O transporte público através de lanchas, operadas pela Ceturb foi inaugurado em 20 de setembro de 2023 sem oferecer acessibilidade aos deficientes físicos. A Ceturb, que gerencia as lanchas, não tem previsão de quando cumprirá o que exige a Constituição Federal e Leis Federais 10.048/2000 e 10.098/2000. Segundo a Defensoria Estadual, “a Ceturb não ofereceu esclarecimentos que solucionasse o problema”
Walter Conde, matéria especial para o Grafitti News
Apesar de a legislação em vigor que obriga todo e qualquer transporte público, quer seja terrestre, aéreo ou marítimo ter acessibilidade para deficientes físicos, a Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espirito Santo (Ceturb), responsável pela operacionalidade das lanchas do aquaviário de Vitória (ES) insiste em ignorar o que determina a lei. Diante desse posicionamento, a Defensoria Pública do Espírito Santo (Depes) acionou na Justiça a Ceturb, para que cumpra a lei.
“É uma discriminação”, afirma o presidente do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência (Condef), Marcos Antônio do Espírito Santo: Ao ser procurada, a Ceturb emitiu uma nota, que ampliou ainda mais a ira dos deficientes que querem utilizar o transporte público por lancha, alegando que ao invés do aquaviário, o cadeirante pode usar o serviço Mão na Roda, realizado através de micro-ônibus.
Operadora sugere o ônibus Mão na Roda, ao invés das lanchas
“Vale reforçar que todos os ônibus do Transcol têm acessibilidade, dotados de elevadores para o transporte de cadeirantes, e há ainda o serviço Mão na Roda, as principais alternativas de mobilidade que atendem os usuários em toda a região Metropolitana”, afirma trecho da nota enviada pela Ceturb. “E uma coisa O serviço Mão na Roda é o serviço social, que são obrigadas a fazer. Agora uma nova condução, é uma nova condução, carrega pessoas”, diz Marcos Antônio.
“Nós também temos o direito de andar de avião e na barca”, reclama presidente do Conselho Estadual da Pessoa com Deficiência no áudio acima
“O que é a intenção nossa é que eles sejam sensíveis. Sejam maleáveis. Eles estão totalmente errados. Nós temos o Mão na Roda, temos. Temos o Porta a Porta, em Vitória, temos. Temos o elevador do ônibus, temos. Mas a nós não podemos só andar de Mão na Roda. Nós também temos o direito de andar de avião, andar na barca. É um trabalho que é público, se fosse uma coisa particular. Até nós poderíamos dizer que eles estavam com razão. Mas, não é particular, é público”, reforçou.
A Ceturb não sabe informar quando vai reparar o seu erro. Na sua nota diz: “A Ceturb-ES informa que já está realizando um estudo para a instalação de rampas de acesso seguras para cadeirantes, nas estações do aquaviário, na Prainha e em Porto de Santana. Em Vitória, a estação da Praça do Papa sofre muita influência de ventos, com muitas ondas, o que interfere no flutuante e na embarcação, em movimentos divergentes e desencontrados, criando uma condição insegura para o embarque e desembarque dos cadeirantes.”
A íntegra da nota da Ceturb:
“A Ceturb-ES informa que já está realizando um estudo para a instalação de rampas de acesso seguras para cadeirantes, nas estações do aquaviário, na Prainha e em Porto de Santana. Em Vitória, a estação da Praça do Papa sofre muita influência de ventos, com muitas ondas, o que interfere no flutuante e na embarcação, em movimentos divergentes e desencontrados, criando uma condição insegura para o embarque e desembarque dos cadeirantes. Outras estações estão sendo planejadas em Vitória, em áreas abrigadas de ventos e ondas, que permitirão, quando em operação, o embarque seguro dos cadeirantes. Vale reforçar que todos os ônibus do Transcol têm acessibilidade, dotados de elevadores para o transporte de cadeirantes, e há ainda o serviço Mão na Roda, as principais alternativas de mobilidade que atendem os usuários em toda a região Metropolitana.”
O que diz a Defensoria Pública Estadual
A Depes respondeu, através da sua Assessoria de Imprensa, ao seguinte questionário:
1) É possível fornecer o número da Ação Civil Pública, para chegar no portal do TJES?
