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As denúncias dos movimentos sociais que o ministro dos Direitos Humanos ouviu no ES


O teor do encontro do ministro dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Silvio Almeida com as lideranças dos Direitos Humanos do Espírito Santo, não foi noticiado pela imprensa local e nem na nacional


Davi, do Centro de Referência Juventude (CRJ) Território do Bem, fez as boas-vindas ao ministro Silvio Almeida | Foto: Sérgio Cardoso/Sindibancários-ES

Na última semana, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, esteve no Espírito Santo. O encontro que manteve com as lideranças capixabas foi divulgado em sua agenda, mas o teor do que foi conversado não foi divulgado pela imprensa local. Apenas foi dito que ele se reuniu com o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB) e que que a visita ficou por isso. Mas, saiba o que o ministro ouviu dos capixabas.

Bem depois de cumprir a agenda com o Governo estadual e de outros órgãos estaduais, Silvio Almeida, foi se avistar à noite com capixabas que militam nos movimentos sociais, coletivos e familiares de pessoas em privação de liberdade e vítimas de violência institucional. A reunião ocorreu na paróquia Santa Teresa de Calcutá, no Bairro da Penha, em Vitória, em local conhecido como Território do Bem.

A paróquia onde o ministro esteve foi alvo de violência da PM capixaba

As conversações fazem parte do projeto “Caravana dos Direitos Humanos”, que teve início no Espírito Santo e vai ser promovida em todo o Brasil, dentro do intuito de buscar o aprimoramento através da cooperação e integração. Há mais de um mês, a igreja católica onde Silvio Almeida esteve foi alvo de uma invasão pela Polícia Militar do Espírito Santo, exatamente porque o padre condena as ações violentas praticadas pelos militares estaduais.

Silvio Almeida ficou na igreja alvo da violência da PM capixaba por duas horas. Lá estava a mãe da professora Flávia Amboss Merçon Leonardo, assassinada no ataque à escola Primo Bitti, em Coqueiral, Aracruz, no dia 25 de novembro do ano passado. A professora foi alvo de um ataque de terror praticado por um menor de 16 anos, filho de um tenente da PM. O menor de idade assassinou quatro pessoas e deixou 12 feridos, entre professoras e alunas.

“Minha filha recebeu todo o amor: da gestação até a sua morte. O jovem que matou minha filha veio de um lar de ódio. Precisamos de mais amor e menos ódio”, disse Grayce. A mãe de Flávia recordou que o governador Renato Casagrande (PSB) nunca a procurou para se desculpar em nome do Estado. “Casagrande não teve coragem de dar um alô para nós. Estamos até hoje esperando um pedido público de desculpas do Estado”. Ante a indiferença do governo do Estado ao sofrimento das famílias, Grayce, se dirigindo ao ministro, suplicou: “Espero que o governo federal olhe para nós”.

Vítimas do crime ambiental da Vale/BHP Billiton também falaram com Silvio

Representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) também se fizeram presentes na reunião do ministro dos Direitos Humanos na igreja atacada pela PM capixaba. Lembrando que a professora assassinada fazia parte do MAB, cobraram uma ação dura contra o tenente da PM, pai do autor do atentado às escolas de Aracruz. Foi cobrada uma resposta à investigação da PM, para saber se o se o PM ensinou o filho a atirar. A arma usada nos crimes era do policial. Os militantes criticam o governo do Estado por manter o PM nos quadros ativos da polícia e exigiram a apuração rigorosa da responsabilidade do tenente pelos atos do filho.

Assassinato de jovens negros pela PM do ES

O ministro dos Direitos Humanos ainda ouviu outros relatos, como as denúncias de que a Polícia Militar vem matando deliberadamente os jovens negros e pobres no Espírito Santo.  Os militantes dos direitos humanos disseram que nos últimos anos a PM tem agido com mais violência, tecendo fortes críticas à política de segurança pública do governo Casagrande, cuja pasta é comandada pelo coronel da PM, Alexandre Ramalho, ex-candidato derrotado a deputado federal nas últimas eleições e pré-candidato a prefeito de Vitória (ES) nas eleições do ano que vem.

