A detecção de 74 Prefeituras capixabas envolvidas em esquema de licitação fraudulenta na área de informática, de um total de 78 municípios existentes no Espírito Santo, foi alvo nesta semana da Operação Onipresente, uma ação conjunta da PF e da CGU
As contas de 74 prefeitos capixabas, envolvidos em uma fraude licitatória e que gerou um pagamento efetivado, entre 2017 e junho do ano passado, de R$ 136 milhões, será alvo de uma apuração minuciosa pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que anunciou que, posteriormente, irá aplicar sanções. A fraude foi detectada nesta última terça-feira (14), em uma ação conjunta da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU), durante a execução da Operação Onipresente.
Mesmo tendo sido solicitado os nomes das 74 Prefeituras envolvidas no esquema, de um total de 78 Prefeituras que o Espírito Santo possui, a Polícia Federal se negou a repassar os nomes. Apesar de ter sido alertada que a não divulgação iria deixar sob a suspeição as quatro Prefeituras que não participaram do esquema fraudulento, a PF alegou que não poderia revelar os nomes, porque está em curso um processo de investigação.
Inicialmente o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) foi procurado para explicar sobre um possível “cochilo”, por não ter descoberto a fraude, já que o esquema criminoso vinha sendo praticado há anos. No entanto, o TCE-ES se justificou alegando que atua exclusivamente na fiscalização das contas com recursos estaduais ou municipais, sendo que neste caso o dinheiro tinha como origem a União, o que passa a ser competência do TCU.
Ao ser procurado o TCU, para justificar o que motivou não ter observado a fraude durante as suas análises, este disse, por nota, que “as competências e a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU) são diferentes, autônomas e complementares”. E completou: “As irregularidades verificadas em fiscalizações de municípios a cargo da CGU resultam na abertura de processos que são posteriormente enviados ao TCU, para julgamento das contas dos responsáveis e aplicação de sanções.”
Para alegar que não tinha os nomes das 74 Prefeituras envolvidas, o TCU informou na sua nota que “o TCU não recebe previamente informações de operações da Polícia Federal. Não está entre as competências legais do TCU decretar a prisão de qualquer pessoa.” E finalizou: “Não localizamos processo aberto no Tribunal que trate das questões mencionadas.”
Como funcionava o esquema de fraudes nas licitações municipais
Segundo a PF, “Os elementos coligidos ao longo da investigação revelaram que, através de uma sólida rede de influência econômica, diversas pessoas jurídicas pertencentes ao grupo empresarial investigado se valiam de seu domínio na área de desenvolvimento de programas de informática, fornecimento de provedores de internet, bem como consultoria e assessoria de sistemas, para direcionar e assim fraudar procedimentos licitatórios, seja por meio da inclusão de cláusulas restritivas ou mesmo através de simulação de concorrência e rodízio das empresas contratadas.”
“A cronologia dos fatos ora investigados demonstra a extensa atuação, não somente do ponto de vista territorial, uma vez que empresas ligadas ao grupo estão presentes em contratos firmados em ao menos 08 estados brasileiros, mas também no que diz respeito ao tempo dessa atuação. Em que pese as investigações terem sido iniciadas em 2016, os documentos analisados dão conta de que, pelo menos, desde 2002 o grupo atua junto a Prefeituras e outros órgãos municipais, dominando as contratações em alguns setores capixabas, sobretudo da área de informática”, prosseguiu a PF.
“Para se ter uma dimensão do vulto financeiro, foi identificado que no período de janeiro de 2017 a junho de 2022 foi empenhado por 74 prefeituras do ES o montante de R$ 165,4 milhões em favor da principal empresa gerida pelo grupo, dos quais R$ 136,0 milhões já teriam sido pagos, envolvendo recursos federais e recursos próprios dos municípios. Nesse sentido, foram identificados indícios de irregularidades que dizem respeito a um rol de situações que, tomadas em conjunto, apontam para um possível direcionamento das contratações em favor das empresas, que ainda são investigadas por lavagem de capitais, corrupção ativa e passiva, além da constituição de organização criminosa”, continuo a PF em sua nota.
Autorização foi da 1ª Vara Federal Criminal de Vitória (ES)
A PF informou que a autorização judicial para a Operação Onipresente foi expedida pela 1ª Vara Federal Criminal de Vitória/ES, com 10 mandados de buscas e apreensão são executados em pessoas físicas e jurídicas que, “dentro do contexto investigativo, ocupam diferentes funções na hierarquia delitiva, abarcando empresários, interpostas pessoas, operadores financeiros e prováveis líderes do esquema criminoso.”
Ao todo, 49 policiais federais e quatro servidores da Controladoria-Geral da União participaram da deflagração da operação policial, onde foram executadas as medidas cautelares nos municípios de Domingos Martins e Vitória/ES. O nome da operação, Onipresente, faz referência ao adjetivo masculino e feminino que significa ubíquo e caracteriza algo ou alguém que está presente em todos os lugares ao mesmo tempo.
“Contextualizando à investigação, o que se se identificou como uma característica acentuada da organização criminosa investigada foi justamente a proporção e extensão de sua atuação, considerando que somente no estado do Espírito Santo o grupo investigado possui contratos firmados com 74 municípios (vale lembrar que o estado capixaba possui a totalidade de 78 municípios), ou seja, opera em praticamente todas as cidades capixabas”, conclui a PF na nota distribuída à impensa.
Crimes investigados, segundo a PF e a CGU:
Frustação do caráter competitivo de procedimento licitatório
Art. 90 da Lei 8666/1993. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Corrupção passiva
Art. 317 do Código Penal – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Corrupção ativa
Art. 333 do Código Penal – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Organização criminosa
Art. 2º da Lei 12.850/2013 – Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
Lavagem de dinheiro
Art. 1° da Lei 9.613/1998 – Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa