Investigações sobre a relação entre fardamento do policiamento ostensivo e desconforto musculoesquelético; a associação entre indicadores antropométricos e níveis de atividade física de policiais militares; e a interferência dos altos níveis de atividade física na qualidade dos disparos de arma de fogo. Essas são algumas das pesquisas desenvolvidas no âmbito do Grupo de Estudo Fisiologia Translacional Aplicada à Saúde, Esporte e Rendimento Humano, com o objetivo comum de monitorar os indicadores biológicos, comportamentais, psicológicos, perceptuais e ocupacionais relacionados à saúde de agentes de segurança pública do Espírito Santo.
Liderado pelo professor do Departamento de Desportos Danilo Bocalini (na foto, de camisa preta), o grupo conta com professores e estudantes da Ufes, além de pesquisadores de outras instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais. “Destaco os discentes do curso de bacharelado e da pós-graduação em Educação Física, militares e civis que se dedicam a investigar militares da Polícia Militar do Espírito Santo [PMES] em inúmeras perspectivas, além de intervenções que visam à saúde e ao aprimoramento técnico e tático de ações operacionais”, explica.
Bocalini avalia que investigações científicas sobre agentes de segurança são importantes para empreender avanços no monitoramento e no desenvolvimento de novos protocolos e ações: “As polícias assumem um papel de muita importância na nossa sociedade, evitando e controlando situações que afetam a dinâmica social. Além disso, é importante considerar que um agente mais saudável desempenhará suas funções de maneira mais segura e eficaz. Com isso, a sociedade ganha”.
Desconforto
A pesquisa da estudante de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (PPGEF/Ufes) Camila Brandão levanta um questionamento: O fardamento de policiamento ostensivo promove desconforto musculoesquelético em policiais militares [PMs] da Companhia de Operações Especiais [COE]? O estudo envolveu 60 militares da COE lotados no Batalhão de Missões Especiais (BME) de Vitória, dos quais dois eram mulheres (3%) e 58, homens com idade média de 38 anos (97%).
O objetivo da pesquisadora (que é profissional de Educação Física) foi avaliar o desconforto muscular de PMs da COE com e sem o uso do fardamento de policiamento ostensivo, que inclui os equipamentos de proteção individual (EPIs) e operacional. O fardamento ostensivo é constituído por colete balístico, cinto tático, coldre de perna, armas com seus carregadores principais e sobressalentes municiados, faca, coturnos, algemas, rádio comunicador e lanterna. “São dispositivos obrigatórios para o desempenho da profissão tática do policial, os quais, devido à sobrecarga física, podem gerar modificações fisiológicas e afetar o desempenho do militar em operações”, explica.
Após coleta e análise de dados, Brandão concluiu que, dentre os avaliados, o uso do fardamento de policiamento ostensivo promove desconforto muscular, indicando uma sobrecarga média de 13 quilos atribuídos aos EPIs. Segundo ela, o atual quadro pode ser alterado se os avanços tecnológicos forem explorados por meio da utilização de materiais mais leves e ergonômicos. “Além disso, seria benéfico implementar programas específicos de treinamento e suporte para minimizar o desconforto musculoesquelético decorrente do uso prolongado desses equipamentos”, avalia.
Indicadores
Colega de Brandão no PPGEF, o nutricionista e cabo da PMES Geanderson Oliveira realizou o estudo Associação entre indicadores antropométricos e nível de atividade física de policiais militares do Batalhão de Missões Especiais do Espírito Santo, durante o qual avaliou e associou indicadores ocupacionais, antropométricos e comportamentais de 63 PMs do BME que têm entre oito e 13 anos de atividade profissional.
“Avaliamos a percepção geral sobre indicadores de saúde e ocupacional, como hábitos de fumo, ingestão de bebida alcoólica, presença de doença crônica, uso de medicamentos, classificação de saúde, horas de sono e tempo semanal de atividade física”, explica o pesquisador. O estudo verificou que 3,12% dos policiais militares avaliados são fumantes; 67,19% consomem álcool; 54,69% consideram que possuem hábitos alimentares saudáveis; 23,13% indicaram possuir uma ou mais doenças; e 64,06% militares têm entre seis e sete horas de sono por dia. De acordo com Oliveira, o sono é considerado adequado quando dura entre sete e oito horas. Menos que isso, entra na classificação de inadequado.
