A Quinta Turma do Tribunal, por unanimidade, entendeu que o auxílio emergencial e o programa de ressarcimento têm naturezas distintas
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reformou sentença de primeira instância e impediu que a Samarco Mineração S/A, empresa responsabilizada pelo desastre da barragem do Fundão, em Mariana (MG), desconte o valor do auxílio pago mensalmente às vítimas da quantia das indenizações devidas aos atingidos. A decisão acompanha a liminar proferida pela desembargadora federal Daniele Maranhão, relatora do caso, e o entendimento do Ministério Público Federal (MPF). Leia na íntegra a apelação feita pelo MPF, em arquivo PDF, clicando neste link.
A sentença reformada da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG) permitiu que a empresa declarasse a natureza de lucros cessantes dos valores repassados aos atingidos, permitindo, assim, a dedução no valor das indenizações. Os efeitos dessa decisão, no entanto, já estavam suspensos por conta de requerimento apresentado pelo MPF, a fim de evitar grave violação de direitos humanos a milhares de atingidos pelo desastre.
A decisão de agora decorre de apresentação de Incidente de Divergência de Interpretação pela Samarco, que contestava o entendimento sobre o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). A mineradora questionava na Justiça a possibilidade de deduzir o valor do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) das quantias a pagar do Programa de Ressarcimento e Indenização dos Impactados (PIM).
Para a relatora do caso, o AFE disponibilizado aos atingidos pelo desastre tem caráter assistencial, temporário e indisponível, não sendo aceitável a interrupção, negociação ou antecipação de pagamentos futuros até o restabelecimento das condições para retomada das atividades produtivas ou econômicas pelos impactados. Além disso, sustenta a desembargadora, sua natureza jurídica é distinta do PIM.
Dessa forma, o Tribunal entendeu que a pretensão da Samarco de compensar o AFE resultaria em “insegurança jurídica aos impactados pela tragédia ambiental e em descrença no procedimento de autocomposição, em desprestígio a todo o trabalho de resolução consensual do conflito, assim como à decisão judicial que homologou o TAC Governança, há muito com trânsito em julgado e em fase de execução.”
Descumprimento
MPF apontou o descumprimento de decisão que suspendia a possibilidade de compensação do valor dos auxílios nas indenizações. De acordo com o órgão ministerial, o desconto dos valores estaria ocorrendo por meio do Sistema Indenizatório Simplificado ou Novo Sistema Indenizatório (Novel), criado em julho de 2020.
“Apesar do esclarecimento quanto a não inclusão do AFE nas decisões que instituíram o Novel para os territórios impactados pelo desastre, ainda assim, de forma arbitrária, a Fundação Renova tem incluído as verbas de AFE no bojo do termo de quitação integral e definitiva previsto como condição de adesão ao Novel”, destaca o procurador regional da República Felício Pontes Jr., que assina a peça ministerial.
O Ministério Público também alertou para o fato de que, ainda em outubro de 2021, a Fundação Renova já havia cessado abusivamente o pagamento de AFE para 7.182 pessoas atingidas que haviam aderido ao Novo Sistema Indenizatório. “Tratando-se de uma alternativa ao PIM, é possível afirmar que o Novel também tratou unicamente da indenização por danos materiais e/ou morais decorrentes do desastre, não se imiscuindo na temática do AFE”, diz a manifestação do MPF.
Assim, o Ministério Público requereu à Justiça que a Fundação Renova fosse impedida de incluir verbas de auxílio financeiro emergencial no termo de quitação exigido daqueles que viessem a aderir ao Novel, fixando-se multa para cada hipótese de descumprimento. A decisão foi obtida de forma liminar em 2020, e agora de maneira definitiva.
Tragédia
O Caso Samarco, como ficou conhecido, aconteceu em novembro de 2015, acarretando severos prejuízos ao meio ambiente e na malha social de milhares de comunidades espalhadas por toda a bacia e litoral capixaba. Desde o acidente, um emaranhado de medidas judiciais e extrajudiciais visam a recuperar/compensar os prejuízos acarretados ao ecossistema da bacia do rio Doce e do seu litoral, da qualidade da água para consumo humano, bem como dos incontáveis prejuízos morais, materiais e existenciais sofridos pelos atingidos e atingidas de todos os territórios. Além dos incontáveis danos ambientais, a tragédia resultou na morte de 19 pessoas.