Atendendo a interesses privados e contra o que deseja e quer os moradores, contribuintes e eleitores de Guarapari, o Governo do Estado aliado aquela municipalidade quer gastar R$ 150 milhões para duplicar a faixa de areia da Praia do Morro, de 40 para 80 metros. O estudo se encontra em análise no Departamento de Edificações e de Rodovias do Estado (DER-ES)
Faltando menos de seis meses para as eleições municipais deste ano e contra a vontade da população de Guarapari (ES), o Governo do Estado se uniu com o prefeito daquela cidade litorânea, Edson Figueiredo Magalhães (PSDB), para gastar R$ 150 milhões em recursos públicos para promover o “engordamento” da Praia do Morro, que tem quatro quilômetros de extensão. A obra, que é repudiada pelos moradores, pretende duplicar a faixa de areia dos atuais 40 metros para 80 metros.
No dia 2 de fevereiro deste ano o anúncio do “engordamento” da Praia do Morro foi feito pelo vice-governador e virtual candidato a governador em 2026, Ricardo Ferraço (MDB). Sem ouvir a população e eleitores de Guarapari, que são contra a obra, ele disse a quem interessa a duplicação da faixa de areia:
““Quero parabenizar a iniciativa do (Movimento Empresarial) ES em Ação e do movimento Guarapari em Ação (GEA) que ao reunir empresários e o poder público para discutir assuntos demonstra compromisso com a cidade. São grupos que pensam desenvolvimento, capazes de gerar empregos e trabalho, o que sem dúvida alguma é a melhor política social que existe”, pontuou.
Segundo a Receita Federal, o Movimento Empresarial ES em Ação, com o CNPJ 05.624.417/0001-49, não é uma entidade de interesse público de moradores, nem de eleitores ou de contribuintes de IPTU ou do ISS. A entidade, de acordo com a Receita Federal, está registrada como sendo de interesses privados e classificada como “Atividades de organizações associativas patronais e empresariais”, com o código 94.11-1-00. Ou seja, visa fazer lobby para obter ganhos com obras públicas.
Protestos
No mês passado, durante a realização da 13ª Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores de Guarapari a população compareceu para repudiar o “engordamento” da Praia do Morro. Diante da presença dos contribuintes e eleitores, em ano de eleição municipal, o9s vereadores optaram em mudar o foco daquela sessão e passaram a discutir a núncio de uma obra que não interessa á população.
Presidindo a sessão naquela ocasião, o vereador Wendel Lima, do mesmo partido do vice-governador que anunciou a obra, o MDB, expressou sua gratidão pela presença dos moradores e anunciou que a Comissão de Fiscalização e Obras Públicas do Legislativo municipal vai investigar mais detalhadamente o projeto. Além disso, Lima afirmou que buscará agendar uma audiência com o governador Renato Casagrande (PSB) para esclarecer as dúvidas dos cidadãos sobre a obra.
Moradores repudiam o ‘engordamento’ em audiência pública na Ales
Com cartazes e camisetas com dizeres: “Engordamento, não!”, moradores apresentaram argumentos contra o projeto conjunto do Governo do Estado e da Prefeitura de Guarapari para ampliação em até 80 metros da faixa de areia da Praia do Morro. A manifestação ocorreu durante audiência pública realizada pela Comissão de Proteção ao Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (Ales), na Escola Estadual Doutor Silva Mello, no bairro Itapebussu.
O debate aconteceu no auditório da escola e envolveu moradores, vereadores, ambientalistas, representante do Ministério Público Estadual e da prefeitura, além dos deputados estaduais Fabrício Gandini (PSD), presidente do colegiado, e Ademir Jose Gomes Pereira, o Zé Preto (PL), requerente da audiência e morador de Guarapari.
Fim de mandato
A iniciativa de engordar a orla de uma das praias mais visitadas pelos turistas no Estado foi proposta pela prefeitura, cujo prefeito Edson Figueiredo Magalhães, que foi eleito em 2020 pelo PSDB e se encontra no seu segundo mandato corrido, sem chance de disputar as eleições municipais deste ano. O projeto de “engordamento” está em análise no Departamento Estadual de Edificações e Rodovias (DER). O investimento, caso ele se concretize, é de cerca de R$ 150 milhões.
Uma das reclamações dos moradores que compareceram à audiência é a falta de comunicação sobre os desdobramentos e as fases do projeto. Houve alegação de que a prefeitura não atendeu aos pedidos de vista do documento e que não teria dado acesso para que a comunidade conhecesse o seu conteúdo.
