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CGU conclui revisão dos sigilos impostos por Bolsonaro a documentos de acesso público


Foram produzidos 12 enunciados temáticos que orientarão análise de 234 casos de negativa de acesso


Conclusões estão consolidadas em um parecer técnico, que servirá de modelo para o procedimento de revisão dos atos que impuseram sigilo indevido a informações de acesso público | Foto: Adalberto Carvalho/ASCOM/CGU

O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho, apresentou nesta sexta-feira (3/2), em coletiva de imprensa, o resultado do trabalho de revisão dos atos que impuseram sigilo indevido a documentos de acesso público na administração federal. Foram analisados 168 casos emblemáticos, apresentados à CGU em sede de recurso nos últimos quatro anos. O resultado da análise define, por exemplo, que informações como registros de entrada e saída de prédios públicos e procedimentos disciplinares de militares são passíveis de acesso público.

As conclusões estão consolidadas em um parecer técnico, que servirá de modelo para o procedimento de revisão dos atos que impuseram sigilo indevido a informações de acesso público. Além disso, a CGU elaborou 12 enunciados temáticos sobre situações concretas que podem ser objeto de pedidos de acesso.

O parecer apresenta informações gerais sobre o direito de acesso à informação conforme as normas prescritas na Lei nº 12.527/2012 e a delimitação de parâmetros a serem observados quando da aplicação do regime de restrição de acesso à informação (com análise das bases legais que autorizam a restrição de acesso, nos termos do princípio da máxima divulgação).

Além disso, o documento orienta sobre a aplicação das normas de transparência nos recursos que tiverem como objeto assunto relacionado aos eixos temáticos do despacho presidencial: proteção de dados pessoais, segurança nacional, segurança do presidente da República e de seus familiares e proteção das atividades de inteligência.

Metodologia

A reavaliação foi determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de despacho assinado em seu primeiro dia de mandato, no qual concedeu à CGU o prazo de 30 dias para análise das decisões e proposição de medidas.

A CGU trabalhou a partir de um filtro realizado no universo de 64.571 mil pedidos de acesso à informação negados, total ou parcialmente, pelos órgãos da administração pública federal, no período de 2019 a 2022. O estudo se concentrou nos casos que chegaram até a terceira instância recursal (CGU) e tiveram a negativa de acesso mantida, num total de 1.335 decisões.

A análise quanto à necessidade de revisão das decisões foi realizada em quatro etapas: criação do grupo de trabalho; análise e sistematização de todos os recursos para identificar os principais fundamentos usados para restrição de acesso à informação; elaboração das teses sobre os quatro eixos temáticos mais recorrentes; e seleção dos casos que serão analisados ou revisados pela CGU.

A partir das conclusões do trabalho, a Controladoria examinará 234 casos concretos. Desse conjunto, 111 são referentes a segurança nacional; 35 são relativos à segurança do presidente da República e seus familiares; 49 são afetos a informações pessoais; 16 versam sobre atividades de inteligência; e ainda 23 sobre assuntos diversos.

Recomendações

A CGU também estabeleceu três recomendações destinadas aos órgãos do Poder Executivo Federal, cujo objetivo é aprimorar os mecanismos envolvidos no cumprimento da Lei de Acesso à Informação. A primeira delas é a de que os órgãos revejam seus fluxos de classificação e, principalmente, de desclassificação de informações públicas, de modo a permitir que, uma vez expirado o prazo de classificação, a informação ou documento seja proativamente publicado.

Outra recomendação é para que a Comissão Mista de Revisão de Informações (CMRI) se adeque à nova composição do governo, bem como promova um controle efetivo sobre o ato de classificação, considerando os indícios de uso excessivo da prerrogativa de classificação por parte de alguns órgãos públicos.

Por fim, a Controladoria recomenda que, durante a instrução de recursos de acesso à informação, sempre enviem, quando requisitados, as informações objeto de disputa à CGU, para análise. Nesses casos, caberá à CGU manter a restrição de acesso sustentada pelo órgão público até a tomada de decisão final a respeito da natureza restrita ou não da informação.

