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Artigo Exclusivo – Atentados em Escolas: Terrorismo de extrema-direita (28/11/2022)

Atirador das escolas de Aracruz, portando a suástica nazista no ombro e acima o presidente derrotado Bolsonaro em discurso de violência | Fotos: Reprodução/Redes sociais

Deivison Souza Cruz* (autor)

Dedicado à Flávia Anboss Merçon Leonardo (in memoriam) e demais vítimas do atentado de 25/11/22

No estado do Espírito Santo, nos últimos 12 meses, ocorreram cinco incidentes graves em escolas. Destes, um configurou ameaça, outro tentativa e três atentados, sendo esses últimos no mesmo dia. Na primeira, em 12/12/2021 (Cariacica), envolveu um aluno de 12 anos, e a ameaça ficou apenas na internet. Já em 19/08/2022, o ex-aluno Henrique Lira Trad (18 anos) foi condenado por tentativa de homicídio e lesão corporal, o agressor foi contido portando balestra, flechas, facas e coquetéis molotov na EMEF Eber Louzada (Vitória).

Já os atentados de 25/11/2022, ocorridos no EEEFM Primo Bitti e no Centro Educacional Praia de Coqueiral – em Aracruz, e com o mesmo perpretador, um ex-alçuno de 16 anos, filho de um tenente da polícia militar, resultou até o momento em quatro vítimas de homicídio e 12 feridos a tiro, sendo que cinco pessoas seguem internadas, três ainda em estado grave ou muito grave. Sem relação com os ataques em Aracruz, um estudante de 15 anos da Escola de 1º Grau Cleres Martins Moreira vitimou com estilete quatro pessoas, sem mortes.

Em fins de 2021 foi apenas uma ameaça. Em meados de 2022 foram tentativas de homicídio e lesão corporal. Até o momento, no caso mais grave recente foi “apenas” quatro vítimas fatais e 12 feridos. Isso porque o terrorista tinha “apenas” uma pistola e um revólver. Estes três primeiros incidentes em menos de um ano colocam o Espírito Santo no topo da lista no Brasil. Mas porque preocupar? Aliás, pior seria se algum dos 430 mil fuzis 7.62 mm liberados para os CAC’s (Caçadores, Atiradores, Colecionadores) ou, quem sabe, armas do paiol das polícias e forças armadas.

O cenário é preocupante também por outros motivos. Desde 2015, o número de células nazistas (agrupamentos sobretudo na web) saltou de 72 para 1.117 em 2022, aponta a pesquisadora Adriana Dias. Embora a maioria concentre-se na região sul, a questão a saber é a participação de pessoas do Espírito Santo e a existência de células locais. A veneração a Guilherme Taucci (17 anos), perpetrador de 9 homicídios seguidos de suicídio na Escola Estadual Raul Brasil (Suzano-SP, 13/04/2019) sinaliza que está aberta uma competição para bater esse recorde nacional.

Assim, ao invés de limitar a reflexão sobre os atentados como “tragédia”, “loucura”, “falta de família estruturada”, de “religião”, de “fé no coração”, vítima de “magia ou bruxaria” ou “possessão demoníaca”, a motivação destes crimes precisa ser buscada nas estratégias de recrutamento e conversão, capazes de direcionar os convertidos para “sacrifícios de sangue”, que glorificam seus criminosos como “heróis” e “mártires”, e cuja coragem e disposição para o risco e sacrifício da própria vida demonstram sua verdadeira dedicação à “causa”.

Importa lembrar que as células neonazistas oferecem apoio, promovem sentimento de grupo, coesão e “valores” que direcionam o sentimento de “injustiça” sentida em reação violenta. A conversão internaliza o pertencimento a uma epopeia “sagrada”, reforçada via compartilhamento de conteúdo, incluindo literatura racista, pseudociência, música e estética. Essas células ocupam o espaço deixado pela falha da escola, família, Estado e sociedade em consolidar a Democracia como um valor fundamental.

Nesse sentido, é simplista e falsa a ideia do “o inimigo está lá fora”, obra de supostos “predadores online”, ilusão onde fóruns de internet, redes sociais e chats de jogos podem ter o acesso facilmente impedidos por meio do uso de softwares de monitoramento parental (que seguem importantes). O que “faz a cabeça” dos jovens para o extremismo de direita inclui, com igual influência, redes de amigos, religião, governos e mesmo as próprias famílias, simpáticas estas ao supremacismo racial.

