8%), além da Guiana Francesa (1,1%).

Na Amazônia vivem cerca de 33 milhões de pessoas, incluindo 385 povos indígenas, alguns em situação de “isolamento”. São 610 áreas protegidas e 2344 territórios indígenas que ocupam 45% da superfície amazônica, não incluindo os proprietários de terras pequenas, médias e grandes, empresas de vários tipos, instituições de pesquisa e desenvolvimento, bem como organizações religiosas e da sociedade civil.

Preocupação

“Preocupados com os impactos do desmatamento, acabamos nos familiarizando com o conceito de “tipping point”, ou o ponto de não retorno. É quando, de tão desmatada, a floresta passa a se transformar em um ambiente com menos chuvas e, num ciclo vicioso, passa a queimar mais, tornando-se cada vez mais seca.  Nestes últimos dias, vimos que o colapso ecossistêmico não é único em curso na maior floresta tropical do planeta. Confirmando os nossos piores temores, as mortes de Bruno e Dom estão mostrando que o crime tomou conta da Amazônia de maneira, talvez, irreversível”, diz a entidade em um editorial.

O texto é assinado por Gustavo Faleiros, co-fundador do InfoAmazonia e editor da Rainforest Investigations Network (RIN) do Pulitzer Center. “Bruno Pereira e Dom Philips eram, cada um a sua maneira, defensores da Amazônia e seus povos. O primeiro, com anos de serviço público, dedicou-se a proteger os índios isolados do Vale do Javari, combatendo invasores do território de oito milhões de hectares. Já o segundo, exercendo o jornalismo rigoroso, evidenciou os crimes ambientais e também as soluções para uma região tão complexa como a Amazônia”.

“Muito antes desta tragédia, soavam alertas para o domínio do crime organizado nos centros urbanos da região Norte. As revoltas nos presídios de Altamira, Boa Vista e Manaus, relacionadas a disputas entre facções criminosas pelo domínio de novas rotas de tráfico, deixaram o maior número de mortos entre os detentos na história. E todas ocorreram nos últimos cinco anos. (Governos Temer e Bolsonaro)”, prossegue.

“Hoje, basta andar pelos bairros de Manaus e Tabatinga para topar com centenas de pichações com as siglas PCC ou CV, os dois grupos mais fortes em todo o país, que surgiram em São Paulo e Rio de Janeiro, mas criaram ramificações na Amazônia. O que chamo de ponto de não retorno é que estes grupos estão, agora, também estabelecidos na região. Mesmo que o assassino confesso pelas mortes não esteja diretamente conectado às facções do crime organizado que estão atuando na Amazônia, o que explicaria a presença de armamento de uso restrito em suas mãos? As suspeitas de que a pesca ilegal no Vale do Javari seja uma forma de lavar dinheiro para cartéis do narcotráfico também torna o terreno mais pantanoso”, continua.

O que sabemos mais e mais é que o crescimento de grupos criminosos não está restrito às cidades amazônicas – eles se adentram fundo na floresta. As ligações entre o crime organizado e os garimpos do sul do Pará, em territórios indígenas Munduruku e Kayapó já são alvos de investigações da Polícia Federal e ações do Ministério Público Federal. Já em Roraima, dentro do território indígena Yanomami, segue a investigação sobre a conexão do PCC com os ataques a comunidades indígenas no rio Uraricoera, diz a Infoamazônia.

Ponta do iceberg

Estes casos, no entanto, são apenas a ponta do iceberg. A articulação do crime organizado na Amazônia não é apenas nacional; é regional e internacional, como não poderia deixar de ser, já que os principais mercados consumidores de drogas, madeira e ouro estão fora do país. As histórias e as investigações que chegam é que, na tríplice fronteira sobre o rio Solimões, indígenas são aliciados para trabalhar no tráfico. Na fronteira norte, com a Venezuela, grupos armados e em colaboração com a guerrilha colombiana ELN dominam rotas ilegais de ouro e mercúrio.

O significado das mortes de Dom Philips e Bruno Pereira está apenas começando a ser compreendido. Talvez estejamos entrando em um território que, infelizmente, é bastante conhecido pelos jornalistas mexicanos. Quem reporta sobre os negócios dos cartéis daquele país está colocando a cabeça a prêmio. A articulação internacional do crime organizado vai exigir mais coragem – mas também mais proteção e mais colaboração.

Não se pode esquecer ou minimizar as centenas de pessoas, ambientalistas, jornalistas e líderes comunitários que já tombaram na luta contra a destruição da Amazônia nos últimos 40 anos. Mas este caso, que repercutiu no parlamento britânico e na Cúpula das Américas, resultará no entendimento de que a Amazônia não é mais apenas um palco de crimes ambientais e disputas de terra. Ela está dominada também pelo crime organizado.

Terra de pistolagem

Este caso pode nos lembrar da comoção mundial que se instalou quando a irmã Dorothy Stang foi morta em Anapu em março de 2005 e como muitas medidas foram prometidas (e algumas efetivamente tomadas) para que a Amazônia deixasse de ser a terra da pistolagem. Passados quase vinte anos, vimos o recrudescimento da violência e seus representantes legítimos estão no poder. Das câmaras de vereadores ao Palácio do Planalto, políticos defendem mais mineração em terras indígenas, acesso a armas, redução de áreas protegidas, legalização de áreas griladas.

Exatamente por isso não será nossa dor frente a esta barbaridade que vai resolver os problemas da Amazônia, trazer mais proteção às comunidades ou deflagrar um combate efetivo aos crimes na região. O que a morte destes dois homens que dedicavam sua vida à Amazônia vai trazer é a percepção de que esta luta está apenas começando.