Sobrepeso
O tempo médio de atividade física dos militares avaliados foi de 400 minutos semanais e 31,24% deles foram classificados como muito ativos, 45,31% como ativos e 21,88% como irregularmente ativos. Com relação à classificação geral dos parâmetros antropométricos, 59,38% dos entrevistados foram classificados com sobrepeso; 18,75%, eutróficos (pessoas saudáveis); 51,56% apresentaram porcentagem de gordura moderadamente alta; e 7,81%, classificação adequada para circunferência de cintura.
O estudo concluiu que a maioria dos militares do Batalhão de Choque lotados no BME da PMES apresentaram boa percepção geral de indicadores de saúde, com alta prevalência de atividade física, mesmo com sobrepeso, e moderada distribuição de gordura corporal. “Contudo, militares que indicam sono reduzido apresentam maior índice de massa corporal [IMC], circunferência da cintura, massa gorda e porcentagem de gordura”, ressalta Oliveira. Diante dos resultados, ele sugere que haja melhor avaliação institucional, com maior cuidado no levantamento dos dados do quadro dos PMs, melhora das políticas públicas e criação de locais adequados à alimentação dos policiais.
Disparo
Os estudantes de graduação do curso de Educação Física e capitães da PMES Valter Rodrigues e Rômulo Torres estão buscando respostas para o questionamento Níveis mais altos de atividade física interferem na qualidade de disparos de arma de fogo, no estado de percepção de estresse, estado de humor e na sua força de preensão manual? Os pesquisadores avaliaram a influência do nível de atividade física na qualidade de disparos de arma de fogo, na presença de sintomas de estresse, no estado de humor e na força de preensão manual (força que uma pessoa tem nas mãos ao apertar algo). A pesquisa foi realizada com 24 alunos oficiais do terceiro ano da PMES, dos quais três são mulheres (12,5%) e 21, homens (87,5%).
O estudo avaliou se o nível de atividade física (baixo, alto ou muito alto) traria algum impacto na qualidade do disparo com arma de fogo, no estado de humor e na percepção de estresse. Dentre as perguntas iniciais, estavam: um policial mais ativo fisicamente atira melhor que um policial menos ativo? Tem um humor melhor? É menos estressado?
Influência
O nível de atividade física foi aferido por meio da aplicação de questionários. Assim, 18 voluntários foram classificados como ativos (75%) e seis como muito ativos (25%). Para avaliar o nível de estresse, foi utilizado um inventário de sintomas, e o estado de humor foi medido por meio de uma escala. A força de preensão manual foi medida utilizando-se de um equipamento chamado handgrip (foto 4).
A pesquisa não encontrou correlações positivas significativas entre os parâmetros avaliados e os indicadores de performance do disparo. Com isso, concluiu-se que, na população avaliada, os níveis de atividade física não influenciaram nos estados de percepção de estresse e de humor, na força de preensão manual e também na qualidade de disparo de arma de fogo. “Ou seja, para esta população, se exercitar mais do que o recomendado (acima de 150 minutos semanais) não trouxe benefícios significativos nesses aspectos”, conclui Rodrigues.
O Grupo de Estudo Fisiologia Translacional Aplicada à Saúde, Esporte e Rendimento Humano está vinculado ao Laboratório de Fisiologia e Bioquímica Experimental (Lafibe/Ufes), coordenado pelo professor do Departamento de Desportos André Leopoldo. As pesquisas do Grupo têm apoio da Comissão Permanente de Atenção à Saúde dos Profissionais de Segurança Pública, Defesa Social e Justiça do Espírito Santo (Copas), coordenada pelo pesquisador da Ufes Pedro Ferro.
Texto: Adriana Damasceno