Pauta principal foram os danos ambientais e sociais causados pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, em Mariana (MG)
O Ministério Público Federal (MPF) participou, no último dia 17, do evento de escuta intitulado Encontro do Ministério Público com os Movimentos Sociais e a Sociedade Organizada, que foi promovido pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) no auditório da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (Fadivale), em Governador Valadares.
“O rio, para a gente, é tudo. A água é o que temos de mais importante”. Com essa manifestação, o cacique Baiara, da aldeia Pataxó Geru Tucunã, no Município de Açucena, abriu as falas de representantes da população do Vale do Rio Doce. O discurso do líder indígena, no início do encontro, indicou qual seria a pauta principal de discussões durante todo o evento: os inúmeros danos ambientais e sociais causados pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, no Município de Mariana, há quase oito anos, e que ainda repercutem diariamente na vida dos atingidos.
“Maior crime do gênero no Brasil”, diz MP
Além das consequências desse crime, considerado o maior do gênero da história brasileira, representantes de movimentos sociais tiveram a oportunidade de expor, diante de um auditório lotado, outros problemas locais. Entre eles, questões relacionadas aos direitos de povos tradicionais, como quilombolas, indígenas, ribeirinhos e ilheiros, da população de rua, de catadores de materiais recicláveis, referentes à violência no campo, à violência contra a mulher, à saúde, à educação, entre outros temas.
O coordenador da Força-Tarefa do Rio Doce, procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, que participou da escuta da população, avaliou o encontro como “importantíssimo”, especialmente pelo número de participantes e de regiões representadas. “Cada vez que o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Minas Gerais ouvem as pautas da comunidade, isso nos ajuda a peticionar no processo, porque a gente entende melhor os problemas, o que está ocorrendo na prática”.
Ainda conforme o procurador da República, em razão da extensão do Rio Doce e da impossibilidade de o Ministério Público estar em todas as localidades, ouvir as reivindicações dos moradores é fundamental para transformá-las em demandas e para conseguir a efetivação dos direitos a elas relacionados.
População tem desejo por justiça, diz promotor
Já o coordenador regional de Mobilização e Inclusão Sociais do MPMG, promotor de Justiça Evandro Ventura, salientou que o desejo principal da população local, diante do grande impacto gerado pela mineração na região, é por justiça. “As pessoas querem que o Rio Doce seja confiável novamente. E, para isso, é preciso que haja uma recuperação do rio, de um modo geral, pela empresa. A população anseia também pela responsabilização dos responsáveis e pela reparação dos danos sofridos. Nada mais do que a efetivação dos direitos que possuem”, resumiu.
De acordo com o promotor, a aproximação dos membros do Ministério Público com a comunidade é fundamental, uma vez que o órgão é o responsável pela escuta das reivindicações da sociedade. “O MP foi criado para ouvir as demandas sociais e para ser interlocutor dessas demandas a fim de efetivar direitos. Assim, escutar as pessoas, dar andamento às reivindicações e tentar solucionar os problemas apresentados é um dever institucional”, observou.
Vale do Rio Doce é marcada por esse tipo de violência, diz vítima
Integrante do assentamento Oziel Alves Pereira, em Governador Valadares, e do Fórum Regional de Combate à Violência no Campo e na Cidade, Martinha Jorge Moreira também fez uso da palavra e pediu o apoio do MP no combate à violência no campo. “A região do Vale do Rio Doce é muito marcada por esse tipo de violência porque a concentração de terras é grande demais. Em junho deste ano, um companheiro nosso foi assassinado dentro de sua própria casa. Não sabemos ainda o que motivou o crime. Viemos reivindicar empenho da Justiça para investigar o assassinato, para punir os responsáveis e para ajudar a solucionar a questão da violência na nossa região”.
Durante o encontro, o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate aos Conflitos Agrários do MPMG, procurador de Justiça Afonso Henrique de Miranda Teixeira, destacou a importância do acesso à terra e ao trabalho. “Não é possível falar do princípio da dignidade humana sem falar de moradia, pois ela é estruturante desse princípio”, ressaltou. De acordo com o procurador, os cidadãos precisam ser inseridos no processo de construção do país para que haja democracia. “Sem os movimentos sociais, não é possível construir uma República democrática, como preceitua a Constituição”, acrescentou.
Por sua vez, o coordenador da Cimos, promotor de Justiça Paulo César Vicente de Lima, informou que a realização de encontros com movimentos sociais pelo MP cumpre a Recomendação 61/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ele também comentou sobre a pluralidade das demandas da região. “São muitas as pautas que envolvem a Bacia do Rio Doce. O MP está aqui para ouvir e construir um plano de atuação. Trouxemos a Ouvidoria da instituição para nos ajudar a registrar as demandas apresentadas e a dar um encaminhamento efetivo a elas”.
Repactuação
O procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, reforçou o compromisso institucional com a população e recordou os esforços do MP para garantir os direitos dos atingidos pela tragédia de Mariana. “Não estamos ao lado de interesses que não sejam os da sociedade. O acordo feito lá atrás foi tão grave quanto a tragédia, pois foi feito de forma irresponsável. Por isso, o MP não o assinou. Estamos na mesa conversando para proteger os direitos da população. Continuaremos trabalhando e ouvindo os atingidos para que as empresas responsáveis paguem pelo que fizeram”, afirmou.
Jarbas ainda comentou sobre a importância de o MP ouvir também as críticas ao trabalho da instituição para aperfeiçoá-lo. “É uma oportunidade também para que a sociedade organizada e os cidadãos possam levar as suas contribuições à instituição. O MP precisa acessar o sentimento das pessoas para que eles sejam traduzidos nas nossas ações em defesa dos direitos delas”.
O encontro foi promovido pelo MPMG, por meio da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), o evento é parte dos esforços da instituição para aprimorar seus canais de escuta para atender às demandas relacionadas aos direitos fundamentais desses grupos.