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STF derruba tentativa de lei de Rondônia em querer abolir a linguagem neutra


STF entende que proibição de linguagem neutra em lei estadual invade competência da União sobre educação. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7019 foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)


A linguagem neutra ou binária tem como objetivo evitar os marcadores de gênero. Uma forma de se referir a pessoas sem levar em conta o gênero com o qual elas se identificam | Imagem: Reprodução/Redes sociais

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional uma lei do Estado de Rondônia que proíbe a denominada linguagem neutra em instituições de ensino e editais de concursos públicos. Por unanimidade, a Corte entendeu que a norma viola a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre diretrizes e bases da educação. Esse entendimento não diz respeito ao conteúdo da norma, limitando-se à análise sobre a competência para editar lei sobre a matéria.

O tema é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7019, julgada na sessão virtual do Plenário que se encerrou às 23h59 desta sexta-feira (10). A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) sustenta, entre outros pontos, que a Lei estadual 5.123/2021, a pretexto da defesa do aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e as orientações legais de ensino, apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem democrática e com valores humanos. A lei está suspensa desde novembro de 2021 por liminar deferida pelo relator, ministro Edson Fachin,

Competência

Agora, em voto no mérito, Fachin explicou que os estados têm competência concorrente para legislar sobre educação, mas devem obedecer às normas gerais editadas pela União. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996) engloba, segundo a jurisprudência da Corte, as regras que tratam de currículos, conteúdos programáticos, metodologia de ensino ou modo de exercício da atividade docente. “No âmbito da competência concorrente, cabe à União estabelecer regras minimamente homogêneas em todo território nacional”, ressaltou.

O relator citou as manifestações apresentadas pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pela inconstitucionalidade da norma, que estabeleceu regra específica sobre o modo de utilização da língua portuguesa na grade curricular de escolas públicas e privadas de Rondônia. Para Fachin, a lei estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da língua portuguesa viola a competência legislativa da União.

Norma padrão

O ministro Nunes Marques acompanhou o relator pela inconstitucionalidade da norma, mas acrescentou que qualquer tentativa de impor mudanças ao idioma por meio de lei será ineficaz. Para ele, são inconstitucionais tanto as leis estaduais que proíbam o uso de determinada modalidade da língua portuguesa quanto as que as impõem.

O ministro André Mendonça também seguiu o relator, mas fez uma ressalva de entendimento ao assentar que norma estadual ou municipal que disponha sobre a língua portuguesa viola a competência legislativa da União. Leia a seguir a íntegra da ADI 7019, protocolada pela Contee:

Pedido-de-inconstitiucionadade-da-lei-estadual-de-Rondonia-feito-pela-Contee

O que disse a Contee no seu pedido ao STF

Há inúmeros projetos de lei que tentam, sem sucesso, vetar o uso da linguagem neutra ou binária no Brasil, sendo que todas essas iniciativas são de políticos conservadores, de extrema direita e bolsonaristas. Em trecho da sua solicitação ao STF, a Contee destacou:

“A mal disfarçada tranca na pureza da Língua Portuguesa, anunciada pela norma impugnada, é fruto da mesma maléfica e retrograda fornada de matérias que representam colossal retrocesso social, visando a travar a roda da história e fazer o Brasil marchar para as trevas, tais como:  escola livre, escola clássica, escola sem partido, ideologia de gênero etc. Todas já enfaticamente rechaçadas por essa Excelsa Corte, nas citadas ADI 5537 e ADPF 467, e, ainda, na ADPF 548.”

Veja a íntegra da lei que considerada nula pelo STF:

LEI Nº 5.123, DE 19 DE OUTUBRO DE 2021.

Estabelece medidas protetivas ao direito dos estudantes do Estado de Rondônia ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino, na forma que menciona.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE RONDÔNIA, Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica garantido aos estudantes do Estado de Rondônia o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VolP) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP.

Art. 2º O disposto no artigo anterior aplica-se a toda Educação Básica no Estado de Rondônia, nos termos da Lei Federal nº 9.394/96, assim como aos Concursos Públicos para acesso aos cargos e funções públicas do Estado de Rondônia.

Art. 3º Fica expressamente proibida a denominada “linguagem neutra” na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, assim como em editais de concursos públicos.

Art. 4º A violação do direito do estudante estabelecido no artigo 1º desta Lei acarretará sanções às instituições de ensino privadas e aos profissionais de educação que concorrerem ministrar conteúdos adversos aos estudantes, prejudicando direta ou indiretamente seu aprendizado à língua portuguesa culta.

