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Volkswagen nega indenizar vítimas de trabalho escravo e abandona negociação com MPT


Nesta semana a montadora de automóveis alemã abandonou as negociações com Ministério Público do Trabalho (MPT), que tinha como objetivo reparar violações de direitos humanos ocorridos em uma propriedade da Volkswagen na época da ditadura militar


Trabalhadores que atuavam na fazenda da Volkswagem durante a ditudura militar | Foto: Reprodução/Wolfgang Weihs/Picture Alliance/Deutsch Welle

Em nota à imprensa, o Ministério Público do Trabalho (MPT) informa que em audiência com a Volkswagen do Brasil nesta semana, que visava discutir a reparação por trabalho escravo praticado na Fazenda Vale do Rio Cristalino (Fazenda Volkswagen), no Pará, a empresa se retirou da mesa de negociação afirmando que não tem interesse em firmar acordo com o órgão. A negociação envolvia o pagamento de R$ 165 milhões em indenizações a 14 trabalhadores identificados como vítimas, às centenas de outros escravizados que teriam que ser localizados para serem indenizados e às famílias daqueles que foram assassinados segundo relato dos trabalhadores.

O MPT lamenta a postura da Volkswagen, que contraria seu discurso de compromisso com o país e com os direitos humanos, pois se trata de uma gravíssima violação que ocorreu durante mais de 10 anos com a sua participação direta.

Uma das áreas da fazenda da Volkswagen onde ocorreu o trabalho escravo durante a ditadura, segundo o MPT | Foto: Reprodução

Trabalho escravo sob violência e violações de Direitos Humanos

Segundo depoimentos, trabalhadores da fazenda de cerca de 140 mil hectares – equivalente à área da cidade de São Paulo – viviam no local em situação degradante de trabalho, sob violência e violações de direitos humanos. De acordo com as investigações, essas violações incluiriam falta de tratamento médico nos casos de malária, impedimento de saída da fazenda, em razão de vigilância armada ou de dívidas contraídas (servidão por dívidas), alojamentos instalados em locais insalubres, sem acesso à água potável e com alimentação precária.

Os trabalhadores que tiveram sua dignidade agredida, sua liberdade cerceada e a própria sociedade brasileira, na opinião do grupo de procuradores que investigou a empresa, mereciam um tratamento mais respeitoso e a reparação de todos os danos causados, com consequências até os dias de hoje. Nos anos em que aconteceram os fatos, entre as décadas de 1970 e 1980, o empreendimento contou com recursos públicos e benefícios fiscais que ajudaram a alavancar seu negócio de criação de gado fazendo com que se tornasse um dos maiores polos do setor. Para o MPT, isso acentua a necessidade de reparação à sociedade brasileira.

Na proposta do MPT, o valor da indenização seria destinado à reparação dos trabalhadores vitimados já identificados e para a criação de um programa de levantamento histórico, identificação e busca de outros trabalhadores que também foram submetidos ao mesmo tratamento naquela fazenda. O MPT adotará todas as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para a efetiva reparação dos danos gerados pela empresa.

Propaganda da fazenda feita pela própria VW na edição 446 da revista Veja, em 22 de março de 1977 | Imagem: Reprodução

Militares induziram a VW a comprar a fazenda durante a ditadura militar

A convite dos militares, a Volkswagen comprou 140 mil hectares de terras na região amazônica em 1973. A Fazenda Vale do Rio Cristalino deveria abrir uma nova área de negócios para o grupo: criação de gado. O projeto fazia parte da estratégia de desenvolvimento nacional naquela época.

Durante na ditadura, os militares induziram a Volkswagen a ir para o Pará para “contribuir para o desenvolvimento da floresta tropical brasileira e não apenas ganhar dinheiro com isso, mas também seguir o lema ‘integrar para não entregar’. Pelos cálculos do MPT, a estimativa é que a fazenda Volkswagen recebeu R$ 700 milhões em recursos públicos, com valores atualizados, para por em prática o empreendimento pecuário.

Além disso, a viabilização do projeto somente foi possível com o desmatamento de parte da floresta amazônica, para que no local surgisse a criação de gado. Para desmatar e fazer o pasto no local, a fazenda contratou “gatos” – como eram chamados os empreiteiros – para recrutar trabalhadores temporários nas aldeias remotas da região e transportá-los para a fazenda.

Comissão de deputados conversa com trabalhadores escravizados pela Volkswagen em 1983 | Foto: Reprodução/Arquivo

Escravizados eram amarrados por capatazes da Volkswagem

Mas em vez dos empregos lucrativos prometidos, os empregados temporários eram obrigados a trabalhar para pagar supostas dívidas, sofriam violência e eram ameaçados, além de serem impedidos de deixar a região.

Testemunhas na investigação do MPT, ex-trabalhadores relatam que eles eram amarrados por ordem dos capatazes, após tentativas de fuga, trabalhavam sob a mira de armas e falaram até em mortes no local. Apesar do que alega a Volkswagen, o MPT acredita que tais violações na propriedade não poderiam ter ocorrido sem que a empresa tivesse conhecimento.