Uma denúncia feita pela professora Taissa Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Ufes, levou à recuperação de fósseis retirados ilegalmente da Formação Crato, sítio paleontológico situado na Bacia do Araripe, na divisa do Ceará com Pernambuco e Piauí. Os remanescentes de peixes, dinossauros, pterossauros, insetos e tartarugas foram localizados em sites de vendas no exterior.
As autoridades alfandegárias francesas já formalizaram a devolução ao Brasil de 998 fósseis retirados ilegalmente do sítio paleontológico da bacia do Araripe, que é um dos 177 geoparques mundiais da Unesco, o primeiro a receber esse status na América Latina e no Caribe, a partir de 2006. Eles ainda não chegaram de volta ao país, porque é necessário aguardar alguns desembaraços formais.
Patrimônio nacional
Os fósseis são considerados patrimônio nacional, pois a legislação brasileira indica, desde a década de 1940, que tudo o que está no subsolo pertence ao patrimônio da União e, portanto, não pode ser vendido. A regra vale não só para fósseis e elementos do patrimônio paleontológico e arqueológico, mas também para recursos naturais e minerais, como ouro e petróleo.
“O Brasil tem muitos depósitos de fósseis, mas a Agência Nacional de Mineração não tem número suficiente de servidores paleontólogos para verificar a presença deles em todas as minas da região do Cariri. São vestígios de 110 milhões de anos, bonitos, bem preservados e fáceis de transportar”, explica Rodrigues.
Devolução
Nos anos 1980, muitos fósseis encontrados na unidade geológica Formação Romualdo foram retirados e vendidos sem autorização (o que é proibido no país desde 1942 e atualmente tipificado como crime de tráfico). A região detém uma grande quantidade de minas, onde já foram encontrados vestígios de dinossauros, pterossauros, peixes, tartarugas e insetos. Atualmente, é explorada a Formação Crato, para retirada da Pedra Cariri, que é ornamental.
Na década de 1990, com a economia do Brasil em situação frágil, muitas pessoas vendiam esses artefatos no meio de outras pedras. Há museus em países estrangeiros que compraram fósseis na internet e os expõem na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e na Coreia do Sul, conta a professora. “Eles até publicam artigos científicos descrevendo os materiais e apontando sua origem, só não indicam como eles foram parar lá. Os pesquisadores brasileiros sempre denunciaram essas práticas, mas, antes das redes sociais, não tinha tanta repercussão”, detalha.
Atualmente, os paleontólogos encontram esse tipo de anúncio em sites de leilão e denunciam ao Ministério Público Federal (MPF), que tem dentre suas atribuições proteger o patrimônio histórico e cultural da União. Uma das primeiras denúncias foi feita em 2013, após um congresso sobre pterossauros, em que foram apresentados muitos exemplares brasileiros que estão em outros países. Os pesquisadores procuraram o MPF, que incentivou que fosse feita uma denúncia. “Um colega encontrou um anúncio de um fóssil raro em um site de vendas virtuais, sendo vendido a R$ 1 milhão, com a logomarca de uma empresa. Ele denunciou para a mídia e eu preenchi o formulário na página do MPF”, relata a professora, que acompanha o assunto desde então e tem proferido palestras sobre o tráfico de fósseis desde 2016.
Para os 998 fósseis referentes à decisão tomada pela França, a Universidade Regional do Cariri (Urca), que tem várias pesquisas em parceria com a Ufes, os receberá e aguarda, ainda, outros dois casos em tramitação, envolvendo um esqueleto quase completo de pterossauro do gênero Anhanguera, de quase 4 metros, e outros 45 fósseis de milhões de anos, dentre os quais estão tartarugas marinhas, aracnídeos, peixes, répteis, insetos e plantas.
Conscientização
Rodrigues integra, desde 2017, comitês da Society of Vertebrate Paleontology (em português, Sociedade de Paleontologia de Vertebrados), participando atualmente no Comitê de Ética, para sensibilizar as autoridades governamentais e internacionais a seguir a legislação de cada país em relação a esses recursos naturais. “Há casos de retirada de fósseis ilegal também no Mianmar. E nos Estados Unidos, onde é permitida a venda, acompanhamos casos de destruição desses recursos. Nosso papel é alertar da importância de esses fósseis raros ficarem disponíveis para pesquisa, para que resultados de estudos possam ser conferidos, testados e reproduzidos”.
A professora alerta que há muitos outros casos na mesma situação. Um deles é o fóssil Ubirajara, um pedaço de dinossauro encontrado com penas, que está na Alemanha e que será devolvido ao Brasil após a mobilização de paleontólogos nas redes, com a hashtag #UbirajaraBelongsToBR (Ubirajara pertence ao Brasil). “Com esse retorno, dezenas de estudantes poderão estudar os fósseis”, ressalta a professora, que conta atualmente com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) nessa pesquisa.