Uma pesquisa desenvolvida na Ufes amplia a possibilidade de cultivar café em uma área de conservação localizada na região central de Moçambique: o Parque Nacional da Gorongosa. Durante seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento da Ufes, o pesquisador moçambicano Niquise José Alberto investigou a diversidade genética de nove cultivares de coffea arabica plantadas no parque, avaliando concentração, acúmulo, retirada e retorno de nutrientes e características biométricas e anatômicas.
As cultivares são espécies de plantas que foram melhoradas devido à alteração ou à introdução, pelo homem, de uma característica que antes não possuíam. Elas se distinguem das outras variedades da mesma espécie de planta por sua homogeneidade, estabilidade e novidade.
O Parque Nacional da Gorongosa tem cerca de 4 mil quilômetros quadrados de território, área semelhante à dos municípios brasileiros de Linhares (ES) e Campos dos Goytacazes (RJ). Fundado em 1960, o local passou por uma grande destruição durante a guerra civil ocorrida nas décadas de 1970 e 1980. Está sendo reflorestado com a ajuda do cultivo de café, plantado juntamente com árvores nativas. O projeto Tricafé, feito em parceria da Ufes com o Parque e o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa (Portugal), colabora para a revitalização do parque e o desenvolvimento sustentável de cerca de mil famílias que vivem no local, com geração de renda e instalação de equipamentos públicos, como escolas.
“O café é uma cultura nova que está sendo introduzida em Moçambique, dessa maneira surge a necessidade de avaliar quais cultivares podem ser mais adaptáveis a essa região, de modo que aconteça, também, uma produção sustentável. Assim, garante-se a proteção ambiental dessa região, a fonte de renda, a segurança alimentar e o acesso à educação para a população local”, explica Alberto. A produtividade e a diversidade de cafés no Brasil levaram o pesquisador a fazer seu mestrado no país.
O orientador de Alberto, professor Fábio Partelli, coordena a parte brasileira do projeto. Partelli ressalta que a Gorongosa é uma área em que a maior parte da população vive em situação de pobreza e falta de oportunidades. “Nessa região, que é uma das mais pobres de Moçambique, cerca de 95% dos jovens são analfabetos. Então, pensando na preservação do parque e na geração de renda das pessoas que ali vivem, nossa função consiste em levar conhecimento técnico para cultivar coffea arabica, e também auxiliar na formação de recursos humanos, com dissertações de mestrado e teses de doutorado”.
Método e conclusões
A técnica utilizada pelo Tricafé, chamada de agrossilvicultura, consiste no plantio de safras de café, caju e outras plantas lenhosas perenes. Entre elas, intercala-se o plantio de árvores nativas, como mogno da África Oriental, titi, albizia, muonha, panga-panga e mussulo. Essas árvores cooperam para promover maior captação de carbono da atmosfera, ajudando a desacelerar os efeitos das mudanças climáticas e a restaurar a floresta tropical e sua biodiversidade. Em quatro anos de pesquisa, foi possível identificar um conjunto de novas espécies animais dentro do parque, como o morcego Miniopteru wilsoni, descoberto em 2020.
A conclusão do estudo indicou que as cultivares alcançaram maior acúmulo de macronutrientes como nitrogênio, potássio e cálcio no grão, no fruto e na palha de café. Eles são necessários para que a planta tenha um desenvolvimento saudável em larga escala. Houve, ainda, um acúmulo de micronutrientes como ferro, manganês e boro, os quais são necessários, ainda que em menor escala.
O Tricafé é fruto de um acordo entre a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), a Organização das Nações Unidas (ONU), o Instituto Camões, de Portugal, e a Administração Nacional das Áreas de Conservação (Anac), que é responsável pelas áreas de preservação ambiental de Moçambique. As instituições brasileira e portuguesa financiam os custos da iniciativa, que tem como principais objetivos realizar pesquisas sobre o comportamento do café nas condições edafoclimáticas de Moçambique e ensinar sobre o seu cultivo. O projeto se encerra em novembro de 2023, quando será apresentado um guia de orientação para o plantio no país.