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PGR pede ao STF que suspenda indulto de Bolsonaro a policiais do Massacre no Carandiru

Massacre do Carandiru assassinou 111 presos e feriu outros 110e ocorreu em 2 de outubro de 1992 | Foto: Arquivo

O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra dispositivos do Decreto 11.302/2022, que concede indulto natalino a condenados por crimes diversos. Para o PGR, o artigo 6ª da norma viola a Constituição ao beneficiar agentes de segurança pública condenados por crimes que não eram considerados hediondos no momento da sua prática, desde que praticados no exercício da função e mesmo que tenha havido violência ou grave ameaça, medida que alcança os policiais militares envolvidos no caso conhecido como Massacre do Carandiru. Leia a íntegra da solicitação clicando neste link.

De acordo com Aras, a Constituição veda o indulto para crimes hediondos, aferição que deve ser feita não no momento da prática do crime, mas sim na data da edição do decreto. Augusto Aras também lembra que a Carta Magna, ao determinar a observância dos tratados internacionais de direitos humanos, proíbe o benefício para crimes considerados de lesa-humanidade no plano internacional, como foi o Massacre do Carandiru, classificado como grave violação de direitos humanos por Cortes internacionais. Em medida cautelar, o PGR pede que o Supremo suspenda imediatamente a eficácia do dispositivo, como forma de evitar o esvaziamento das dezenas de condenações do caso.

Onde ocorreu o massacre dentro do Carandiru | Gráfico: Reprodução/Brasil de Fato

“Triste capítulo da História brasileira”

Na manifestação, o PGR diz que o Massacre do Carandiru representa “triste capítulo da história brasileira”. Em outubro de 1992, foram enviados 341 agentes da Polícia Militar do Estado de São Paulo para conter a rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru. A operação resultou num total de 111 mortos e na consequente condenação de 74 policiais militares por homicídio qualificado, com penas variando de 96 a 624 anos de prisão. Os envolvidos foram condenados diversas vezes pelo art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, quando o homicídio doloso qualificado ainda não era considerado crime hediondo. Em 1994, a Lei 8.930 passou a considerar o crime como hediondo, alterando a Lei 8.072/1990, que trata do assunto.

Aras afirma que o indulto é um ato político e que a Constituição dá ampla liberdade ao presidente da República para a concessão da medida, ressalvados os casos que envolvam crimes de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes hediondos. De acordo com ele, a Carta Magna não leva em consideração a data do cometimento do fato, e sim a circunstância de o crime estar definido como hediondo no ordenamento jurídico no momento da edição do decreto.

O entendimento é confirmado por julgados das duas turmas do STF. “Nesse sentido, o decreto presidencial que concede o indulto natalino não pode alcançar os crimes que, no momento da sua edição, são definidos como hediondos, pouco importando se, na data do cometimento do crime, este não se qualificava pela nota de hediondez”, explica o PGR.

Direito internacional

O PGR também lembra que o decreto presidencial que concede indulto é um ato do Estado brasileiro sujeito às limitações impostas por tratados internacionais de direitos humanos dos quais o país seja signatário. O Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos e está sob a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). No caso do Massacre do Carandiru, a CIDH declarou o país responsável por graves violações a direitos humanos, expedindo recomendações para que o Brasil reparasse os danos causados e evitasse novas violações.

Para o PGR, conceder o benefício aos envolvidos no caso significaria impunidade e afronta às decisões de órgãos de monitoramento e de controle internacionais relativos a direitos humanos, o que pode gerar a responsabilização do Brasil perante Cortes internacionais. “Indultar graves violações de direitos humanos consubstanciadas em crimes de lesa-humanidade significa ignorar direitos inerentes ao ser humano, como os direitos à vida e à integridade física”, afirma o PGR.

Pedidos

Além da suspensão imediata dos dispositivos questionados, Aras pede que o Supremo declare inconstitucional a expressão “no momento da sua prática” contida no art. 6º, caput, do Decreto 11.302/2022, para fixar a tese de que o indulto não alcança os crimes hediondos definidos em lei na data da edição do decreto presidencial que o concede. Também pede que o STF afaste a possibilidade de que o benefício seja concedido a condenados por crimes de lesa-humanidade, “notadamente, os cometidos no caso do Massacre do Carandiru, cuja persecução e efetiva responsabilização o Estado obrigou-se por compromisso internacional assumido voluntariamente pela República Federativa do Brasil”.

A decisão de Bolsonaro de conceder indulto aos policiais em Carandiru, segundo o procurador, implica em um aceno ao mundo de que o Brasil não pretende cumprir seus acordos. “Na perspectiva do direito internacional, o ato político do Presidente da República de conceder indulto natalino, assim como outros emanados dos órgãos nacionais legislativos e executivos, expressa a vontade do Estado brasileiro no sentido de cumprir ou não os tratados internacionais de direitos humanos ratificados e incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro”, explica.

O que é indulto natalino

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) explica a diferença entre o indulto natalino e a saída temporária de Natal da seguinte forma: Todo ano, às vésperas do Natal, costuma entrar em vigor um decreto da Presidência da República concedendo a alguns condenados o indulto coletivo natalino, autorizado pelo artigo 84, XII da Constituição Federal. Trata-se de um perdão àqueles que cometeram determinados crimes e é destinado a quem cumpre os requisitos especificados no decreto. Dessa forma, o condenado pode ter a extinção de sua pena. Nesse caso, o preso sai do estabelecimento prisional e não volta.

Uma vez expedido o indulto natalino, aos juízes das varas de execuções criminais cabe apenas analisar a presença dos requisitos e dar cumprimento à determinação presidencial. Mas muitas pessoas confundem o indulto de natal com as saídas temporárias. A Lei 7.210/84 – Lei de Execuções Penais (LEP) –, em seus artigos 122 e seguintes, prevê que a saída temporária é concedida aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto e estabelece em que situações ela pode ocorrer.

O motivo da confusão entre esses dois termos é o fato de alguns condenados que cumprem os requisitos da LEP saírem na época do Natal. Também há muitos pedidos em outras épocas festivas, como Páscoa e Dia das Mães. Caso os condenados não regressem ao estabelecimento prisional após o prazo fixado, cometerão falta grave (artigo 50, II, LEP) e podem sofrer regressão do regime de cumprimento de pena.

Situações para saída temporária

São exemplos de situações em que pode haver saída temporária: visita à família, frequência a curso supletivo profissionalizante, do ensino médio ou superior, na comarca do Juízo da Execução, e participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. A autorização será concedida por prazo não superior a sete dias, podendo ser renovada por mais quatro vezes durante o ano.

O artigo 123 da LEP exige, ainda, o cumprimento de três requisitos cumulativos: comportamento adequado; cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se o condenado for primário, e 1/4, se reincidente; compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

O juiz só analisa o pedido de saída temporária depois de ouvir o Ministério Público e a administração prisional, e é esta quem estabelece o calendário de saída dos presos, após autorização judicial. A ausência de vigilância direta durante as saídas não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.