Um projeto de pesquisa desenvolvido na Ufes busca combater a desinformação em relação à saúde, por meio do monitoramento e análise de dados de redes sociais. Desenvolvido pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic-Ufes) em parceria com o Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi), o estudo tem levantado dados para contribuir, entre outros temas, no combate à hesitação vacinal.
O professor Fábio Goveia, do Departamento de Comunicação Social da Ufes, que coordena a pesquisa, apresentou os resultados preliminares do estudo no último mês, em reuniões no Instituto Butantan, em São Paulo, e em encontros promovidos pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), no Acre, e pelo Ministério da Saúde, em Brasília.
“Identificamos a diferença de ação dos públicos antivacina nas várias redes sociais estudadas. Geralmente, as pautas diretivas do debate antivacina partem do Telegram, onde rapidamente se espalham em um conjunto de grupos e pautam as demais redes sociais. Até chegarem a ser tratadas na imprensa, um grupo grande de pessoas já foi impactado pela desinformação”, detalha o pesquisador, que tem analisado dados dessa rede e também do Twitter, Facebook, Instagram e Youtube.
Apesar de ser bem comum associar a discussão de desinformação à questão da vacinação contra a covid-19, Goveia destaca que o alerta dos especialistas em relação ao tema no Brasil vem de bem antes: no Acre, houve um evento significativo em 2016 e 2017, em relação à vacina de papilomavírus humano (HPV) em meninas, que levou a cobertura vacinal a cair ao índice zero. “O movimento antivacina cria desinformação e falsos problemas. No caso do Acre, houve caso de desmaios que acabaram levando as pessoas a associarem a vacina à epilepsia, o que não foi comprovado. Posteriormente, um estudo da Universidade de São Paulo identificou que a maioria dos desmaios foi causada por fatores psicológicos. É comum que as reações adversas causem identificação entre quem as teve, mas a ciência precisa comprovar a causa e consequência dessas reações com a vacina”, alerta o professor.
Análise de dados
O monitoramento da desinformação ocorre não só em grupos específicos sobre saúde e pseudociência, mas também em outros sobre teoria da conspiração. “Um dos levantamentos recentes identificou a venda de passaportes vacinais pelo Telegram, para pessoas que são contrárias à vacina”, aponta Goveia. O levantamento inicial também encontrou desinformação sobre a implantação de chips, medidas de controle populacional e orientações jurídicas para negar a vacina legalmente.
“Há vários graus de desinformação, que vão desde a descontextualizada até a efetivamente falsa. Os usuários às vezes encontram a mesma informação em vários tipos de grupos, que têm temáticas e integrantes diferentes, o que contribui para uma compreensão de que elas são verdadeiras. Em muitos casos, encontra-se uma narrativa técnica, assertiva, que usa até a metodologia científica para apresentar resultados, mas apresenta-se a exceção como se fosse a regra”, detalha o professor.
A partir dos debates realizados em São Paulo, os pesquisadores e técnicos elaboraram um documento, entregue à equipe de transição do futuro governo federal da área de saúde, em que apontam sugestões para melhorar a cobertura vacinal no Brasil, que tem sido motivo de preocupação ao chegar a 59% da população vacinada em 2021, quando o índice desejado seria de 95%. “Em 2023 o Plano Nacional de Imunização completa 50 anos de sua implementação. O Brasil é referência em vacinação, por isso, não se esperava que este problema fosse acontecer em nosso país. A falta de comunicação oficial e de organização impactou nesse resultado”, afirma Goveia.
Próximos passos
Após um levantamento inicial, a pesquisa, que tem a duração de três anos, vai se aprofundar na organização e sistematização dos resultados, com ajustes metodológicos que incluem a atualização de técnicas de coleta e novos scripts para mineração de dados com o uso do software livre Ford, desenvolvido pelo Labic.
Os resultados das pesquisas são apresentados aos gestores públicos do Estado do Espírito Santo – especialmente os das áreas de comunicação e de saúde –, para que se busquem estratégias para combater as desinformações específicas. Também são apresentados aos profissionais da Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) em formações, para uma multiplicação do combate à desinformação na área e para que sejam elaboradas políticas públicas de combate à infodemia – termo utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), após o início da pandemia de covid-19, para referir-se a “um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”.