A entrega das chaves ocorrerá quase sete anos e meio após rompimento de barragem, de propriedade da Samarco/Vale/BHP Billiton e eu ocorreu em 5 de novembro de 2015
Passados quase sete anos e meio da tragédia em Mariana (MG), apenas quatro das 520 famílias, que perderam seus imóveis no distrito de Bento Gonçalves, em Mariana (MG) receberam as chaves de suas casas reconstruídas. Elas deverão ser, nos próximos dias, os primeiros moradores vivendo na nova comunidade de Bento Rodrigues. Mas, as famílias do distrito de Paracatu, também em Mariana, ainda não há um cronograma de quando as suas residências serão entregues.
Segundo informação foi dada à Agência Brasil pelo presidente da Fundação Renova, André de Freitas, entidade que administra o processo de reparação dos danos causados em decorrência do rompimento da barragem da mineradora Samarco. A demorada restituição das casas já foi motivo de protestos dos moradores prejudicados com a falha da mineradora de propriedade da Vale e da BHP Billiton. Foram destruídas 250 moradias em Bento Rodrigues e outras 270 em Paracatu.
Prazos não cumpridos
A primeira data estabelecida pelas mineradoras, através da Renova foi a entrega das obras em 31 de março de 2019. Por não ter cumprido, uma determinada da Justiça estabeleceu uma nova data: 27 de agosto de 2020. Prazo este não cumprido. O rompimento da barragem provocou a liberação de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A lama deixou 19 mortos, destruiu comunidades inteiras e impactou dezenas de municípios ao longo da bacia do Rio Doce, até a foz no Espírito Santo, onde trouxe sérios prejuízos com elevado nível de fósforo.
O processo criminal transformou em réus 22 pessoas, além das mineradoras Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR Recursos Hídricos pelo desastre. No entanto, quase oito anos depois nenhuma das pessoas físicas foi punida pelo crime ambiental e nem pelas mortes e destruição das casas das comunidades vizinhas. Os réus continuam livres de punição.
A demora na entrega das obras é um dos assuntos relacionados com a reparação que levaram o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) a recorrer às esferas judiciais: está sendo cobrada da Samarco uma multa de R$ 1 milhão por dia, contado a partir de 27 de fevereiro de 2021, último prazo fixado pela Justiça para a entrega do reassentamento. Crítico da atuação da Fundação Renova, o MPMG também já pediu a extinção da entidade por entender que ela não tem a devida autonomia frente às três mineradoras.
Mudança de característica
O bucolismo interiorano que havia no antigo distrito de Bento Gonçalves não vai mais existir na nova comunidade, fato esse que está gerando polêmica entre os moradores. Segundo a Agência Brasil, o distrito que está tomando forma conta com imóveis maiores e de padrão construtivo mais elevado, cercados por muros, alguns com churrasqueiras e piscinas, que dão ares de um condomínio urbano e se distanciam da paisagem de uma comunidade rural
“Não se garantiu a preservação do modo de vida das famílias. Era uma comunidade rural e agora eles não terão nem água bruta para plantar suas hortas e para criar pequenos animais. Irão viver em um loteamento urbano. Como é que o pessoal vai se reativar economicamente?”, questiona Rodrigo Pires Vieira, coordenador da Cáritas em Mariana, entidade que presta assessoria técnica aos atingidos.
Judicialização
Bento Rodrigues e Paracatu estão sendo reconstruídos em locais escolhidos por meio de votação dos próprios moradores. Coube à Fundação Renova adquirir os terrenos. De acordo com a Fundação Renova, 189 famílias devem ser reassentadas em Bento Rodrigues. Até o momento, 119 residências foram concluídas, embora não há cronograma para a entrega das chaves. Há casos judicializados, por falta de entendimento entre os atingidos e a Fundação Renova. Em Paracatu, 72 famílias e 46 residências estão prontas, mas também sem data para a entrega das chaves.
A Fundação Renova sustenta que o caráter participativo e o desenvolvimento de projetos customizados tornam o processo mais lento. Também aponta que a pandemia de Covid-19 causou desaceleração dos trabalhos. “É muito tempo. São mais de sete anos. Fazendo uma autocrítica, a Fundação Renova, em alguns momentos, poderia ter feito melhor. Mas também devemos reconhecer que o processo foi desenhado de maneira que privilegiou outras questões e não a temporal”, disse André de Freiras.
A Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues e a Cáritas avaliam que o processo participativo não justifica os atrasos e afirmam que ela é limitada, existindo diversas fases do projeto definidas exclusivamente pela Fundação Renova. “O primeiro prazo era 2018, o segundo, 2019, e nós já estamos em 2023. E agora que está entregando quatro chaves. Temos nesse processo muitas violações de direitos”, diz Rodrigo.
Mudança: pacto
Os atingidos fizeram em 2016 um pacto coletivo para que todos se mudassem juntos, apenas quando as obras estiverem 100% concluídas. No entanto, Mônica dos Santos, integrante da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, critica a inexistência de uma previsão sólida para a entrega de todas as casas e considera que a Fundação Renova criou uma situação onde não é mais possível a manutenção do acordo.
Propaganda da Renova
“A propaganda que ela faz é gigantesca. E o tempo que a gente está nessa espera é angustiante. Eu fico muito feliz pelas famílias que receberam a chave. E, ao mesmo tempo, é um momento de tristeza pelas pessoas que não puderam se mudar. Nesses quase oito anos, 52 pessoas da comunidade faleceram. E a gente fica com esse medo. Quem será o próximo? Será que eu vou conseguir ver a conclusão da minha casa? Será que eu vou ter o gostinho de mudar para minha casa? Então é muito complicado hoje falar em esperar para que todos se mudem”, diz ela.
No fim do ano passado, a Fundação Renova anunciou que estaria pronta para realizar a mudança dos primeiros moradores em janeiro deste ano, o que não ocorreu. Segundo a entidade, os equipamentos públicos já estavam concluídos. A última estrutura finalizada foi a Estação de Tratamento de Esgoto. Até o início das aulas na escola, já havia previsão: fevereiro de 2023. A entrega das primeiras chaves apenas em abril é, para Mônica dos Santos, mais um capítulo da lentidão dos trabalhos. Ela conta que se sente retaliada por criticar a atuação da entidade.
“Essas primeiras famílias vão se mudar para um canteiro de obras. Porque a Fundação Renova não tem a mesma tratativa com todos, não dá isonomia no tratamento. Até a presente data, a minha família não tem o projeto sequer finalizado. Não é porque eu não quis terminar. E não há previsão. Ninguém sabe quando a Fundação Renova vai se sentar com as famílias que ainda não têm projeto ou terreno”.