Fortalecimento da LAI

A CGU adotará, ainda, nove ações visando o fortalecimento do Sistema de Acesso à Informação.

1. Fortalecimento do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção;

2. Criação do programa de orientação e capacitação para a melhoria do acesso à informação para a rede de SICs e Autoridades de Monitoramento da LAI;

3. Avaliação qualitativa de respostas a pedidos de acesso à informação, com uso de inteligência artificial, para reduzir recursos a instâncias superiores;

4. Padronização de procedimentos e proposição de atos normativos para a prestação de informação pública;

5. Emissão de orientações para harmonização da garantia do acesso à informação com outras legislações e direitos (ex. LGPD);

6. Promoção da LAI como instrumento de participação social, por meio de articulação juntos a organizações da sociedade civil para projetos de orientação e capacitação para o acesso à informação;

7. Promoção da LAI para estados e municípios;

8. Aprimoramento dos entendimentos, com elaboração de enunciados e estudos;

9. Aprimoramentos normativos para o fortalecimento da capacidade de monitoramento e supervisão da CGU.

Conheça a íntegra dos enunciados:

1. Enunciado CGU n. 1/2023 – Registros de entrada e saída de prédios públicos

Os registros de entrada e saída de pessoas em órgãos públicos, inclusive no Palácio do Planalto, são passíveis de acesso público, exceto quando as agendas sobre as quais eles se refiram forem classificadas por se enquadrarem em hipótese legal de sigilo ou estiverem sob restrição temporária de acesso à informação, nos termos do art. 7º, § 3º da Lei n. 12.527/11.

2. Enunciado CGU n. 2/2023 – Registros de entrada e saída de residências oficiais

Os registros de entrada e saída de pessoas em residências oficiais do Presidente e do Vice-presidente da República são informações que devem ser protegidas por revelarem aspectos da intimidade e vida privada das autoridades públicas e de seus familiares, salvo se tais registros disserem respeito a agendas oficiais, as quais têm como regra a publicidade, ou se referirem a agentes privados que estejam representando interesses junto à Administração Pública.

3. Enunciado CGU n. 3/2023 – Procedimentos disciplinares de militares

Aplicam-se aos pedidos de acesso a processos administrativos disciplinares conduzidos no âmbito das Forças Armadas as mesmas regras referentes aos servidores civis, cabendo restrição a terceiros somente até o seu julgamento, nos termos do art. 7º, parágrafo 3º, da Lei nº 12.527/2011, regulamentado pelo art. 20, caput, do Decreto nº 7.724/2012. Assim, os processos administrativos disciplinares de militares são passíveis de acesso público uma vez concluídos, sem prejuízo da proteção das informações pessoais sensíveis e legalmente sigilosas.

4. Enunciado CGU n. 4/2023 – Segurança do Presidente da República e familiares

Durante o mandato presidencial, a classificação de informações sob o fundamento de que sua divulgação ou acesso irrestrito pode pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares, nos termos do art. 24, § 2º da Lei nº 12.527/2011, deve restringir-se estritamente às informações que, de fato, se enquadram nessa categoria, devendo as autoridades  competentes para classificação do sigilo atentar-se para o cumprimento do princípio geral da Lei de Acesso à Informação de que o acesso é a regra e o sigilo à exceção.

5. Enunciado CGU n. 5/2023 – Sigilo de licitações, contratos e gastos governamentais

Informações sobre licitações, contratos e gastos governamentais, inclusive as que dizem respeito a processos conduzidos pelas Forças Armadas e pelos órgãos de polícia e de inteligência, são em regra públicas e eventual restrição de acesso somente pode ser imposta quando o objeto a que se referem estritamente se enquadrar em uma das hipóteses legais de sigilo.

