O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) e as demais instituições que atuam no Caso do Desastre do Rio Doce, ajuizaram na sexta-feira (21/06), perante a 4ª Vara Federal de Belo Horizonte, uma Ação Civil Pública (ACP) em face da Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP Billiton para obter a responsabilização delas pelos danos causados às mulheres atingidas pelo procedimento de reparação de danos decorrentes do rompimento da barragem da Samarco em Mariana/MG, em 5 de novembro de 2015.
As instituições que também ajuizaram a ACP são: a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES); o Ministério Público Federal (MPF); o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG); a Defensoria Pública da União (DPU); e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG).O MPES acompanha o caso por meio do Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce (GTRD), coordenado pela Promotora de Justiça Elaine Costa de Lima.
Entre os pedidos apresentados à Justiça, está o pagamento, por parte das pessoas jurídicas processadas, de indenização mínima de R$ 135.552,00 para cada mulher atingida, pelos danos materiais causados pela violação sistemática aos direitos humanos; e de, pelo menos, R$ 36 mil pelos danos morais sofridos. Foi requerido também o pagamento de indenização de, pelo menos, R$ 3,6 bilhões pelos danos morais coletivos gerados, além de pagamento de indenização pelos danos sociais causados.
A ação demonstra, por meio de relatórios e documentos, que as mulheres foram invisibilizadas e, portanto, prejudicadas por uma série de violações de direitos empreendidos pelas empresas e executado pela Fundação Renova, durante o cadastramento e o processo de reparação de danos. A ACP segue a linha do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero formulado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujas diretrizes se tornaram obrigatórias desde 14 de março de 2023.
Um relatório sobre a situação das mulheres atingidas pelo desastre do rio Doce no Espírito Santo, elaborado pela Defensoria Pública e juntado à ação, denuncia a falta de integração entre as iniciativas de reparação e a rede de políticas públicas de atendimento à mulher, a inexistência de mesas de diálogo composta integralmente por mulheres e a exclusão da matriz de danos de atividades laborativas típicas de mulheres.
Além disso, dados fornecidos pela Fundação Renova demonstram que, mesmo tendo um cadastro integrado, realizado por ela mesma, com quantitativo semelhante entre homens e mulheres, há reduzida participação da mulher já na oitiva para levantamento de dados primários. “Apenas 39% das pessoas entrevistadas eram do gênero feminino e apenas 34% de mulheres foram elencadas como responsáveis economicamente pela casa”, cita a ACP.
As instituições que assinam a ação destacam a importância do cadastro, lembrando que ele representa a porta de entrada da Fundação Renova para os outros 41 programas de reparação ambiental e socioeconômica. “Assim, a ausência de participação das mulheres na coleta de dados na base da reparação trouxe efeitos danosos de caráter excludente e invisibilizador da realidade das mulheres antes e depois do desastre”, observam.
Família patriarcal
A utilização, pela Fundação Renova, do conceito de família patriarcal como única espécie de família foi apontada como a base da violação de direitos. Conforme a ação, isso gerou, para as mulheres, entre outros problemas, dificuldade de acesso aos seus dados pessoais inseridos na plataforma gerida pela fundação e também para requerer a correção dos incorretos, condicionando o ato à autorização de seus maridos. “Ao assim proceder, a Fundação Renova e as mantenedoras revisitam o arcaico Código Civil de 1916, considerando, na prática, as mulheres incapazes de exercerem os atos da vida civil sem a supervisão do homem”, assinala a ação.
O aumento da sobrecarga doméstica, ligado a conflitos familiares e à saúde mental dos atingidos, também é mencionado na ACP, a partir de um relatório elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com dados da Ouvidoria da Fundação Renova. Parte dos relatos foi considerada muito graves e retrata, inclusive, tentativas ou intenções de suicídio. “Para se ter uma ideia, dos 154 casos com relatos sobre questões de saúde mental, 71,4% também informam problemas de sobrecarga doméstica, muitos deles, inclusive, associando o desenvolvimento de determinada doença mental — a depressão, na maioria dos casos — às dificuldades associadas aos cuidados e afazeres domésticos”, aponta o documento.
A ACP afirma que o processo de reparação do desastre do rio Doce vem, até agora, não apenas reproduzindo violências de gênero, mas também reforçando-as e aprofundando-as no território. Reivindica, em razão disso, que o Poder Judiciário corrija o caminho tomado até o momento.
“Os erros cometidos durante o processo de compensação e reparação ao longo desses quase 9 anos, dentre os quais se destaca a carência de ações afirmativas com recortes de gênero, devem ser reconhecidos, revertidos e combatidos, para que o curso mude de rumo e haja redução efetiva dos danos coletivos e sociais, que são ainda maiores dentro de grupos já vulnerabilizados por questões históricas e culturais”.
Ainda, a ação destaca a necessidade de se ter um olhar atento às interseccionalidades, especialmente em relação às mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais, como as quilombolas.
Pedido liminar
As instituições que assinam a ACP pedem que as empresas e a Fundação Renova promovam, emergencialmente, a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres cadastradas ou com solicitações de cadastro pendentes, a partir de requerimentos individualizados já apresentados e a serem apresentados pelas mulheres atingidas. O objetivo é possibilitar a inclusão ou retificação de toda informação que seja necessária para fundamentar a sua elegibilidade e permitir o seu acesso direto ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), ao Programa de Indenização Mediada (PIM) e ao Sistema Indenizatório Simplificado (Novel).
Entre os pedidos de caráter liminar, estão ainda: que as empresas apresentem em juízo todas as manifestações formalizadas na Ouvidoria da Fundação Renova e promovam a atualização, revisão e correção do cadastro de todas as mulheres atingidas; que permitam a todas as mulheres cadastradas na Fase 01, prioritariamente, o acesso imediato ao AFE, PIM e Novel, de modo que a sanear as informações pendentes para o correto enquadramento na categoria pleiteada pela mulher; que realizem o pagamento integral, inclusive retroativo e atualizado, de todas as verbas devidas e não recebidas pelas mulheres atingidas.
Serviço:
1) Faça o download da Ação Civil Pública clicando neste link ou,
2) Leia a íntegra da ACP a seguir, em arquivo PDF:
ACP-MPES