A compra de fuzis de última geração para armar a polícia capixaba foi outra crítica apresentada pelos militantes de direitos humanos ao ministro, durante as duas horas que participou da reunião. Foi lembrado que o Governo do Estado comprou 874 fuzis do tipo IWI Arad, fabricados em Israel, com R$ 400 milhões de recursos públicos. Acusaram o Governo estadual de investir em armamento em vez de priorizar investimentos sociais para construção de uma cultura de paz.

Feminicídio no ES foi também assunto da conversa com o ministro

Representando o Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes), Edna Martins, disse para o ministro que a violência contra as mulheres é outra marca do Espírito Santo. “Este governo não respeita os direitos das mulheres, sobretudo das mulheres negras. Há um silenciamento do governo do Estado ante as mortes de mulheres”. A militante criticou ainda a conduta do secretário de Segurança Pública que humilha os jovens negros. “Isso é racismo estrutural. Se o governador mantém este secretário, ele também está sendo racista”, disse Edna.

Ela citou os dados mais recentes divulgados pelo Anuário de Segurança Pública 2023, que coloca o Espírito Santo em 8º entre os Estados brasileiros onde mais se mata mulheres. Em relação aos estupros contra mulheres, o Espírito Santo está na liderança do ranking, como o primeiro colocado no Sudeste e o 12º no país.

“O senhor está em um Estado que mata”, diz representante do MNU

Outro a falar com o ministro Silvio Almeida foi a representante do Movimento Negro Unificado (MNU), Luizane Guedes. Ela disse que os jovens negros estão morrendo nas periferias. “A população negra está sob ameaça no Espírito Santo”. Luizane disse, em tom de advertência, olhando para o ministro: “O senhor está num estado que mata”. Ela acrescentou ainda que o muro levantado na paróquia pelo padre Kelder “não foi para defendê-lo de bandidos, mas da polícia. O muro da ‘vergonha’ foi feito por medo da polícia”, afirmou.

O padre Vítor César da Pastoral Carcerária, um religioso que faz visitas periódicas ao sistema prisional capixaba falou sobre a importância de se discutir uma política anticarcerária para o Espírito Santo. Ele disse ao ministro que o problema do encarceramento em massa é tratado de maneira retórica por parte do governo. O padre propôs descriminalizar o porte de drogas, crime de pequeno potencial, para reduzir o encarceramento, sobretudo de jovens negros. O padre também cobrou políticas públicas efetivas para os egressos do sistema prisional e criticou a militarização dos agentes penitenciários.

Violência contra LGBTQIAPN+ no Espírito Santo

A militante dos direitos LGBTQIAPN+ e integrante da Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Deborah Sabará, também presente na reunião com o ministro, denunciou a violência contra o segmento dentro e fora dos presídios e unidades de adolescentes. Ela destacou a importância da iniciativa do ministro em ouvir os movimentos sociais e os coletivos que militam na defesa de direitos.

Também estavam presentes no encontro outros grupos sociais capixabas, como os representantes movimento por moradia, pessoas com deficiência, quilombolas, familiares de pessoas em privação de liberdade e militantes sociais que atuam em coletivos no Território do Bem. Sem se manifestar na reunião, estavam no mesmo local os seguintes políticos: deputados federais Helder Salomão, Jack Rocha (ambos do PT), as deputadas estaduais Camila Valadão (PSOL) e Iriny Lopes (PT) e os vereadores André Moreira (PSOL) e Karla Coser (PT).

Das duas horas em que esteve na igreja em reunião, o ministro usou no final 12 minutos para se comunicar com as pessoas que estavam presentes. Ele disse queria realmente mais ouvir do que falar. O ministro afirmou que a escuta era um ato oficial e que as informações colhidas ali serão analisadas. “É meu dever ouvir o povo brasileiro e transformar essa escuta em ações, em políticas públicas que estiverem dentro da minha competência. Vamos tomar providências frente às demandas. Quem tem poder [como agente público] tem de usá-lo em nome do povo brasileiro”.

Silvio Almeida encerrou dizendo que as mudanças vêm a partir da pressão dos movimentos sociais. “As estruturas deste país funcionam contra o povo, contra os trabalhadores, contra o povo pobre e negro. Sei dos meus limites. Vou ser franco. O homem público tem de ser cobrado”, finalizou.