Trabalhadores da orla portuária no Espírito Santo estão preocupados quanto ao futuro após a desestatização do Porto de Vitória e sugerem realocação dos funcionários em outros órgãos públicos
Durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Ales) realizada na última semana, sindicalistas, trabalhadores e operadores portuários expressaram a sua preocupação com o processo de privatização imposto pelo governo Bolsonaro. No encontro, os participantes propuseram que os empregados da antiga Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) sejam absorvidos por outros órgãos públicos federais.
Na abertura dos trabalhos, a deputada Iriny Lopes (PT), vice-presidente do colegiado, ressaltou que a venda da Codesa gerou queda na arrecadação estadual e perda de poder político para o Estado, além de apreensão para os trabalhadores portuários.
“Estamos com um conjunto enorme de trabalhadores e trabalhadoras que não sabem o seu futuro, que estão sendo empurrados para negociação de demissão voluntária, que não garante nada a ninguém, só um pequeno momento. Quando o dinheiro acabar, se não tiver arrumado um trabalho, estará desempregado ou subempregado”, lamentou
Portuários
José Adilson Pereira, presidente da Federação Nacional dos Estivadores (FNE) e do Sindicato dos Estivadores do Espírito Santo (Sindestiva-ES), destacou que o Porto de Vitória é o único que foi privatizado no Brasil e que esse modelo foi copiado da Austrália, na contramão do modelo majoritário no mundo, que atua com a operação privada, mas mantém pública a autoridade portuária.
Ele criticou a falta de diálogo com os trabalhadores nesse processo, disse que foi dado apenas mais um ano de estabilidade e que foi lançado um Plano de Demissões Incentivadas e Voluntárias (PDIV), que atendeu os funcionários mais antigos, mas não os mais novos. Também denunciou que a empresa vencedora da licitação vem assediando moralmente os trabalhadores para eles aderirem ao plano de demissão.
Outro ponto levantado por Pereira foi o aumento do custo portuário, que está onerando os operadores portuários, em especial, os menores, e que pode fazer o porto perder competitividade diante dos concorrentes. “Os setores estão dizendo que está subindo (a tarifa portuária), enquanto isso o governo federal está fazendo a tarifa cair (para os portos públicos) e daqui a pouco o Espírito Santo vai ser o mais caro. Vamos perder cargas e empregos”, alertou.
Pereira contou que a apenas a possibilidade de privatização do Porto de Itajaí, em Santa Catarina, no governo anterior, fez várias empresas pararem de operar na cidade, o que causou desemprego e perda de arrecadação para a prefeitura. Por fim, sugeriu a formação de uma comissão de acompanhamento do processo de privatização da Codesa na Assembleia Legislativa.
De acordo com o presidente do Sindicato Unificado da Orla Portuária do Espírito Santo (Suport-ES), Marildo Capanema, até o momento quase 80 trabalhadores foram demitidos. “São pessoas que fizeram concurso público. Nós conseguimos retornar com 43. Incoerentemente, os comissionados, que entraram por indicação política, mantiveram-se nos seus postos de trabalho e os concursados foram dispensados”, lastimou.
Capanema reforçou a fala do colega a respeito da falta de diálogo com os representantes dos trabalhadores para debater o processo de desestatização da Codesa e o desligamento dos trabalhadores. Ele contou que desde o início da privatização o sindicato trabalhou para realocar os funcionários em outras empresas públicas federais e até estaduais, mas que não obteve sucesso até o momento.
Frisou, ainda, que existe hoje no Porto de Vitória um ambiente hostil da empresa com os funcionários antigos, que os novos foram contratados com salários mais baixos e que as tarifas portuárias ficaram mais altas, prejudicando a competitividade do Estado.
Para o secretário da Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios, nas Atividades Portuárias (Fenccovib) Josué King Ferreira, o governo federal errou no modelo adotado. Conforme falou, a maior parte dos países prefere o Landlord Port, com a gestão do porto sendo pública e as operações privadas.
Uma preocupação demonstrada por ele foi em relação à falta de capacidade de a empresa vencedora da licitação investir os recursos pactuados no edital (quase R$ 850 milhões). Ele lembrou que muitos aeroportos privatizados foram devolvidos pelas empresas porque não entraram os recursos necessários para bancar as melhorias prometidas. Uma das obrigações do contrato é ampliar os portos e o acesso em Capuaba, Vila Velha.
Operadores
Na visão de Roberto Garofalo, presidente do Sindicato dos Operadores Portuários do Espírito Santo (Sindiopes), o porto precisava de uma reformulação para ter uma gestão mais profissional, acabando com as indicações políticas e alcançar ganho de competitividade diante do mercado internacional. Entretanto, avalia que a autoridade portuária deveria ter permanecido pública.
“Com uma administração profissional isso poderia ocorrer. Todos nós estamos experimentando aumento de preços nas tarifas. Não temos mais a mediação do Estado. Agora, dependemos do jogo de cintura, de uma relação comercial. Minha empresa conseguiu se articular de alguma maneira e ficar no porto, mas nem todos conseguiram”, esclareceu.
Ele mostrou preocupação com o que chamou de “seletividade de cargas” da empresa que comanda o porto atualmente. Na opinião dele, isso pode afetar toda uma cadeia logística já instalada no Espírito Santo e gerar queda de arrecadação para os cofres públicos. Outro assunto comentado por ele foi a possível redução das tarifas nos portos públicos, o que classificou como “subsídio”.
Garofalo ainda mencionou que o modelo adotado tem algumas vantagens referentes a celeridade para a empresa resolver gargalos, como a reforma dos armazéns. Também pediu ajuda da deputada Iriny para fazer mudanças no texto da reforma tributária no Senado, porque o Espírito Santo pode perder incentivos fiscais que ajudam a dinamizar a economia capixaba. Ainda participaram do encontro o advogado especializado em Direito Marítimo e Portuário, Luiz Fernando Barbosa dos Santos e o o ex-presidente do Sindestiva Cícero Gonzaga; entre outros portuários.
Encaminhamentos finais
Ao final da audiência, Iriny traçou como prioridade buscar uma solução para realocar os trabalhadores antes do prazo final de adesão ao plano de demissão (31 de julho); a criação de uma comissão de acompanhamento que conte com os deputados e também com membros dos governos estadual e federal; e a discussão de uma nova matriz estadual de transporte de cargas, com o uso da cabotagem ao longo da costa capixaba.
Privatização
Responsável pelos portos de Vitória e Barra do Riacho (Aracruz), a Codesa foi desestatizada em março de 2022 durante leilão que captou R$ 106 milhões. A empresa vencedora terá a concessão da entidade por 35 anos. Esse foi o primeiro leilão de uma estatal no setor portuário no Brasil.
A privatização prevê ações para o caso de mudanças no quadro de funcionários, como estabilidade por um período – inviabilizando demissão sem justa causa –, além de programa de demissão voluntária e requalificação profissional para desligados. Parte dos profissionais é concursada e tem os direitos regidos pela CLT.