Segundo o advogado criminalista e ex-presidente da OAB-ES, Homero Mafra, a exibição de preso como “troféu” é crime de abuso de autoridade, que é punido com prisão e cobrança de multa dos policiais que praticaram o ilícito penal
O ex-presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo entre os anos de 2009 e 2018, o advogado criminalista capixaba Homero Junger Mafra, utilizou as suas redes sociais para criticar o estardalhaço do Governo do Estado na recente prisão do traficante Fernando Moraes Perreira Pimenta, conhecido como “Marujo”. A prisão ocorreu na última sexta-feira (8) e o preso foi exibido como troféu, inclusive pelas autoridades estaduais.
“O traficante Fernando Moraes Perreira Pimenta, conhecido como “Marujo”, foi preso na manhã desta (última) sexta-feira, durante uma operação policial no bairro Bonfim, em Vitória. Importante trabalho das polícias, concluindo uma busca que se desenhava há anos. No entanto, é inaceitável o que se fez após a prisão. Acusado exposto em carro aberto? Comemoração, como se estivéssemos numa festa de aniversário? É preciso garantir os direitos legítimos do acusado. Onde vamos parar?”, afirmou o advogado criminalista Homero Mafra em suas redes sociais.
“Troféu”
A exibição como “troféu”, além da comemoração dos policiais fortemente armados em via pública, com gritos de comemoração e punho cerrado para cima, foi completada com o transporte do preso, em pé e algemado, em veículo aberto que desfilou pelas ruas. Atrás, iam três camburões da Polícia Civil com as sirenas ligadas, para chamar a atenção da população, para visualizar o “troféu” que ia em carro aberto a frente.
O próprio governador, Renato Casagrande (PSB) divulgou um vídeo apoiando a exibição do “troféu” e dizendo que a prisão do traficante mais procurado do Estado se devia à sua administração. “Nós conquistamos esse sucesso pela integração de nossas forças policiais, pela determinação de nossos policiais e pelo investimento em tecnologia. Olha que você tem policiais competentes, determinados e tem investimento nas forças de segurança, você consegue alcançar resultados”, disse o governador do PSB.
O que diz a lei sobre abuso de autoridade
O crime de constrangimento de preso em exibição pública de seu corpo a um vexame público está previsto no artigo 13 da Lei 13.869/19, cujo tipo penal é estruturado da seguinte forma:
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I – exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II – submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
De acordo com especialistas em Direito Penal, não basta o dolo de praticar a conduta típica de abuso, sendo preciso o animus abutendi. O agente público deve agir com a finalidade específica (elemento subjetivo especial) de, alternativamente (art. 1º, §1º): (a) prejudicar outrem; (b) beneficiar a si mesmo ou a terceiro; (c) por mero capricho; (d) por satisfação pessoal.
Ainda é citada a Constituição Federal, através do respeito dos direitos constitucionais da pessoa à integridade moral, à honra e imagem (art. 5º, XLIX e X da CF), bem como a presunção de inocência (art. 5º, LVII da CF). A Lei de Execução Penal e o Código Penal reiteram a proteção à integridade moral do preso, protegendo-o contra qualquer forma de sensacionalismo (arts. 40 e 41, VIII da Lei 7.210/84 e art. 38 do CP).
Ainda é citado o princípio constitucional da publicidade (arts. 5º, LX e 37 da CF), o direito de acesso à informação (art. 5º, XIV da CF), a liberdade de imprensa (art. 220 da CF) e o direito à segurança pública (art. 144 da CF). O Código Civil assinala que a exposição da imagem da pessoa é lícita se se necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública (art. 20 do CC), e a Lei de Acesso à Informação que a divulgação das informações pessoais pode se dar para proteção do interesse público e geral preponderante, e não prejudicar apuração de irregularidades em que estiver envolvido (art. 31 da Lei 12.527/11).
Também é citado que o texto legal criminaliza a conduta de constranger, que nada tem a ver com a vergonha ou a humilhação do preso ou do detento. Trata-se de constrangimento real, ou seja, de limitação forçada à liberdade do indivíduo de fazer (ou não fazer) o que deseja. Por isso, o constrangimento mencionado no caput não pode ser confundido com o constrangimento do inciso II, este sim ligado à vergonha do preso ou do detento.