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Comitê da ONU pede retratação de Portugal por escravidão


Comissão avalia países sobre políticas para a eliminação da discriminação racial; conclusões incluem a formulação de leis para lidar com consequências do legado do colonialismo


Milhares de escravos morreram na vinda da África para o Brasil, devido às condições insalubres e o terror praticado pelos portugueses | Imagem: Gravura histórica

O Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação Racial, Cerd, divulgou no final desta última semana conclusões sobre Portugal, Argentina, Níger, Filipinas, Rússia e Tadjiquistão, após revisão em sua última sessão. As conclusões contêm as principais preocupações e recomendações do Comitê sobre a implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, bem como pontos em que as nações avançaram nesta questão.

O comitê avaliou que Portugal deve considerar pedir desculpas por seu papel no comércio transatlântico de escravos e práticas de escravidão em suas ex-colônias. Além disso, a recomendação inclui adotar legislação específica para lidar com as consequências duradouras dessas práticas, fornecer reparações por atrocidades graves e massivas cometidas e garantias de não-repetição.

O comércio de escravos foi promovido de forma intensa, no Brasil, pela Coroa Portuguesa | Imagem: Arquivo Histórico

Legados do colonialismo e retratação

O comité também destacou os legados remanescentes do colonialismo, do comércio transatlântico de escravos e da escravidão continuarem a alimentar racismo, intolerância, estereótipos raciais e discriminação em Portugal.

Segundo os especialistas, isso impede grupos étnicos ou raciais minoritários, em particular, africanos e afrodescendentes, exerçam todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

O comitê expressou preocupação com relatórios indicando que africanos e afrodescendentes são vítimas de racismo e discriminação múltiplos, particularmente em áreas como participação política, acesso a emprego, moradia, saúde, educação, previdência social e local de trabalho.

Uma das recomendações é que Portugal crie e implemente medidas e políticas especiais para continuar a melhorar as condições de vida, participação e representação política, bem como a situação socioeconômica dos africanos e afrodescendentes.

Principais regiões africanas de onde saíram os negros que vieram para o Brasil | Imagem: Livro Negros no ES, de Cleber Maciel

Escravos negros no ES

O livro “Negros no Espírito Santo”, escrito pelo ex-professor da Ufes, Cleber Maciel, falecido em 5 de dezembro de 1993, teve a sua segunda edição feita pelo Governo do Espírito Santo em 2016 e que disponibilizou para download. Para isso é só clicar neste link ou ler a seguir sem a necessidade de fazer download.

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“Durante o século XVI, a maioria dos escravos chegados ao Brasil, entre a Bahia e o Rio de Janeiro era de Sudaneses, embarcados nos portos da Guiné e, por isso, também conhecidos como Negros da Guiné. Entre eles destacavam-se os Fulas e os Mandingas, usados, em geral, como lavradores, os Jalofos, utilizados como trabalhadores nos engenhos de cana-de-açúcar e como ferreiros; os Haussás; os Lorubás, também chamados Nagôs; os Daomeanos; os Bornuse, e os Achantis. Quase todos muçulmanos. Também vieram, em menor escala, muitos Bantos dos grupos Quimbundos, Congos, Angolas, Benguelas e Cabindas”, diz o autor.

Principais regiões africanas de onde saíram os negros que vieram para o Brasil | Imagem: Livro Negros no ES, de Cleber Maciel

Desembarque em São Mateus e Vitória

“Já durante o século XVII, a maioria dos escravos africanos trazidos para o Brasil era de Bantos, dos quais, com certeza, muitos dos grupos conhecidos como Congos e Criolos foram desembarcados nos portos de São Mateus e Vitória. Esses escravos Bantos também eram chamados de Angolas, porque a maioria era embarcada nos portos dessa região da África. Ao longo do século XVII até o final do tráfico, no século XIX, parte dos escravos era embarcada nos portos de Costa da Mina e no Golfo de Benim. Embora por isso fossem chamados de Minas, entre eles haviam Bantos e Sudaneses, estes últimos constituindo quase 70% do total e destinados, em grande parte, para os trabalhos na mineração, na lavoura, nas manufaturas e nos serviços domésticos”, prossegue o ex-professor de História da Ufes.

“Nesse período, havia também muitos portos de embarque nas regiões de Angola e Moçambique, e os escravos eram classificados, genericamente, por esses nomes. Da mesma forma, havia diversos outros portos nas áreas do norte da África. Aliás, dos portos de Omim e Ajudá saíram os últimos navios negreiros que fizeram o comércio legal e contrabando de escravos no litoral do Espírito Santo, onde foram desembarcados muitos Nagôs, Haussás, Tapas e Jepes, todos Sudaneses, e não Bantos, mesmo que classificados pelos comerciantes como escravos oriundos de Angola e Moçambique”, continua.

“A dificuldade de identificar com precisão a origem de todos os povos africanos que chegaram ao Brasil e especificamente ao Espírito Santo é agravada após a proibição do tráfico, já que, a partir de então, os africanos que chegavam eram mandados para as fazendas e registrados como nascidos ali. Visava-se, com esse artifício, a burlar a lei que dava liberdade aos africanos trazidos como escravos pelos contrabandistas.

Memorial ficará no Largo José Saramago, Campo das Cebolas, em Lisboa, Portugal | Imagem: Kiluanjii Kia Henda

Memorial em Lisboa

A criação de um Memorial em Homenagem às Pessoas Escravizadas, com o intuito de homenagear milhões de negros africanos escravizados pelo império português foi proposta ao Orçamento Participativo de Lisboa (OP) em 2017 pela Associação de Afrodescendentes (Djass), através de uma candidatura apresentada por Beatriz Gomes Dias, então presidente da Direção da Associação. No dia 27 de novembro de 2017, a proposta foi anunciada como um dos projetos vencedores daquela iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que o incluiu no seu orçamento.

As escravizações feitas por Portugal foram mais intensas entre os Séculos XV e XIX. “Uma homenagem às vítimas e resistentes de ontem e de hoje, que pretende promover o reconhecimento histórico do papel de Portugal na Escravatura e no tráfico de pessoas escravizadas e evocar os legados desse longo período na sociedade portuguesa atual, desde a rica herança cultural africana às formas contemporâneas de opressão e discriminação”, diz a página do Memorial, que pode ser visitada neste link.

A proposta vencedora foi do artista angolano Kiluanji Kia Henda. O monumento vai ficar no Largo José Saramago (Campo das Cebolas), em Lisboa, Portugal.