6. Enunciado CGU n. 6/2023 – Abertura de informações desclassificadas

Transcorrido o prazo de classificação da informação ou consumado o evento que consubstancie seu termo final, a informação tornar-se-á automática e integralmente de acesso público, ressalvadas eventuais outras hipóteses legais de sigilo e a proteção de dados pessoais sensíveis, devendo o órgão ou entidade pública registrar tal desclassificação no rol de informações classificadas, o qual é de publicação obrigatória na Internet.

7. Enunciado CGU n. 7/2023 – Títulos acadêmicos e currículos de agentes públicos

Informações sobre currículos de agentes públicos, como títulos, experiência acadêmica e experiência profissional, são passíveis de acesso público, uma vez que são utilizadas para a avaliação da capacidade, aptidão e conhecimento técnico para o exercício de cargos e funções públicas.

8. Enunciado CGU n. 8/2023 – Provas e concursos públicos

A divulgação de documentos e informações relacionados a candidatos aprovados em seleções para o provimento de cargos públicos, inclusive provas orais, são passíveis de acesso público, visto que a transparência dos processos seletivos está diretamente relacionada à promoção dos controles administrativo e social da Administração Pública, ressalvadas as informações pessoais sensíveis.

9. Enunciado CGU n. 9/2023 – Telegramas, despachos telegráficos e as circulares telegráficas produzidos pelo Ministério das Relações Exteriores.

Os telegramas, despachos e circulares telegráficas produzidos pelo Ministério das Relações Exteriores são documentos que, à luz do princípio geral da Lei de Acesso à Informação de que o acesso é a regra e o sigilo à exceção, devem ter seu acesso restringido somente quando o objeto a que se referem estritamente se enquadrar em uma das hipóteses legais de sigilo. A proteção das negociações e das relações diplomáticas do País não pode ser utilizada como fundamento geral e abstrato para se negar acesso a pedidos de informação. Da mesma forma, a presença de informações pessoais no documento ou processo não poder ser utilizado como argumento para a negativa de acesso, uma vez que essas podem ser tratadas para que, devidamente protegidas, o restante do documento ou processo seja fornecido.

10. Enunciado CGU n. 10/2023 – Informações financeiras a respeito de programas e benefícios sociais

Informações referentes a valores de benefícios pagos e identificação de beneficiários de programas sociais, ainda quando esses são operados por instituições financeiras, são de acesso público, não incidindo sobre elas sigilo bancário, tampouco argumentos referentes à proteção de dados pessoais ou à preservação da competitividade de empresas estatais, ressalvados os casos em que a identificação dos beneficiários puder expor informação pessoal sensível.

11. Enunciado CGU n. 11/2023 – Restrições de acesso em virtude da desarrazoabilidade do pedido

Pedidos de acesso à informação somente podem ser negados sob o fundamento de “desarrazoabilidade” caso o órgão ou entidade pública demonstre haver risco concreto associado à divulgação da informação, não podendo o argumento ser utilizado como fundamento geral e abstrato; no caso de “desproporcionalidade”, o pedido só pode ser negado se o órgão evidenciar não possuir os recursos, humanos ou  tecnológicos, para atender ao pedido, não podendo o argumento ser utilizado como fundamento geral e abstrato. Nos casos em que restar configurada a desproporcionalidade do pedido, o órgão/entidade deve disponibilizar os meios para que o cidadão realize consulta in loco, para efetuar a reprodução ou obter os documentos desejados, em conformidade com o disposto no art. 11, §1º, I da Lei nº 12.527/2011.

12. Enunciado CGU n. 12/2023 – Informação pessoal

O fundamento “informações pessoais” não pode ser utilizado de forma geral e abstrata para se negar pedidos de acesso a documentos ou processos que contenham dados pessoais, uma vez que esses podem ser tratados (tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc) para que, devidamente protegidos, o restante dos documentos ou processos solicitados sejam fornecidos. Além disso, a proteção de dados pessoais deve ser compatibilizada com a garantia do direito de acesso à informação, podendo aquela ser flexibilizada quando, no caso concreto, a proteção do interesse público geral e preponderante se impuser, nos termos do art. 31, § 3º, inciso V da Lei nº 12.527/2011.