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MPC pede suspensão do concurso público para Delegado da Polícia Civil do ES por discriminar autistas


Segundo o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES), o edital continha uma cláusula restritiva aos candidatos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), alegando que seriam eliminados sumariamente e de forma ária e injustificada


MPC denuncia a Polícia Civil capixaba por estar discriminando participação de candidatos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em concurso para delegado de Policia no Espírito Santo | Imagem: Reprodução: Internet

O Ministério Público de Contas (MPC) apresentou Parecer no Processo TCE/ES 6530/2022 (Denúncia) requerendo a suspenção cautelar do concurso público da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo (PCES), para o cargo delegado, diante da existência de cláusula no edital de convocação capaz de gerar a exclusão dos candidatos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), sem critérios técnicos previamente estabelecidos e em possível afronta à legislação vigente.

A Polícia Civil do Estado do Espírito Santo (PCES) publicou, no dia 04 de julho de 2022, o Edital de Concurso Público nº 1 – PCES com previsão de 40 (quarenta) vagas para o cargo de delegado de polícia, 04 (quatro) delas reservadas às pessoas com deficiências (PcD).

Em 29 de julho de 2022, o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE/ES) recebeu Denúncia, formalizada no Processo TCE/ES 6530/2022, noticiando ilegalidades no Edital nº 1 – PCES, o qual previu no subitem 10.3.15, inciso XIV, alínea “f”, a possibilidade de eliminação indiscriminada e prematura de candidatos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) – considerado deficiência para fins de reserva de vagas, conforme cláusula 5.1 Das Vagas Destinadas aos Candidatos com Deficiência.

Segundo a Denúncia, o Edital nº 1- PC-ES contém cláusula ilegal, que assim dispõe: “10.3.15 São condições clínicas, sinais ou sintomas que incapacitam o candidato no concurso público, bem como para a posse no cargo: XIV – doenças psiquiatras: f) transtorno do espectro autista.”.

A Denúncia reforça ainda que o TEA abrange uma larga janela de transtornos, não se podendo dizer que todos, indistintamente, são incapazes de exercer a atividade policial, a exemplo da Síndrome de Asperger, considerada como autismo de grau leve e que não acarreta déficit cognitivo. Além disso, citou o caso de Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e também doutrinador, diagnosticado com autismo de grau leve.

O concurso promovido pela banca organizadora Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Solução e de Promoção de Eventos (Cebraspe) conta com 07 (sete) etapas, incluindo curso de formação profissional e, recentemente, encerrou a primeira etapa de prova objetiva.

Após o recebimento e conhecimento da Denúncia pelo Conselheiro Relator, a Equipe Técnica do Núcleo de Controle Externo de Fiscalização de Pessoal e Previdência – NPPREV manifestou-se pela extinção do processo sem julgamento do mérito, amparada na suposta ausência de risco, materialidade e relevância.

Por sua vez, o Ministério Público de Contas (MPC), com contra-argumentos inéditos, requereu a suspensão imediata do certame ao apresentar seu Parecer, haja vista a possível existência de cláusula discriminatória.

O pedido cautelar de urgência do Órgão Ministerial estaria motivado na existência tanto do fundado receio de grave ofensa ao interesse público (probabilidade do direito) quanto do risco de ineficácia da decisão de mérito (perigo da demora até o fim do processo), requisitos dispostos nos incisos I e II do art. 376 do Regimento Interno do TCE/ES.

Para o MPC, o deferimento da Medida Cautelar pela Corte de Contas e a adoção do rito processual Sumário objetivam viabilizar a tempestiva paralisação e correção do certame, com vistas a resguardar os direitos dos candidatos classificados como Pessoas com Deficiência (PcD), notadamente dos indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O Parquet de Contas assinalou que, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (APA, 5ª Ed, 2014), o Transtorno do Espectro Autista (TEA) se trata de um Transtorno do Neurodesenvolvimento e possui níveis diferentes de gravidade, podendo ser classificado em: Autismo clássico, Autismo de alto desempenho (Síndrome de Asperger) e Distúrbio global do desenvolvimento sem outra especificação.

Para o MPC, embora o Edital nº 1- PC-ES, no item 4, preveja a reserva de 04 (quatro) vagas para Pessoas com Deficiência (PcD), incluídas as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) – conforme item 5.1.1.2 – nos termos assegurados pela Constituição Federal, logo em seguida, no subitem 10.3.15, incido XIV, alínea “f”, injustificadamente inabilita os candidatos PcD detentores do supracitado transtorno, em evidente contradição.

Ainda segundo o Órgão Ministerial, o item 10.3 – Do Exame de Sanidade Física e Mental, , subitem 10.3.15, inciso XVI, alínea “f”, é irregular porque elenca, genericamente, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como “condição clínica, sinal ou sintoma que incapacita o candidato no concurso público, bem como para a posse no cargo”.

Assim, esclarece o MPC que o Edital nº 1- PC-ES deveria dispor sobre o grau ou o nível do TEA considerado como incapacitante, baseado em critérios técnicos e objetivos. Sustenta, ainda, que eliminar candidatos sem analisar o grau e a natureza da deficiência afronta a legislação vigente e os princípios constitucionais da isonomia, legalidade, igualdade e impessoalidade.

Outras discriminações detectadas no concurso

Além do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Edital nº 1- PC-ES, por meio do item 10.3.15, também previu, sem qualquer justificativa técnica e de forma genérica, uma lista irrestrita de enfermidades que incapacitariam o candidato no Concurso Público, gerando sua pronta eliminação.

Conforme detalha o Parecer Ministerial, quando o certame faz referência, sem qualquer especificação, por exemplo, às “e) expressões cutâneas das doenças autoimunes” como causa de exclusão, até mesmo o Vitiligo – doença autoimune que acarreta perda da coloração da pele –, por si só, pode induzir a incapacidade do candidato no concurso público.

Logo após a manifestação do Órgão Ministerial, o processo foi encaminhado ao gabinete do Relator do caso para elaboração de Voto.

O que diz a banca examinadora

O Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), entidade responsável por conduzir o Concurso Público da PCES, em resposta, afirmou que “(…) o transtorno do espectro autista, apesar de constar no edital como condição incapacitante, não acarreta a eliminação automática do candidato do concurso público, já que caberá à junta médica avaliar, caso a caso, ou seja, de forma individual, se a condição clínica apresentada pelo candidato é compatível com o cargo ou não, mediante anamnese do indivíduo e a análise dos exames médicos laboratoriais obrigatórios e dos exames complementares eventualmente solicitados.”.

O receio do MPC, todavia, encontraria fundamento não apenas na contradição interna deste edital de convocação e suas possíveis consequências negativas, senão ainda em outros casos, envolvendo a mesma Banca Examinadora, nos quais incoerências da mesma natureza (aparentemente inofensivas) provocaram reais prejuízos aos candidatos PcD, como os concursos da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).