De acordo com a universidade, entre as dificuldades esstá a que afeta o uso de serviços digitais de segurança
Após seis meses em atividade, os pesquisadores responsáveis pelo aplicativo Fordan/Ufes para denúncias das violências contra mulheres comprovaram, cientificamente, as observações feitas pela equipe do programa de extensão e pesquisa Fordan: cultura no enfrentamento às violências ao longo de quase 20 anos de ação nas comunidades de Vitória: lideranças femininas precisam ter formação em tecnologia da informação (TI) para serem capazes de ensinar outras mulheres vítimas de violência a acessar ferramentas digitais de segurança pública.
Os resultados qualitativos alcançados pelo aplicativo demonstram que as mulheres acolhidas pelo programa, que são as maiores vítimas de violência e morte, tiveram dificuldade para registrar o boletim de ocorrência (B.O.) eletrônico, disponibilizado pela Polícia Civil, e realizar as solicitações de medida protetiva e pensão alimentícia de forma on-line, o que limita o acesso delas às políticas públicas oferecidas em formato digital, incluindo a utilização do aplicativo Fordan.
Dificuldades
Idealizadora do app Fordan/Ufes e coordenadora geral do programa, a professora Rosely Pires explica que o aplicativo foi desenvolvido durante os anos de 2022 e 2023 com a perspectiva de ser uma ferramenta funcional de pesquisa e intervenção para escutar e acolher vítimas de violências da grande São Pedro, auxiliando na produção de metodologias de intervenção e diálogo com a realidade. “O app Fordan não é um aplicativo para denúncia da violência doméstica, mas de todas as violências contra mulheres”, ressalta Pires. Segundo ela, é importante que se invista na formação e capacitação de lideranças femininas para atuarem no desenvolvimento de ferramentas digitais de políticas públicas capazes de salvar a vida de mulheres periféricas.
Ao acompanhar o uso do aplicativo pelas mulheres acolhidas e verificar como os dados chegam nas instituições de denúncia, a equipe do Fordan avaliou que as limitações estão ligadas, principalmente, à dificuldade no acesso digital, o que acarreta na exclusão das vítimas do sistema. “Existe uma dificuldade com o celular. Nós tivemos mulheres que começaram a produzir as solicitações e pararam porque o sistema da polícia é muito complicado para elas, é muita coisa para escrever e responder. Tem mulheres que não sabem ler o que está escrito ali”, ressalta Pires.
Modificações
Após a avaliação do projeto piloto e escuta das mulheres usuárias do aplicativo, um dos pontos que está sendo alterado é a forma como elas realizam solicitações de pensão e medida protetiva. A coordenadora do Núcleo de Comunicação do Fordan, Fernanda Couzemenco, considera bom o trabalho de atendimento remoto desenvolvido pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), mas, segundo ela, o aplicativo mostrou que há espaço para melhorias: “A mulher periférica e pouco letrada tem necessidades específicas. As políticas públicas precisam se adequar às mulheres mais vulneráveis. Se antes elas eram maltratadas nas delegacias, agora não conseguem nem acessar as ferramentas”.
De acordo com Couzemenco, a DPES já está implementando modificações para os problemas apontados pela equipe do Fordan. Em breve, em até 24 horas após a solicitação via app, um profissional da Defensoria fará contato com a mulher por telefone, esclarecerá possíveis dúvidas e finalizará o atendimento junto com a vítima.
Ela acredita ser este o caminho ideal: “Com a tendência a tornar tudo remoto, a mulher periférica e pouco letrada, caso não seja instrumentalizada, será ainda mais vulnerabilizada pelo estado. O Teleflagrante, por exemplo, retirou as delegacias especializadas presenciais das comunidades, o que revitimiza esta mulher. O aplicativo aponta a necessidade de mudar a política pública. O caminho é outro, é humanizar o atendimento e não tornar tudo on-line, desumanizado, afastando-as ainda mais das soluções que elas precisam e ameaçando a vida delas”.
Está em andamento, também, a vinculação do sistema virtual da DPES, chamado Luna, ao aplicativo Fordan, possibilitando que a mulher realize o cadastramento tanto por escrito quanto por áudio. Com relação ao B.O, por se tratar de mecanismo federal, é necessária articulação política para fomentar a criação de um projeto de lei que altere a maneira de gerar o documento, ação já iniciada pelo programa de extensão. “A mulher não precisa de B.O. para solicitar medida protetiva ou pensão alimentícia, por exemplo, mas o documento é importante para dar andamento a várias outras questões”, explica Couzemenco.
Expansão
Em breve, o app Fordan/Ufes vai se expandir para toda a capital e a ideia é que, ainda este ano, esteja disponível para todas as mulheres vítimas de violência do país. Segundo Pires, esta é uma reivindicação das várias entidades nacionais parceiras do programa de extensão e pesquisa, como bancada feminina de Brasília, mandatos de esquerda, Ministério da Igualdade Racial (MIR); União Nacional de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro); Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN); Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP); Univesidade Federal da Bahia (UFBA); e Universidade Federal Fluminense (UFF), além das diversas entidades e parcerias locais.
“Não era nosso objetivo fazer um aplicativo e transformar em política pública sem fazer os testes com o público que vai usar, sem analisar a efetividade dele na denúncia e na produção de dados. Entender como essas mulheres usam o celular e quais suas limitações foi crucial para entender, por exemplo, a necessidade de colocar áudio para transformar em texto dentro do aplicativo”, ressalta Pires.
O aplicativo Fordan/Ufes para denúncias das violências contra mulheres tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes).
Texto: Adriana Damasceno