Já a diferença entre as pesquisas eleitorais e os números finais teve a explicação, dada por ex-embaixador português como sendo o “efeito vergonha”, onde parte dos eleitores de Bolsonaro se envergonham em dizer ao pesquisador que vão votar nele
As melhores definições e interpretações do resultado das eleições deste último domingo (2) foram feitas pela imprensa estrangeira. Para a imprensa alemã, a esquerda brasileira tem motivos de sobra para comemorar, apesar de ver frustrada esperança de vitória de Lula no primeiro turno e assistir a uma nova onda de direita no Legislativo. Para, a empresa pública de rádio e televisão da Alemanha, a Deutsch Wille (DW), a esquerda recuperou terreno e obteve conquistas como a eleição de mulheres indígenas e trans.
Já a imprensa portuguesa encontrou uma explicação para a diferença de votos entre as pesquisas eleitorais, mesmo aquelas feitas por institutos de pesquisas com credibilidade, e o resultado final dos números eleitorais. A explicação é que existe entre o eleitorado que apoia a extrema-direita bolsonarista o fator “efeito vergonha”. Essa é a explicação dada pelo ex-embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, em entrevista ao jornal português Diário de Notícias.
“Os especialistas em sondagens brasileiros não tiveram em conta, ou consideraram que não deviam ter em conta, aquilo que tinha acontecido (nas eleições de 2018”, onde o então candidato Jair Bolsonaro “teve muito mais votos do que aquilo que as sondagens lhes davam”, por causa do “efeito vergonha”, assinalou o ex-embaixador português.
O que é “efeito vergonha”?
Ainda de acordo com o entrevistado do jornal de Lisboa, “o efeito vergonha” acontece quando há um candidato extremista em jogo e o eleitor “é confrontado durante as sondagens” e não “quer dizer que vai votar” naquele candidato da extrema-direita. Nesse caso, boa parte do eleitor de Bolsonaro teve vergonha em dizer para o pesquisador, dizendo que não tinha escolhido ou até inventando um outro nome que disputava a Presidência da República.
Assim, o ex-embaixador português no Brasil analisou que por isso, “o resultado de Lula mantém-se, embora numa escala inferior, mas dentro do que era previsível, 48,5%” e o do candidato Jair Bolsonaro “é muito superior e, em particular, também são muito inferiores os resultados dos dois candidatos imediatamente a seguir”, Ciro Gomes e Simone Tebet.
A esquerda brasileira tem motivos para festejar
Em artigo assinado pelo jornalista Jean-Philip Struck, a DW fez uma leitura positiva e que ajuda a esquerda tirar a frustração diante de tantos deputados estaduais e federais, além de senadores de extrema-direita eleitos neste último domingo. Apesar de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ter vencido no primeiro turno, algo que pesquisas apontaram que tinha chance de acontecer, e da eleição de uma nova onda de direita no Legislativo, “a esquerda brasileira tem motivos para comemorar”, inicia o jornalista em seu artigo.
Ele lembra que após o fracasso de 2018, a esquerda recuperou neste último domingo o terreno junto ao eleitorado, criando um cenário difícil para a reeleição de Jair Bolsonaro (PL). Lula ficou à frente de Bolsonaro por mais de 6 milhões de votos no primeiro turno e, desde a redemocratização, nunca um segundo colocado conseguiu virar o resultado na segunda rodada. Os 57,2 milhões de votos recebidos por Lula neste primeiro turno de 2022 rivalizam com os 57,8 milhões que Bolsonaro recebeu no segundo turno de 2018, lembra o jornalista.
Em relação a Fernando Haddad no primeiro turno de 2018, Lula ampliou a votação presidencial do PT em mais de 25 milhões de votos, prosseguiu em sua análise. Lula recuperou espaço para o PT em todos os estados brasileiros, incluindo grandes colégios eleitorais como São Paulo e Rio de Janeiro. No Rio, estado que foi o berço do bolsonarismo, Haddad recebeu apenas 14,7% dos votos no primeiro turno de 2018. Em 2022, Lula obteve 40,7%.
O PT também elegeu quatro senadores e ampliou sua bancada de seis para nove em relação a 2018. Na Câmara, junto com a federação que formou com PCdoB e PV, o PT elegeu 80 deputados. Será a segunda maior bancada da Casa. Juntos, os três partidos elegeram 11 deputados a mais que em 2018. O PT também foi o partido que mais elegeu governadores no primeiro turno: três e continua a na disputa em mais quatro estados.
O partido ainda colecionou várias marcas simbólicas. Elegeu o deputado estadual mais votado de São Paulo, Eduardo Suplicy, com 807 mil votos, e foi para o segundo turno em Santa Catarina, um dos estados mais bolsonaristas do país, com o petista Décio Lima enfrentando Jorginho Mello, do PL. O PT também é o partido que mais elegeu mulheres para a Câmara: 21.
Outras conquistas citadas: Crescimento do PSOL, trans e mulheres indígenas
Entre os motivos para a esquerda comemorar, a a Deutsch Wille ainda cita o crescimento do PSOL, que em aliança com a Rede, elegeu 14 deputados, três a mais do que em 2018. Guilherme Boulos, do PSOL, foi o deputado federal mais votado de São Paulo, tomando a posição que havia sido de Eduardo Bolsonaro em 2018, e o segundo mais votado do Brasil, com mais de 1 milhão de votos.
Boulos chegou a cogitar candidatura à Presidência pelo partido, mas optou por concorrer à Câmara para fortalecer a bancada do PSOL. Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, ele chegou a disputar o segundo turno para prefeito de São Paulo em 2020 e em 2018 concorreu à Presidência. Em 2021, a revista americana Time elegeu Boulos como uma das 100 lideranças emergentes que estão moldando o futuro.
Entre os motivos de comemoração apontado pela DW está a histórica eleição de duas deputadas federais trans: Erika Hilton, do PSOL, e Duda Salabert, do PDT, sendo esta última a terceira deputada mais votada de Minas Gerais. A trans Erika conquistou o oitavo lugar entre os parlamentares federais mais votados em São Paulo. Nas últimas eleições, em 2020, ambas haviam sido eleitas vereadoras. Ainda é citada a eleição de duas indígenas para a Câmara dos Deputados: Sônia Guajajara e Célia Xakriabá. Célia Xakriabá foi eleita também pelo Psol, de Minas Gerais, com a defesa dos territórios indígenas e de ações que atenuem as mudanças climáticas como pauta.