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Fiocruz destaca número de pesquisas sobre potencial de canabinoides

Nota técnica trata do uso de canabidiol, entre outros

Fiocruz divulga nota técnica sobre cannabis medicinal | Foto: Divulgação/Fiocruz/123RF

Nota técnica do Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgada nesta quarta-feira (19), indica que um número crescente de pesquisas aponta para o potencial terapêutico de canabinoides, entre eles o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), para diferentes condições clínicas e enfermidades. As informações são da Agência Brasil.

Segundo a nota, essas pesquisas apresentam diferentes níveis de evidência, ou seja, para cada condição existe, no presente momento, maior ou menor robustez científica que comprove a segurança e eficácia da aplicação terapêutica.

Os pesquisadores responsáveis pelo documento destacam que algumas pesquisas são conclusivas em apontar a segurança e eficácia dos canabinoides na redução de sintomas e melhora do quadro de saúde para dor crônica, espasticidade (distúrbio motor caracterizado pelo aumento do tônus muscular), transtornos neuropsiquiátricos e náusea, vômito e perda do apetite ligados ao tratamento com quimioterapia.

Necessidade de avançar nas pesquisas

Além de detalhar evidências e referências técnicas sobre as condições de saúde, a nota técnica ainda reforça a necessidade de se avançar no desenvolvimento de pesquisas no Brasil, com a realização de estudos clínicos de diferentes condições, na capacitação de médicos e outros profissionais de saúde sobre o uso terapêutico da Cannabis e derivados. “Isso permitirá que possam prescrever e tratar com mais confiança e conhecimento e também na regulação dos produtos à base de cannabis, para que sejam produzidos nacionalmente e distribuídos de forma segura e eficaz”, diz a Fiocruz.

Para os pesquisadores, “é indispensável assegurar uma regulamentação abrangente e eficiente, que viabilize a produção, prescrição e o acesso gratuito e universal, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a uma ampla gama de formas farmacêuticas da cannabis e derivados, sempre respaldadas por evidências sólidas de segurança e eficácia terapêutica”.

O objetivo do documento é oferecer subsídios técnicos para as instituições responsáveis pela legislação, regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da Cannabis e derivados para fins terapêuticos no Brasil e para a sociedade em geral.

Fiocruz destaca número de pesquisas sobre potencial de canabinoides | Imagem: Divulgação/Anvisa

Íntegra da Nota Técnica:

NOTA TÉCNICA

Estado atual das evidências sobre usos terapêuticos da cannabis e derivados e a demanda por avanços regulatórios no Brasil

19 de abril de 2023

Esta Nota Técnica do Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz tem como objetivo fornecer subsídios embasados na literatura científica para as instituições responsáveis pela legislação, regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e derivados para fins terapêuticos

no Brasil, bem como para a sociedade em geral. Com isso, busca-se contribuir para o aprimoramento do conhecimento acerca do tema e para o avanço do acesso aos tratamentos baseados em cannabis e derivados.

A cannabis é uma planta utilizada para fins terapêuticos há milênios e seus efeitos vêm sendo reconhecidos por diversas culturas ancestrais e contemporâneas. Contudo, as evidências científicas sobre a eficácia e segurança dos potenciais usos terapêuticos da cannabis e de seus derivados ganharam volume somente nas últimas décadas. Mudanças nas regulações internacionais e nacionais têm contribuído para este avanço.

Em 2020, a Comissão de Drogas Narcóticas da ONU retirou a cannabis de sua lista mais restritiva (a Lista IV), a partir de recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). A retirada da cannabis da lista significa que a planta deixou de ser considerada uma droga com alto potencial de abuso e sem qualquer valor terapêutico.

A alteração permite o reconhecimento das potenciais propriedades terapêuticas da cannabis e de seus derivados. O novo status possibilita uma mudança correlata das regulamentações nacionais dos países-membros que ratificaram os tratados vinculantes das Nações Unidas sobre o tema, como é o caso do Brasil. Vale ressaltar que a legislação brasileira em vigor (Lei 11.343/2006, atualizada pela Lei 13.840/2019) permite o uso médico e científico de todas as substâncias controladas pelos tratados internacionais, o que inclui a produção nacional de cannabis. Atualmente, dezenas de países em todos os continentes, incluindo o Brasil, regulam o uso terapêutico da cannabis e seus derivados.

Diante deste contexto, o Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Presidência da Fiocruz apresenta esta Nota Técnica, com o intuito de contribuir com subsídios da literatura científica para as instituições responsáveis por diferentes aspectos relacionados a regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e seus componentes para fins terapêuticos, assim como para toda a sociedade.

Nas últimas décadas, um número crescente de pesquisas aponta para o potencial terapêutico de canabinoides, entre eles o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), para diferentes condições clínicas e enfermidades. Essas pesquisas apresentam diferentes níveis de evidência, ou seja, para cada condição existe, no presente momento, maior ou menor robustez científica que comprove a segurança e eficácia da aplicação terapêutica.

