Por Adriana Damasceno
Uma pesquisa inédita, elaborada por professores dos departamentos de Morfologia (DM) e Psicologia Social e Desenvolvimento (DPSD) da Ufes, atendendo a uma solicitação da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp/ES), concluiu que 1.250 servidores das forças de segurança do Espírito Santo apresentam condições psicossociais que impactam nos afastamentos por motivos de saúde mental. O ineditismo do levantamento está na união de todas as forças de segurança do estado para realização do estudo: corpo de bombeiros, guardas municipais de Vila Velha, Serra, Linhares e Viana e polícias civil, militar, federal e rodoviária federal.
Intitulado Soma-SI – Programa de Autogerenciamento do Bem-Estar a partir da Análise do Estresse de Agentes de Segurança Pública do Espírito Santo, o levantamento é uma pesquisa-ação técnica idealizada pelo professor do DPSD Elizeu Borloti e coordenada pela professora do DM Adriana Madeira e pelo psicólogo da Sesp Pedro Luiz Ferro, que preside a Comissão Permanente de Atenção à Saúde dos Profissionais de Segurança Pública, Defesa Social e Justiça (Copas).
Avaliação
O levantamento foi realizado entre março de 2022 e fevereiro de 2023. Por meio de questionários realizados entre os profissionais que se voluntariaram a participar do estudo (fase um), os pesquisadores avaliaram as condições de estresse presentes no cotidiano dos servidores que compõem o sistema de segurança pública do estado e as formas de intervenção para redução do quadro e melhoria do bem-estar e da saúde desses profissionais.
Participaram das avaliações 907 servidores da região Metropolitana; 273 do Norte; 165 do Noroeste; 158 do Sul; e 66 da região Serrana. Destes 1.569 voluntários avaliados, 1.250 (79,66%) apresentavam sintomas de estresse em diferentes níveis, independentemente da região de lotação ou da forma de execução do serviço (interno ou externo).
A fase dois (avaliação e intervenção) contou com a participação de mais de 400 servidores civis e militares de todas as forças policiais, que passaram por avaliação cardiológica, nutricional e psicológica. Dentre os instrumentos de coleta de dados que foram empregados no procedimento, estão questionários de consumo alimentar e clínico; anamnese psicológica; e avaliação de escalas de burnout, depressão e estresse no trabalho. Exames como eletrocardiograma, aferição de pressão arterial, de peso, de altura e percentual de gordura corporal também foram realizados com os voluntários.
A pesquisa identificou alguns trabalhadores com grau grave de ansiedade e estresse, incluindo quadro de dependência a substâncias químicas ou risco de suicídio. Vinte e cinco por cento dos atendidos apresentaram alterações na pressão arterial ou nos índices glicêmicos; mais da metade apresentou sintomas de burnout (esgotamento profissional); cerca de 40% tiveram sintomas de estresse pós-traumático; e 94% apresentaram alterações no sono.
Mulheres
De acordo com Borloti, estudos que relacionam estresse e gênero apontam para diferenças entre homens e mulheres no relato de sintomas, e a insônia acomete mais as mulheres policiais, assim como burnout e estresse pós-traumático. Segundo o psicólogo Ferro, as mulheres apresentam resultados superiores por estarem “mais expostas, uma vez que muitas têm mais de uma jornada de trabalho (família, por exemplo)”.
Borloti concorda e acrescenta: “A neuroquímica feminina se soma à sobrecarga que os papeis sociais impõem às mulheres enquanto estressores e ao modo como as mulheres enfrentam esses estressores. Em geral, há uma cultura de responsabilização das mulheres quando ‘as coisas não vão bem’ na sua família e nos seus relacionamentos. Por outro lado, as mulheres costumam se cuidar mais e buscar ajuda com mais facilidade”.
Políticas de apoio
Ao avaliar, conjuntamente, estresse, ansiedade e depressão, os pesquisadores observaram a presença de depressão em 22% dos casos; ansiedade em 19,7%; e estresse em 12,7%. “O estudo originou resultados que até então vinham sendo apresentados sem comprovação científica”, ressalta Ferro.
Após as intervenções realizadas durante a pesquisa, percebeu-se redução significativa nos níveis de estresse entre os participantes. “Este dado corrobora as pesquisas conduzidas em nossos programas de pós-graduação, validando em larga escala os resultados alcançados em estudos que testaram a eficácia dessas intervenções”, analisa o professor Borloti.
Para ele, o levantamento comprovou a importância da articulação de serviços de setores governamentais e sociais diferentes e do suporte familiar e sociocomunitário na solução de problemas de saúde mental complexos das forças de segurança. A partir dos dados obtidos, foram elaboradas sugestões ao governo estadual, que podem ser implementadas como políticas de apoio ao servidor da segurança pública, visando a melhoria da saúde corporativa, na direção do eixo “valorização do servidor”, da Política Nacional de Segurança Pública.
Dentre tais sugestões, estão: verificação de formas de amenizar os problemas do sono dos servidores; adoção do modelo de terapia breve on-line para casos graves e terapias de livre adesão ininterruptas; manutenção do suporte de atenção à saúde de servidores nas áreas de nutrição, cardiologia e psicologia, em especial para o grupo feminino; implantação de apoio psiquiátrico ou plano de saúde para os servidores da segurança pública; e implementação de local e horário para alimentação e realização de atividades físicas. “Nosso intuito é melhorar as condições de trabalho e aumentar a produtividade, a economicidade e a qualidade da prestação dos serviços públicos de segurança no estado”, destaca Adriana Madeira (foto).
O levantamento Soma-SI contou com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Curso A pesquisa originou, também, a criação do curso de pós-graduação em Saúde, Direitos Humanos e Segurança Pública, uma parceria entre o Departamento de Ciências Sociais (DCS/Ufes) e a Sesp. Coordenado pelos professores Marcelo Fetz, do DCS, e Adriana Madeira, o curso é uma especialização destinada a gestores e servidores que atuam nas instituições de segurança pública, defesa social e justiça do Espírito Santo. Para saber mais, acesse o site do Núcleo de Pesquisa, Inovação e Planejamento Socioeconômico da Ufes.