O artigo Movimentos Sociais e Políticas Públicas: Consequências na Política Nacional de Direitos Humanos, da professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PGCS) da Ufes Euzeneia Carlos, recebeu o prêmio de melhor paper de Ciência Política 2021/22 pela Associação Brasileira de Ciência Política. É o Prêmio Olavo Brasil de Lima Junior. O texto é fruto de um estudo que aponta os reflexos de duas campanhas do Movimento de Direitos Humanos do Espírito Santo (MDH-ES) na formulação de políticas públicas estaduais e nacionais para o setor.
O estudo da professora, que coordena o Núcleo de Participação e Democracia (Nupad), buscou a relação entre políticas públicas e movimentos sociais, levando em consideração duas campanhas protagonizadas pelo MDH-ES: a Campanha Contra a Impunidade e Corrupção, na década de 1990, e a Campanha Contra as Violações no Sistema Prisional, nos anos 2000. A pesquisadora afirma que essas ações geraram efeitos estruturantes na Política Nacional de Direitos Humanos. “A partir delas foram criados o Programa de Proteção de Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita), o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) e o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). São programas que se tornaram parte do modus operandi do Estado”, afirma.
Histórico
Euzeneia Carlos destaca que nos anos 90, época de uma das campanhas do MDH-ES, existia no Espírito Santo a Scuderie Detetive Le Cocq, grupo paramilitar ao qual foram atribuídos diversos assassinatos de crianças e adolescentes que viviam em situação de rua, de ativistas de movimentos sociais e de lideranças religiosas. “Você precisava proteger as vítimas; muitos desses crimes eram insolúveis porque a Le Cocq tinha agentes infiltrados em diversas repartições públicas e isso dificultava as investigações”, conta. A partir dessas campanhas em nível estadual, articuladas com o MDH nacional, foram criados mecanismos de direito à proteção. Vítimas e testemunhas passaram a ter o direito de serem protegidas pelo Estado.
Nessa época também não havia um sistema integrado de dados sobre violência e homicídios no Espírito Santo. Foi por meio de uma ação do movimento que, em 2004, criou-se o Centro Integrado Operacional de Defesa Social (Ciodes) na estrutura do Governo do Estado. “O movimento conseguiu mapear, através de relatórios anuais, durante seis anos, a existência de crimes e a ligação com o crime organizado, o que chamaram de Banco de Dados Sobre Violência e Homicídios no ES”, ressalta. Essa ação também deu origem ao Núcleo de Direitos Humanos dentro da antiga Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (Sejuc).
Internacionalização
A professora explica que uma das estratégias do movimento sempre foi a internacionalização da causa. “O MDH tem o que chamamos de repertório multiscalar. Busca ações em diversas frentes, como apoio de organizações intergovernamentais, atos públicos, audiências e reúne diversos documentos que ajudam a fundamentar o que está sendo denunciado”. No caso da Campanha Contra as Violações no Sistema Prisional, o MDH conseguiu chegar às Organizações da Nações Unidas (ONU) após o jornalista Elio Gaspari publicar a matéria “Masmorras Capixabas”, o que ajudou a dar visibilidade ao caso durante o governo Paulo Hartung. O Governo do Espírito Santo acabou sendo obrigado a extinguir as prisões em contêiner e a reformular todo seu sistema carcerário.
Euzeneia Carlos afirma que as conquistas protagonizadas pelo MDH são sempre parciais. “São o que chamamos de consequências incrementais, pois resolvem um tipo de problema, mas não extingue as violações nos presídios como um todo. Mesmo depois dessa reformulação, há denúncias de que as violações continuam, agora de outra maneira”, ressalta.
A pesquisa teve financiamento do Edital Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).