As pesquisas com maior nível de evidência – ensaios clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises – são conclusivas ou substanciais para algumas condições de saúde quanto a segurança e eficácia dos canabinoides na redução de sintomas e melhora do quadro de saúde. Destacam-se as seguintes condições:

Dor crônica – Diferentes formulações contendo canabinoides apresentam uma redução significativa da dor em pessoas diagnosticadas com certos tipos de dor crônica. Dezenas de ensaios clínicos randomizados submetidos a meta-análises mostraram que a redução da dor foi maior no grupo que recebeu canabinoides em relação ao grupo controle.

Epilepsia refratária – estudo de meta-análise com seis ensaios clínicos randomizados demonstrou diminuição significativa nas frequências de crises no grupo tratado com canabinoides em relação ao grupo controle. Em geral, os participantes eram resistentes aos medicamentos de referência e encontraram nos canabinoides um tratamento eficaz para atenuar as crises convulsivas.

Espasticidade – mais de uma dezena de ensaios clínicos randomizados mostraram efeito significativo do tratamento com canabinoides na redução da espasticidade decorrente de esclerose múltipla. Outros sintomas associados à esclerose múltipla não apresentaram melhora com o tratamento em teste.

Náusea, vômitos e perda do apetite – os canabinoides foram eficazes na redução de náuseas e vômitos ligados à quimioterapia. Limitações metodológicas fazem os resultados ainda apresentarem baixo nível de confiança. Uma meta-análise mostrou a eficácia dos canabinoides em aumentar o apetite em comparação aos grupos controle.

Transtornos neuropsiquiátricos – como a doença de Parkinson e distúrbios do sono – mostraram melhora significativa dos sintomas, com o tratamento com canabinoides em relação ao controle com um nível de evidência satisfatório.

Para além das citadas acima, a potencial segurança e eficácia do uso terapêutico dos canabinoides vêm sendo pesquisadas para dezenas de outras condições. Destacam-se as seguintes: sintomas associados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA); atividade anticancerígena em determinados processos tumorais; síndrome do intestino irritável; doença de Huntington; esclerose lateral amiotrófica; artrite reumatoide; doenças metabólicas e cardiovasculares; síndrome de Tourette; distonia; demência e glaucoma. Há ainda estudos sendo desenvolvidos para transtornos psiquiátricos, tais como os sintomas associados aos transtornos de ansiedade, de humor, psicóticos, por uso de substâncias, de déficit de atenção e hiperatividade, de estresse pós-traumático e afetivo bipolar.

Para as condições citadas acima, as evidências disponíveis ainda se apresentam em níveis baixos ou inconclusivos, o que expressa a necessidade de mais estudos com diferentes metodologias para determinar possível benefício terapêutico e segurança do tratamento com canabinoides para as mais diversas condições de saúde.

Vale ressaltar que, para cada uma das condições apresentadas, o uso de um ou a combinação de dois ou mais canabinoides, em diferentes formas farmacêuticas, foram responsáveis pelos resultados efetivamente terapêuticos. A bibliografia científica detalhada para cada condição encontra-se nas referências abaixo.

É fundamental avançar ainda mais no desenvolvimento de pesquisas que aprofundem os potenciais terapêuticos da cannabis e dos canabinoides para diferentes condições e enfermidades. É importante apoiar mais pesquisas no Brasil, com parcerias nacionais e internacionais, avançando na realização de estudos clínicos de diferentes condições, acompanhando a tendência mundial de ampliação e diversificação das pesquisas.

É necessário ampliar a capacitação de médicos e outros profissionais de saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e seus derivados, para que possam prescrever e tratar com mais confiança e conhecimento. Além disso, é necessário avançar na regulação dos produtos à base de cannabis, para que sejam produzidos nacionalmente e distribuídos de forma segura e eficaz. Por fim, também é necessário ampliar o acesso dos pacientes a estes tratamentos, inclusive fortalecendo e instrumentalizando as iniciativas associativas. O acesso deve se dar através do uso de diferentes apresentações fitoterápicas e farmacêuticas, incluindo os produtos com maior concentração de THC, quando indicado.

Vivemos um momento de expressivo crescimento do conhecimento científico sobre o potencial terapêutico dos canabinoides. Consideramos crucial que o Brasil se posicione na vanguarda deste processo, investindo decididamente na produção científica nacional. É indispensável assegurar, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), uma regulamentação abrangente e eficiente, que viabilize a produção, prescrição e acesso gratuito e universal pelo Sistema Único de Saúde – o SUS – a uma ampla gama de formas farmacêuticas da cannabis e derivados, sempre respaldadas por evidências sólidas de segurança e eficácia terapêutica.

Programa Institucional de Política de Drogas,

Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz