Um estudo pioneiro no Espírito Santo, realizado na Ufes, investigou o papel das bibliotecas na reeducação e na remição das penas de internos do sistema prisional capixaba. Trata-se da dissertação de mestrado de Adriana Zamite, intitulada O papel da biblioteca no processo de obtenção da remição de pena pelo trabalho, estudo e pela leitura no Complexo Penitenciário de Xuri no estado do Espírito Santo (ES), apresentada no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação.
Para realizar o trabalho, a pesquisadora visitou as cinco penitenciárias que compõem o Complexo, em Vila Velha. A intenção era observar a estrutura das bibliotecas e o funcionamento dos projetos de remição de pena. Na pesquisa de campo, Zamite entrevistou a Subgerência de Educação nas Prisões e os internos que trabalhavam nas bibliotecas prisionais.
A ideia de realizar a pesquisa surgiu quando a autora, que é bibliotecária, ministrava um curso de auxiliar de biblioteca por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) para internos do Complexo de Xuri, em 2014. “Observei a existência de bibliotecas nas unidades e o serviço de empréstimo realizado por alguns internos. Mas percebi, durante as aulas, a pouca fluência leitora dos alunos e a carência de atividades de reintegração educativa, social e cultural”, lembra Zamite.
Como mostra o estudo, a legislação brasileira prevê a criação de bibliotecas em unidades prisionais. No entanto, das 1.426 instituições prisionais no país, apenas 809 contam com bibliotecas. O abismo entre a lei e sua aplicação aumenta quando se observa o total da população carcerária: segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de 2019, são 748.009 as pessoas privadas de liberdade no Brasil.
“No ambiente prisional, a biblioteca tem o papel fundamental de incentivar o hábito de leitura, mas também disponibilizar informação, entretenimento e cultura. Ademais, ameniza a vida no cárcere e pode proporcionar ao reeducando uma oportunidade de transformar sua realidade”, afirma Zamite.
Subutilização
No Espírito Santo, das 36 unidades prisionais, 30 possuem bibliotecas e/ou salas de leitura. Grande parte delas, porém, é subutilizada em relação a projetos de leitura para os internos. No Complexo de Xuri, quatro das cinco unidades contam com biblioteca. Embora o reeducando tenha, por lei, o direito de abater a pena por meio do estudo e da leitura, os nove internos que trabalham nas bibliotecas do Complexo estão remindo suas penas somente por meio do trabalho – organização do acervo, empréstimo e restauro de obras danificadas.
“As unidades prisionais têm realizado algumas atividades pedagógicas ou com livros. Mas o Estado ainda não possui um projeto formalizado de remição de pena pela leitura”, explica Zamite. Na pesquisa de campo, a autora identificou que não há desenvolvimento de coleções para o acervo, formado a partir de doações, sobretudo de familiares dos internos. Além disso, os empréstimos de livros são feitos de forma aleatória, isso é, sem a orientação de um profissional, já que o cargo de bibliotecário não existe na estrutura organizacional do Conselho Nacional de Justiça.
“É imprescindível uma política que direcione projetos de remição de pena e ações que colaborem para o uso do espaço da biblioteca. Para elaborar essa política e para que a biblioteca seja gerida de forma qualificada, o bibliotecário é essencial”, afirma Zamite.
Durante as entrevistas no Complexo, a pesquisadora percebeu mudanças significativas na fala e na escrita dos internos que tinham o hábito da leitura há mais tempo. “Muitos querem melhorar, mas é preciso dar oportunidade para que essa mudança ocorra”, diz a autora, que no doutorado pretende estudar a população carcerária feminina, em relação à prática leitora e audiovisual.
Pioneiro
Primeiro estudo no Espírito Santo que investiga bibliotecas prisionais, o trabalho de Zamite estabelece bases teóricas e metodológicas para pesquisas na área de Ciência da Informação, segundo a orientadora do estudo, professora Maria Cristina Grigoleto.
“Além disso, o trabalho instiga reflexões acerca da relevância de bibliotecários na estrutura organizacional das unidades prisionais e do fortalecimento do ensino sobre biblioteca prisional nos cursos de graduação”, afirma Grigoleto.
Para a professora, o estudo funciona ainda como mediador para melhorias na vida dos internos, com a garantia de direitos como a remição de pena, tornando a passagem pelo cárcere mais humanizada: “A pesquisa permite o (re)conhecimento de realidades periféricas e maior visibilidade às necessidades dos reeducandos durante o percurso de reintegração”.