Os originadores são os defensores da agenda conservadora da extrema direita. A AltRight (Direita Alternativa) / extrema direita reúne supremacistas brancos, masculinistas, ultranacionalistas, celibatários involuntários (InCel’s), tradicionalistas, conservadores, reacionários e neonazistas. Os atentados servem tanto para disputar reputação interna aos grupos quanto para projetar medo em minorias sociais e religiosas, vistos como inimigos: os pobres, imigrantes, judeus, negros e defensores de agendas de igualdade de gênero, LGBTQ’s e ambientalistas.

Mas há outro ponto: a extrema direita é armamentista e apoiadora dos crimes de ódio, e os atentados em escolas são úteis para reforçar o slogan “mais armas, menos crimes”. Promovem uma corrida armamentista doméstica, argumentando que o melhor modo de impedir ataques é com um defensor armado. Porém, nos EUA, com 120,5 armas de fogo por 100 habitantes (em 2022), nenhum “defensor armado” apareceu para impedir tais massacres. Apesar dos protetores armados, esses casos triplicaram em 2022 comparado a 2021.

“— Talvez porque falte armas nos Estados Unidos e também por aqui, no Brasil”, dizem os extremistas. Porém, estudos mostram que mais armas armam mais infratores, e são ineficientes para impedir crimes e atentados. Mas para que servem? Ora, a extrema direita é a favor de mais armas de fogo para que ela própria, armada, lute em posição de vantagem contra os grupos e minorias anteriormente citados, que supostamente estariam “corrompendo” a sociedade ao confrontarem a “superioridade natural” do homem branco, “superioridade” esta que “precisa ser restabelecida por meio da derrubada violenta da democracia”. 

É nesse ponto que os “mártires” são vistos como “aceleracionistas”, no sentido de que os atentados terroristas promovidos por células neonazistas, dentro do ecossistema da extrema direita, além de competição de status e válvula de escape dos convertidos ao ódio, servem também para projetar e aumentar o medo social. Esse medo é mobilizado para defender o maior acesso a armas de fogo, facilitando que mais crimes de ódio e mais atentados ocorram e, numa lógica circular, incluindo motivações individuais (status e coerção) e políticas, mais armas serão usadas para derrubar a democracia.

Falando de expressões culturais, os jovens que matam (e se matam) pela “causa” neonazista possuem um personagem cinematográfico análogo e relativamente recente. Trata-se do jovem Nux, dos WarBoys (garotos de meia-vida), presente no filme Fury Road – Mad Max (2015). Nos WarBoys a consciência de morte precoce casa-se com a devoção absoluta ao Culto do V8, uma religião criada por Immortan Joe, que assume o papel de patriarca, os encorajando a atos desesperados e temerários para alcançar o “Valhalla” (o paraíso da mitologia nórdica reservado apenas para os guerreiros caídos em batalha).

E por fim, não necessariamente pela ordem, prevenir atentados em escolas significa principalmente enfraquecer o extremismo de direita, mas também medidas técnicas e ações políticas:

  1. Medidas de segurança nas próprias escolas, como reforçar a vigilância interna e nas salas;
  2. Bloquear o acesso armas e munições, aumentar a carga de obrigações, restrições, exigências e custos para a manutenção das licenças atuais;
  3. Rastrear e monitorar grupos e fóruns web neonazistas/ supremacistas, incapacitando os participantes;
  4. Restringir acesso a armas de fogo/ munições;
  5. Reforço das disciplinas de humanas, atenção ao revisionismo e negacionismo histórico, bem como oposição a educação como adestramento;
  6. Reforçar o papel de habilidades sociais para reduzir bullying, ressentimentos e ideação suicida;
  7. Políticas de saúde mental nas escolas, com psicólogos e assistentes sociais;
  8. Expulsão de neonazistas do setor público, especialmente nas forças de segurança e armadas;
  9. Atuação implacável do aparato de Estado contra integrantes de células nazistas (por exemplo a listagem pública dos membros destas células);
  10. Estratégias dos meios de comunicação para coibir e constranger o neonazismo e a extrema direita em todos os espaços.

*Quem é o Deivison Souza Cruz

É mestre em Ciência Política (UFMG), foi consultor do tema Sociologia do Crime para o 1º Inquérito de vitimização da Grande Vitória (ES), foi colaborador científico em vários laboratórios de investigação na UFES. Tem focado temas como a democracia brasileira, teoria política, avaliação e análise da situação das políticas públicas e criminologia.

Ele ainda trabalhou como analista social para o Diagnóstico das Comunidades Pesqueiras Costeiras do Espírito Santo (15 relatórios municipais), dirigido ao Ministério das Pescas e especialista em Estudos e Investigação Governamental para os temas Crime, Segurança Pública e Política Pública. É também autor de vários artigos publicados no portal Brasil 247.