Art. 5º As Secretarias responsáveis pelo ensino básico do Estado de Rondônia deverão empreender todos os meios necessários para a valorização da língua portuguesa culta em suas políticas educacionais, fomentando iniciativas de defesa aos estudantes na aplicação de qualquer aprendizado destoante das normas e orientações legais de ensino.

Art. 6º Fica o Poder Executivo autorizado a firmar convênio com instituições públicas e privadas voltadas à valorização da língua portuguesa no Estado de Rondônia.

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Palácio do Governo do Estado de Rondônia, em 19 de outubro de 2021, 133º da República.

MARCOS JOSÉ ROCHA DOS SANTOS

Governador

Entenda o que é linguagem neutra: Eu, tu, elu, todas, todes, todxs

por Isabella Oliveira, Larissa Leal e Rosiane Lopes/Jornal do Campus/USP

Pode-se dizer que a linguagem neutra ou linguagem não binária, como também é conhecida, desponta como um dos assuntos mais polêmicos e comentados nos últimos anos, sendo cada vez mais utilizada, principalmente nas redes sociais.

No início, a linguagem neutra propunha o uso dos artigos neutros “e”, “x”, ou “@” em substituição aos artigos femininos e masculinos “a” e “o”, a fim de representar pessoas que não se encontram dentro da binariedade de gênero. Entretanto, as terminações em “x” e “@” são consideradas inadequadas atualmente por dificultarem a leitura e a fala. 

“Para mim a não binariedade é a liberdade de poder ser quem eu sou independente de rótulos, porque ela não é uma caixinha fechada, é um termo guarda-chuva com diversos outros termos dentro. Eu, por exemplo, estou mais próximo de gênero neutro ou agênero”, comenta Aqua, audiodescritor e estudante de matemática.

Desse modo, palavras como “todas” ou “todos” seriam escritas como “todes”, com o objetivo de evitar os marcadores de gênero. Há quem defenda também a utilização do pronome “elu” para se referir a pessoas sem levar em conta o gênero com o qual elas se identificam.

Desse modo, palavras como “todas” ou “todos” seriam escritas como “todes”, com o objetivo de evitar os marcadores de gênero. Há quem defenda também a utilização do pronome “elu” para se referir a pessoas sem levar em conta o gênero com o qual elas se identificam.

É importante ressaltar que a linguagem neutra se aplica somente a pessoas e não a objetos ou animais. É comum observarmos o emprego errado dos pronomes e artigos neutros devido ao desconhecimento, no entanto, alguns indivíduos o fazem intencionalmente para deslegitimar o movimento que defende sua adoção.

Segundo Aqua, “quando alguém usa pronome neutro comigo, eu percebo que essa pessoa me valida, que ela entende o quanto isso é importante para mim, o peso disso, porque quase ninguém se dá o trabalho de usar. Eu fico extremamente feliz, por um momento é como se eu me sentisse abraçada por palavras”.

A linguagem neutra no Brasil e no mundo

No Brasil, as opiniões quanto ao uso da linguagem neutra não são unânimes. Enquanto certos segmentos se colocam a favor da linguagem e frisam a importância da adoção do uso de expressões neutras no processo de inclusão de pessoas não-binárias, transexuais, travestis e intersexo, outros são contra.

Segundo levantamento realizado pela Agência Diadorim, o Brasil tem 34 projetos de lei contra o uso do gênero neutro. Ainda conforme a Agência, os lugares com mais projetos de lei que visam frear o uso da linguagem neutra são Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

“A institucionalização da linguagem neutra é importante pois é algo que existe e as pessoas precisam perceber e aceitar esse uso.”

Em Rondônia, em outubro de 2021, foi sancionada a primeira lei que proibia a linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas e em editais de concursos públicos. No entanto, em novembro do mesmo ano, essa mesma lei foi suspensa pelo ministro Edson Fachin. Além dela, outros projetos estão em tramitação.

Na França, o Ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, tomou uma medida mais dura em relação à linguagem inclusiva, que no utiliza o ponto médio (•) para combinar a grafia da palavra no masculino e no feminino. Jean-Michel proibiu o uso desse tipo de linguagem dentro das escolas e afirmou que poderia dificultar o aprendizado das crianças. Em Buenos Aires, na Argentina, também se firmou uma norma para barrar a utilização da linguagem neutra em escolas de educação infantil.

Em países de língua inglesa a discussão não segue tanto para o lado gramatical, já que, no inglês, o pronome “they” (eles/elas) já é utilizado em situações em que o gênero do sujeito não é determinado. Além disso, grande parte dos adjetivos não flexionam quanto ao gênero. Assim, as pessoas que se enquadram na não-binariedade seriam referidas com esses pronomes que já existem na linguagem inglesa.