R.:ACP segue em anexo.
2) Qual a resposta que a Ceturb deu?
R.: A Ceturb não ofereceu esclarecimentos que solucionasse o problema.
3) Como a DPES tomou conhecimento dessa falha no sistema aquaviário? Foram denúncias ou constatação dos defensores?
R.: Constatação dos Defensores
4) Na prática, qual é o prejuízo que essa “proibição” de deficientes físicos em utilizar o sistema aquaviário traz para quem usa uma cadeira de rodas?
R::A inclusão das pessoas com deficiência é um direito constitucional e o fato de meio de transporte público não oferecer acessibilidade fere esse direito.
5) Isso provoca um sentimento de exclusão social?
R.:Certamente.
6) A Depes chegou a enviar algum ofício ao Crea-ES sugerindo que esse colegiado oriente aos seus filiados a pensar nas pessoas que tem deficiência física, ao fazer um projeto de uma obra pública ou até mesmo privada?
R.: O Crea-ES não foi envolvido no processo
Na Ação Civil Pública (ACP) com Pedido de Liminar ajuizada pela Depes no início de julho na Vara de Fazenda Pública Estadual de Vitória (ES) a Ceturb foi transformada em ré, logo na inicial é informado aquele Juízo que a responsável das respostas dadas pela operação das lanchas. Em resposta ao Ofício/CDH/DPES Nº 047.2023, a ré, ao contrário do sentimento de exclusão dos deficientes, em utilizar as lanchas, disse que “Segundo informações levantadas pela Gerência de Atendimento ao Usuário – GEAUS, não há naquela setorial registros de reclamações acerca da falta de acessibilidade nas instalações e veículos do Aquaviário.”
A ré Ceturb ainda disse em resposta ao Oficio da Depes que “os embarques em todas as estações são realizados em absoluta obediência àquelas prioridades previstas em Lei, conforme manifestou a área operacional da Companhia, contudo, o acesso dos cadeirantes ainda não está autorizado por questões de segurança levando-se em consideração a oscilação da maré e ausência de estabilidade.”
Entre os pedidos da ACP, a Defensoria Pública Estadual pede a condenação da Ceturb na obrigação de reparar os danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 2.000.000,00; multa correspondente a R$ 10 mil por dia de descumprimento de cada ordem judicial desobedecida; assegurar em até 120 dias, a acessibilidade e segurança a cadeirantes no Sistema de Transporte Aquaviário, em especial no Terminal localizado na Praça do Papa, em Vitória.
Ainda foi pleiteado no Judiciário que, alternativamente, a ré Ceturb “promova a alteração do local de embarque e desembarque do Terminal localizado na Praça do Papa-Vitória para um lugar acessível e seguro para todas as pessoas, inclusive os cadeirantes, caso tal medida baste para assegurar acessibilidade e segurança para cadeirantes no aquaviário.”
Ainda foi solicitado ao juiz titular da Vara de Fazenda Pública Estadual de Vitória (ES) que em caso de condenação da Ceturb, a operadora do sistema aquaviário pague os honorários em favor da Depes. A ACP da Defensoria Pública Estadual foi assinada pelos defensores Hugo Fernandes Matias, Adriana Peres Marques dos Santos, Camila Dória Ferreira, Adriana Peres Marques dos Santos; Rafael Vianna Mury, Tiago Luiz Bianco Pires Dias, Rafael Portella, Marina Dalcomo e Lucas Maddalena.
Onde está o erro no projeto
Os projetos de engenharia, além do edital e do contrato para a execução de todo o sistema aquaviário estão disponíveis publicamente no portal da Secretaria de Estado de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi) e podem ser acessados clicando neste link. Diante da planta do trapiche dos únicos três terminais de atracação das lanchas (Enseada do Suá, Prainha e Vila Velha) foi procurado o engenheiro que assinou a planta, Daniel Pereira Chaves.
Em Florianópolis (SC) fica a sede da empresa Infras Engenharia Ltda (na época da elaboração do projeto, a empresa tinha o nome de Atlântico Sul Consultoria) de engenharia e quem falou no lugar dele foi seu sócio, o engenheiro André Marques, que também acompanhou a execução do projeto. Inicialmente foi questionado porque não foi observado o não cumprimento da norma da Associação Brasileira de Normas Técnica (ABNT) NBR 15450 2006, que regula a acessibilidade de passageiros no sistema de transporte aquaviário.
