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A Vale e os preconceitos que dificultam pensar o desenvolvimento nacional

A Vale e os preconceitos que dificultam pensar o desenvolvimento nacional | Foto: Divulgação

ARTIGO

por Guilherme Narciso de Lacerda *)

Discutir e encaminhar propostas estratégicas no Brasil não é fácil. A reação a uma eventual participação do ex-ministro Guido Mantega na direção da Vale é mais um exemplo do cerco midiático, conservador e canhestro a que nosso país está submetido. Tal reação mostra a pequenez do debate sobre o caminho e os instrumentos para o Brasil se tornar uma verdadeira nação. 

Alegam que o Presidente Lula não pode opinar sobre tal matéria. A Vale é uma corporation, gritam os mais exaltados! Se isso acontecer não vamos investir mais aqui, escrevem outros, sempre se apoiando em “fontes seguras”. É uma avalanche de ataques que impressiona pelo entrosamento, com espaços privilegiados para envolver corações e mentes em torno do pseudo absurdo que elegeram como a bola da vez.

Esta não é uma atitude isolada. No ano passado, o Presidente passou a fazer questionamentos sobre a taxa de juros e parecia que o mundo ia acabar. Esse pessoal está perdendo o senso de ridículo, só pode. Imagine se um Presidente legitimamente eleito não pode questionar por que o nosso País mantém uma taxa de juros real tão elevada, mais do dobro do que se tem no segundo país do ranking? Depois, já neste início de 2024, a reação das vozes extremistas liberais ressoou com força, atacando a decisão de se concluir uma refinaria de petróleo, cuja construção foi equivocadamente interrompida, com prejuízos incalculáveis para a sociedade brasileira.

A presença de um ex-ministro da Fazenda em uma empresa estratégica é tida como inaceitável, como se fosse um crime de lesa pátria.  Por que? É um cinismo só. Chegam a escrever que ele não tem experiência. Ora, quando o Sr Pedro Parente foi presidente da Petrobras, alguém questionou que ele não entendia de petróleo? Quando o Sr. Roger Agnelli foi alçado a presidente da Vale, deixando de ser um mero executivo e conselheiro de um banco, alguém questionou que ele não entendia de mineração?

É um desrespeito inaceitável fazer o que está se fazendo com o ex-Ministro. Esta atitude vem de antes; é mero preconceito com alguém que não “fuma o mesmo charuto que eles”. Para encobrir suas atitudes repugnantes constroem narrativas fakes acerca da interpretação da crise econômica iniciada em meados de 2014. Destroem biografias sem nenhum pejo.  

Esta reação rasa precisa ser enfrentada. Ela não pode prevalecer no debate sobre o desenvolvimento nacional e sobre a importância de empresas nacionais globais. A Vale não é uma mera mineradora que extrai, transporta e vende as riquezas de nosso solo. Ela é também uma grande empresa de logística, de portos, de energia, de transformação de grandes regiões brasileiras, de presença de nossa engenharia e nossa inteligência em diversas partes do mundo. A história da empresa constituída em 1942 por Getúlio Vargas se confunde com a própria história do desenvolvimento nacional no pós-guerra. Por isso tudo, é rigorosamente legítimo que o governo que pensa no desenvolvimento nacional de forma a transformar o País em uma nação soberana, não aceite ficar passivo perante sua dinâmica gerencial. Se tal atitude tivesse prevalecido lá nos anos 1940 ela nem teria sido fundada; estava até hoje sob controle britânico.

A Vale e sua história merecem mais respeito. O fato de ter sido privatizada não deu o direito de torná-la um ente à parte, intocável. O poder público (em seus três níveis federativos) só serve para adaptar-se aos seus projetos econômicos ou para atender às comunidades quando os tempos ruins aparecem?

A entrada de um gestor que antes esteve no governo não pode ser associada a uma ameaça a sua competência corporativa. Esta associação é, inclusive, uma agressão aos milhares de funcionários que tocam a empresa desde o chão de fábrica até os níveis mais elevados de comando estratégico.  

A Vale é muito mais do que querem fazer crer, como sendo uma mera geradora de lucro nas planilhas bursáteis. Ela é uma indutora de desenvolvimento. Sua dinâmica empresarial implica em profunda geração de riquezas, mas também em ameaças ao meio ambiente e até mesmo ao futuro do país. Os eventos de Mariana e Brumadinho são exemplos do que uma empresa sem rigoroso compliance ambiental e social pode provocar. Não tem preço que pague as consequências desastrosas do que aconteceu. As explicações de que foram investidos bilhões de reais para reparações são frágeis. A atuação da Renova – o braço social criado por ela para atender as regiões e populações atingidas – é uma lástima; virou um centro de contratação de consultorias. Se alguém duvida, converse com prefeitos e comunidades que constatarão tal realidade.

É necessário debater as nossas empresas globais em termos mais amplos. A Vale é uma grande geradora de dividendos aos acionistas e de bonificações (sem sucedâneo no restante do mundo) para seus executivos. A ampliação do foco para inseri-la no contexto do desenvolvimento nacional não significa retirar direitos de seus acionistas; e nem significa que a empresa precise ser gerida fora dos padrões exemplares de governança corporativa, com empenho em gerar lucro sim, junto com compromissos fortes em termos de responsabilidades sociais e ambientais “para valer”, e não para difundir rótulos e iludir outros.

Acerca da dimensão das bonificações de seus executivos, mais uma vez, a história da Vale precisa ser realçada. É legítimo ter direções e conselhos com remuneração compatível com suas responsabilidades e conhecimentos técnicos. Mas, em tudo tem limites e eles precisam ser examinados com seriedade. Quantos artigos daqueles bem privilegiados na mídia corporativa foram escritos até agora mostrando o tamanho dos ganhos de nossos executivos nas empresas globais (com destaque para a Vale)? Quando se fez alguma comparação de tais números nas empresas daqui e a de outros cantos? Estes aspectos passam ao largo, não interessam; optam por atacar exclusivamente as supostas ameaças ao futuro corporativo da empresa por ter um dirigente que no passado contribuiu para o país, atuando por mais de uma década no setor público, em governos legitimamente eleitos, cometendo acertos e erros, mas sempre comprometido com o desenvolvimento nacional.

(*) Guilherme Narciso Lacerda – Doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor (após) do Departamento de Economia da UFES. Foi Presidente da FUNCEF (2003-20010) e Diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, publicado pela Editora LetraCapital