A data lembra a aprovação, em 3 de julho de 1951, da primeira Lei contra o racismo no Brasil, motivada pela repercussão internacional negativa da recusa de um hotel paulista em hospedar a bailarina americana Katherine Dunham, por ela ser negra
É celebrado nesta quarta-feira (3), o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. A celebração decorre da aprovação pelo Congresso Nacional da Lei de Nº 1.390/51, aprovada no dia 3 de julho de 1961. Essa foi a primeira lei contra o racismo no país, tornando a discriminação racial uma contravenção penal. A legislação ficou conhecida como Lei Afonso Arinos, já que o autor foi o então deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco, da extinta União Democrática Nacional (UDN)
O que motivou a apresentação do projeto foi um caso de racismo envolvendo a bailarina afro-americana Katherine Dunham. De acordo com relatos na imprensa daquela ocasião, a dançarina tentou se hospedar em um hotel em São Paulo, mas foi impedida pela cor de sua pele. No Brasil o racismo era tido como “normal’ nessa época, mas o episódio teve grande repercussão negativa fora do País, mostrando o quanto o racismo era elevado nas terras brasileiras.
Bailarina foi quem fez a denúncia durante apresentação de espetáculo
A dançarina e coreógrafa americana Katherine Dunham fazia turnê pelo Brasil em 1950. Na noite de 11 de julho daquele ano, uma terça-feira, em sua estreia no Theatro Municipal de São Paulo, ela aproveitou o intervalo entre o primeiro e o segundo ato para fazer uma denúncia aos repórteres que cobriam o espetáculo. Revoltada, a artista relatou que, dias antes, o gerente do Esplanada, o luxuoso hotel vizinho do teatro, recusara-se a hospedá-la ao descobrir que era uma “mulher de cor”.
Além de especializada em danças de origem africana, Dunham era antropóloga e ativista social nos Estados Unidos. A denúncia de racismo caiu no país como uma bomba. Primeiro, por ter partido de uma estrela de renome internacional. Depois, porque o Brasil se julgava o mais perfeito exemplar de democracia racial mesmo sendo um dos últimos países a abolir a escravidão, tendo feito isso somente em 1888. O Correio Paulistano classificou o episódio de “revoltante incidente”. O Jornal de Notícias, de “odioso procedimento de discriminação”.
Primeira lei não trazia punições severas ao racismo
Mas, a lei de Arinos foi uma espécie de marketing político, já que não trazia uma punição severa, como prisão, mas apenas uma multa. Com isso a legislação de Arinos foi tendo alterações ao longo dos anos, como:
- Em dezembro de 1985, a Lei Nº 7.437, apelidada de Lei Caó – referindo-se ao deputado Carlos Alberto Caó de Oliveira, advogado, jornalista e militante do movimento negro autor da nova redação – incluiu entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, cor, sexo ou estado civil;
- Em janeiro de 1989, a Lei Nº 7.716 determinou a pena de reclusão a quem tenha cometido atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, regulamentando o trecho da Constituição que torna inafiançável e imprescritível o crime de racismo
- Em janeiro de 2023, a Lei Nº 14.523 equiparou a injúria racial ao crime de racismo
Atualmente a lei garante pena de reclusão para racismo
Atualmente, a legislação em vigor prevê penas de reclusão de um a cinco anos e multa para os condenados por práticas racistas. Além disso, ela estabelece que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, ou seja, não pode ser objeto de fiança nem perde a validade com o passar do tempo.
Já o próximo 18 de julho é comemorado como sendo o Dia Internacional de Nelson Mandela, data que leva a um chamado à paz, à luta por direitos humanos e contra as desigualdades sociais. A data também celebra os 106 anos do nascimento do líder africano. Mandela, quando foi presidente da África do Sul, esteve no Espírito Santo a convite do primeiro governador negro do Estado, Albuíno Cunha de Azeredo, ficando três dias, entre 4 e 6 de agosto de 1991, tendo ido ao Estádio da Desportiva, em Jardim América, Cariacica (ES), onde foi recepcionado pela população.
Mandela foi o primeiro presidente negro da África do Sul, e teve papel determinante no fim do sistema de segregação racial conhecido como “apartheid”. A data foi escolhida em 2009 pelas Nações Unidas para celebrar a proteção dos direitos humanos e a igualdade étnica. Quatro anos depois, em 2013, Mandela morreu aos 95 anos.
Conheça a primeira lei de combate ao racismo no Brasil:
(Observação: A reprodução respeita a ortografia da época, como o uso abusivo de acento circunflexo, como côr, emprêsa, têrmos, fôrças, etc.)
LEI No 1.390, DE 3 DE JULHO DE 1951.
Inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de côr.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art 1º Constitui contravenção penal, punida nos têrmos desta Lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de côr.
Parágrafo único. Será considerado agente da contravenção o diretor, gerente ou responsável pelo estabelecimento.
Art 2º Recusar alguém hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou estabelecimento da mesma finalidade, por preconceito de raça ou de côr. Pena: prisão simples de três meses a um ano e multa de Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros).
Art 3º Recusar a venda de mercadorias e em lojas de qualquer gênero, ou atender clientes em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes, abertos ao público, onde se sirvam alimentos, bebidas, refrigerantes e guloseimas, por preconceito de raça ou de côr. Pena: prisão simples de quinze dias a três meses ou multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).
Art 4º Recusar entrada em estabelecimento público, de diversões ou esporte, bem como em salões de barbearias ou cabeleireiros por preconceito de raça ou de côr. Pena: prisão simples de quinze dias três meses ou multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros).
Art 5º Recusar inscrição de aluno em estabelecimentos de ensino de qualquer curso ou grau, por preconceito de raça ou de côr. Pena: prisão simples de três meses a um ano ou multa de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$5.000,00 (cinco mil cruzeiros).
Parágrafo único. Se se tratar de estabelecimento oficial de ensino, a pena será a perda do cargo para o agente, desde que apurada em inquérito regular.
Art 6º Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo do funcionalismo público ou ao serviço em qualquer ramo das fôrças armadas, por preconceito de raça ou de côr. Pena: perda do cargo, depois de apurada a responsabilidade em inquérito regular, para o funcionário dirigente de repartição de que dependa a inscrição no concurso de habilitação dos candidatos.
Art 7º Negar emprêgo ou trabalho a alguém em autarquia, sociedade de economia mista, emprêsa concessionária de serviço público ou emprêsa privada, por preconceito de raça ou de côr. Pena: prisão simples de três meses a um ano e multa de Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros), no caso de emprêsa privada; perda do cargo para o responsável pela recusa, no caso de autarquia, sociedade de economia mista e emprêsa concessionária de serviço público.
Art 8º Nos casos de reincidência, havidos em estabelecimentos particulares, poderá o juiz determinar a pena adicional de suspensão do funcionamento por prazo não superior a três meses.
Art 9º Esta Lei entrará em vigor quinze dias após a sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 3 de julho de 1951; 130º da Independência e 63º da República.
GETÚLIO VARGAS