Republicação. Texto de Yurick Luz, do portal Diário do Centro do Mundo (DCM)
A indústria farmacêutica investe milhões de reais mensalmente em financiamentos de viagens, palestras e eventos para médicos em todo o Brasil. Em certos casos, inclui até presentes para os consultórios, como cadeiras, televisores e aparelhos de ar condicionado.
No Brasil, a quantia exata desses gastos e seus beneficiários permanece obscuro. Uma exceção é Minas Gerais, onde desde 2017, a indústria da saúde é obrigada a declarar tais despesas, embora esses dados não sejam devidamente fiscalizados.
De acordo com informações do UOL, ao longo de seis anos, a indústria farmacêutica desembolsou aproximadamente R$ 200 milhões em pagamentos a médicos do estado. Embora não seja uma prática nova ou ilegal, isso suscita preocupações sobre possíveis conflitos de interesse. Entre 2017 e 2022, foram registrados 319 mil pagamentos.
As empresas farmacêuticas acompanham de perto as prescrições que chegam às farmácias. Contratos, viagens internacionais, refeições luxuosas e brindes caros podem influenciar as decisões de prescrição médica.
Apenas 70% desses valores foram destinados a 3% dos profissionais de saúde em Minas Gerais. Dez médicos receberam mais de R$ 1 milhão cada um. Especialistas em cardiologia, dermatologia e endocrinologia foram os mais patrocinados.
Os maiores gastos foram em transporte e hospedagem, totalizando R$ 64 milhões, seguidos por contratação de palestras, com R$ 59 milhões. A indústria farmacêutica foi responsável por 91% desses gastos declarados, enquanto o restante está ligado a empresas de próteses, equipamentos médicos e materiais hospitalares.
Viagens
A Galderma, fabricante de injetáveis estéticos, gastou quase R$ 1 milhão para levar 21 médicos mineiros a um evento em Nova York, nos Estados Unidos, sendo essa a viagem mais cara declarada em Minas.
No estado, os médicos mais beneficiados são os palestrantes, com destaque para o ortopedista Cristiano Menezes, que recebeu cerca de R$ 2 milhões por palestras e consultorias, além de mais de R$ 700 mil em benefícios, totalizando R$ 2,7 milhões.
Sua equipe, no entanto, afirma que ele é “representante” da NuVasive e utiliza exclusivamente produtos da marca.
Jantares
Laboratórios como AstraZeneca, Pfizer e Janssen gastaram cada um mais de R$ 2 milhões em jantares em restaurantes sofisticados na capital mineira. Esses encontros geralmente ocorrem em áreas reservadas, longe do público.
O restaurante argentino Pobre Juan, em Belo Horizonte, por exemplo, é frequentado em sua maioria por representantes de laboratórios farmacêuticos às terças, quartas e quintas-feiras, os dias preferidos pelos médicos. O preço do menu individual varia de R$ 200 a R$ 350.
Além disso, o Coco Bambu na capital mineira também é palco de encontros médicos patrocinados por laboratórios, com um custo declarado entre R$ 180 e R$ 220 por participante.
Ar-condicionado, computador e vinhos
Já a Libbs Farmacêutica demonstrou transparência no primeiro ano de vigência da lei em Minas Gerais. Em seu relatório, a empresa revelou que providenciou ingressos para cinema para diversas situações, como para “médico esposa 2 filhos” e “presente de aniversário para o filho do Dr.”, além de fornecer vinho para um médico do interior que não aceitou um “voucher”.
Além disso, foram registrados vários presentes destinados a consultórios médicos: um investimento de R$ 870 em um “filtro de água para consultório” do Dr. Eni; despesa de R$ 1.450 em uma “cadeira presidente marrom blume para consultório Dr. Jorge”; gasto de R$ 1.803 em um “notebook de presente” para o Dr. Rafael; aquisição de um “ar condicionado” no valor de R$ 1.899 para a Dra. Cristina; desembolso de R$ 1.967 em um “televisor para clínica do Dr. Ailton, neurologista parceiro da Libbs”.
Essa é apenas uma parte da lista. Somente em 2017, a empresa distribuiu cerca de 5.000 presentes para médicos em Minas Gerais, totalizando um custo de aproximadamente R$ 285 mil.
Entretanto, a partir do segundo ano de vigência da lei, a Libbs optou por não detalhar mais as especificidades das compras. O que antes eram cadeiras, notebooks e ar-condicionado passaram a ser rotulados apenas como “brindes”, sem fornecer informações adicionais.