A primeira explicação oficial foi dada pelo engenheiro responsável pelo projeto, José Carlos Guimarães, contratado pela gestão municipal. Ele contou que a empresa dele venceu a licitação para apresentar o projeto e que recebeu R$ 230 mil pelo trabalho. O engenheiro explicou que recomendou, após estudos técnicos e laboratoriais, uma intervenção na orla por conta de processos erosivos, segundo ele causado por diversos fatores como: ocupação desordenada, elevação do nível do mar, dentre outros.
Argumentos rebatidos
Assim, alegou em sua justificativa que a faixa de areia seria aumentada em até 80 metros para melhorar as condições de trânsito de banhistas e a prática de atividades físicas, além de impedir o avanço da maré para o calçadão. Porém, os argumentos dele foram rebatidos pelo geólogo Carlos Marchiori, especialista em análise de risco geológico, que estudou o caso voluntariamente e apresentou um laudo em que sustenta que o “engordamento” só se justifica quando há uma situação de perigo ou de dano iminente, o que, segundo ele, não é o caso da Praia do Morro.
Apresentando fotos da faixa de areia no ano de 2012 e comparando com imagens atuais, ele sustentou que houve, inclusive, um alargamento natural da faixa de areia e que a praia está em equilíbrio.
“Em Meaípe havia necessidade, mas na Praia do Morro não há essa erosão avançada (…) que precise de medidas técnicas. O engordamento pode trazer inúmeras consequências ambientais, pois as praias são os ambientes mais vulneráveis do planeta (…) e quando o homem ousa mexer nesse ambiente, que está em constante busca de equilíbrio, em 90% dos casos as intervenções não são eficazes”, defendeu.
Associação de Moradores diz “não ao engordamento”
A advogada Zaira Carvalho, que é membro da Associação de Moradores da Praia do Morro, foi uma das que disseram “não” ao engordamento. “O maior medo é que o mar fique profundo e que essa obra mate as nossas fauna e flora marinhas. E outra coisa, a nossa cidade tem outras prioridades”, apontou.
Maria de Fátima Fonseca, presidente da Associação de Moradores da Praia do Morro, também teme uma degradação ambiental. “Nós vamos perder toda aquela beleza, aquele contorno maravilhoso da praia, que é o maior atrativo turístico do Estado. E isso vai atrapalhar bastante a vida do turista, do morador, das crianças, dos idosos, das pessoas praticantes de esportes”, criticou.
“Pegar Uber na areia para chegar a praia”, diz representante dos moradores
E insistiu: “Hoje, a Praia do Morro tem cerca de 40 metros da extensão da areia. A previsão é que, com esse engordamento, ela ganhe mais 70 metros. Imagina 110 metros de areia totalmente mexida, que não é confortável para se pisar.” Segundo ela, a Praia do Morro tem uma grande população de aposentados.“Com essa distância de praia, sol forte, como é que as pessoas vão se locomover? Em nossas conversas, muitas pessoas falaram que vão ter de pegar um Uber para chegar até o mar”, ironizou.
Lilia Nogueira, moradora da Praia do Morro, fez eco aos discursos. “A população não quer, o turista não quer e vamos lutar até que a nossa vitória seja garantida”, declarou. A vereadora de Guarapari Rosana Pinheiro (Cidadania) afirmou que há outras prioridades para o município.
Só após a população se manifestar, DER-ES diz que vai ouvir moradores
Diante das manifestações, Jeferson Garcia Lima, diretor de Obras de Infraestrutura Logística no DER, fez questão de frisar que o assunto será debatido com a comunidade.
“O Estado não vai fazer obra nenhuma que desça de ‘goela abaixo’ dos moradores. Foi determinação do governador Renato Casagrande (PSB) de, antes de haver qualquer investimento, ouvirmos a população. E isso vai ser feito”, explicou. Gandini destacou que a ata da audiência vai servir de documento para que o governo possa balizar a opinião da população, antes de deliberar sobre o investimento.
“Foi um grande avanço, e a comunidade pôde conhecer o projeto, principalmente porque existia dúvida se ele existia de fato (…). A Associação trouxe um geólogo que faz afirmações importantes, que precisam ser analisadas pelo setor competente estadual. A gente vai levar uma comissão daqui, dessa reunião, para conversar com o DER e verificar qual a disponibilidade do Estado de entender que não é de interesse da comunidade esse empreendimento aqui na Praia do Morro” finalizou.