Neste último domingo (20), fiscais municipais exigiam que os feirantes assinassem documento dizendo que “concordavam”. O intuito é atender aos interesses comerciais de um hospital particular, que se instalou no local 30 anos depois da feira ter iniciado, sem ter analisado a existência desse comércio tradicional. O “erro” será consertado eliminando a feira do local
A Prefeitura de Cariacica (PMC) cedeu às pressões de um hospital particular que foi instalado 30 anos após ter sido criada a feira livre dominical da Avenida Expedido Garcia, em Campo Grande, e agora está “exigindo” que os feirantes assinem um documento concordando com o fim do histórico comércio de hortifrutigranjeiros na principal avenida daquele bairro. Apesar de a municipalidade atender aos interesses financeiros do grupo econômico que explora o ramo hospitalar, não é informado aos feirantes e nem aos clientes se há um outro espaço de grande porte para abrigar a tradicional comercialização dominical de produtos da roça.
Os feirantes e usuários da feira livre de Campo Grande relatam que a comercialização de produtos agrícolas ocorre aos domingos na Avenida Expedito Garcia há décadas e que quando os empresários montaram essa filial do Vitória Apart Hospital S/A compraram o terreno na Avenida Expedito Garcia, 211, Lote 07, Quadra 06, já sabiam da existência da feira e ali não era um local ideal para se instalar um hospital particular. A inauguração ocorreu em 1º de novembro de 2019. O negócio hospitalar tem o CNPJ de número 02.209.094/0002-10 e é vinculado à holding Athena Saúde Brasil S/A.
Um estabelecimento que tem como objetivo final o lucro, pode ter errado ao não analisar o local onde iria ser implantado. No dia 17 de julho deste ano, em entrevista à repórter Diná Sanchotene, do portal A Gazeta, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade da Cariacica emitiu nota, onde concordava com os feirantes sobre a localização errada do empreendimento particular. Nessa nota, a municipalidade diz textualmente que “A feira da Avenida Expedido Garcia, em Campo Grande, acontece há mais d 30 anos no mesmo local e o pronto-atendimento foi instalado há poucos anos”. Nessa ocasião, disse que iria analisar a possibilidade de acabar com a histórica feira do local, para atender ao erro de localização de empreendimento privado.
Neste último domingo (20) os feirantes reclamavam. Joana Schäfer disse que fiscais da atual administração municipal, “carrancudos e mau humorados exigem que a gente assine um documento, dizendo que concordamos com o fim da tradicional feira livre da Avenida Expedito Garcia, o que não concordamos. ” Waldemar Koch, vendedor de verduras, disse que “eles querem que assinamos o fim da feira, mas não dizem se existe outro espaço para abrigar as nossas barracas em Campo Grande.” “Isso está sendo feito pela Prefeitura apenas para corrigir”, alegou Fred Mahas.
Estudo da Ufes
Em outubro de 2016, a pesquisadora Tatiane Alves, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), lançou um estudo denominado “Organizações que acontecem: Um olhar sobre a as práticas da feira livre de Campo Grande.” A íntegra dessa publicação pode ser baixada através de download em arquivo PDF, clicando neste link. A feira de Campo Grande é uma das maiores da Região Metropolitana de Vitória.
Nesse estudo, a pesquisadora inicia dizendo: “Cariacica, município da Região Metropolitana da Grande Vitória no Espírito Santo, semanalmente recebe um espetáculo em um dos seus bairros. Motoristas que passam pela BR 262 (agora rebatizada de Avenida Mário Gurgel) podem rapidamente ver parte do que os moradores assistem de forma completa em todas as manhãs de domingo: a Feira Livre de Campo Grande. Para a comercialização dos mais variados produtos a céu aberto, a principal avenida do bairro (e, talvez da cidade) é interditada em parte da sua extensão, em todas as noites de sábado, para o início do processo de preparação dessa tão conhecida e bem sucedida feira livre.”
No resumo, Tatiane Alves diz: “O artigo tem por objetivo descrever os arranjos de processos organizativos da Feira Livre de Campo Grande no município de Cariacica/ES e compreender como se dão as transformações espaciais por meio das suas práticas. Com uma abordagem exploratório-descritiva e com a técnica de observação, a feira foi pesquisada durante o mês de maio de 2016. Os dados possibilitaram a identificação de quatro processos organizativos: preparação, montagem, venda e encerramento. Identificou-se que, por meio das práticas desse organizar, a Feira Livre de Campo Grande se aproxima das propostas conceituais da abordagem de malhas de práticas e arranjos materiais dentro da perspectiva de organizing. Além disso, descreveu-se como a avenida que recebe a feira pode ser entendida como lugar, e como está se transforma em espaço sob a visão de Michel de Certeau.”