A norma objetiva atender ao Decreto 5.296:2004, que regulamenta as Leis Federais 10.048/2000 e 10.098/2000, com o intuito de “proporcionar aos passageiros, independentemente de idade, estatura e condição física ou sensorial, a utilização de maneira autônoma e segura do ambiente, mobiliário, equipamentos e elementos do sistema de transporte aquaviário.”
Responsabilidade da falta de acesso é do operador da lancha
O engenheiro André Marques disse que o cadeirante consegue ter acesso até ao píer. “Agora do píer para a embarcação, aí isso daí é responsabilidade. Porque, a gente não foi contratada na época para fazer a embarcação em s. Então isso é uma responsabilidade da embarcação, da empresa que está operando as embarcações, de fazer uma rampa de acesso para o cadeirante.”
Engenheiro André Marques, sócio da Infras Engenharia Ltda, da sede da empresa, em Florianópolis (SC), afirmou no áudio acima que a responsabilidade da falta de acessibilidade no aquaviário de Vitória (ES) é do operador das lanchas
“Porque até o nosso escopo, que era para fazer a edificação da entrada, a rampa de acesso do píer, isso tem o acesso para cadeirante. Esse tem, agora, dali para a embarcação, isso é de responsabilidade da embarcação. Da empresa que fechou o contrato para fazer esse transporte. O projeto, em si, foi considerado sim para cadeirante. Tanto que a inclinação, dentro da norma, tudo isso foi pensado”, prosseguiu o engenheiro da empresa que fez o projeto.
“Com isso que ele é mais longo, entendeu? Tem um comprimento mínimo em função da inclinação e em uma necessária para a cadeirante. Mas só que o cadeirante chega até o píer, que é o nosso escopo. Daí em diante é de responsabilidade da operadora”, conclui o engenheiro André Marques.
O que diz o Crea-ES
A ausência de acessibilidade em um projeto de engenharia teve uma avaliação do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES). Em nota, a entidade fez a seguinte afirmação:
“O Conselho vê com extrema preocupação quando projetos, sejam públicos ou privados, deixam de incluir as normas de acessibilidade para deficientes físicos. Essa falha compromete a inclusão social e a qualidade de vida das pessoas com deficiência, sendo inaceitável sob a perspectiva ética e profissional. Temos como prática orientar os profissionais e empresas registrados para que os requisitos de acessibilidade sejam cumpridos nos projetos, promovendo uma sociedade mais justa e igualitária.
Para orientar nossos registrados, o Crea-ES, em consonância com o Sistema Confea/Crea e Mútua, além de reforçar a existência de deliberações legais sobre acessibilidade, realiza campanhas e disponibiliza materiais de capacitação. Entre esses materiais, destacamos o Manual Prático de Acessibilidade e a Cartilha de Acessibilidade, que são amplamente divulgados e podem ser acessados nos links abaixo:
Manual Prático de Acessibilidade (Disponível em: https://www.confea.org.br/manual-pratico-de-acessibilidade-0
Cartilha de Acessibilidade (Disponível em: https://www.confea.org.br/cartilha-acessibilidade-0)
Além disso, oferecemos acesso gratuito às Normas Técnicas de Acessibilidade e garantimos que os documentos de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) emitidos pelos profissionais declarem a aplicabilidade das regras de acessibilidade conforme as normas técnicas da ABNT e a legislação específica, incluindo o Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regularmente, realizamos palestras em faculdades e universidades abordando temas de acessibilidade e mobilidade.
A exclusão social dos Pessoas com Deficiências (PCD) em projetos de engenharia é vista com extrema preocupação por nós. Acreditamos que a engenharia deve ser um instrumento de inclusão e desenvolvimento social, e projetos que não consideram a acessibilidade são incompatíveis com essa visão.
Informamos que procederemos com uma vistoria técnica e fiscal na próxima semana para levantamento dos dados e informações, com posterior envio ao Governo do Estado.”
Ceturb quis transferir a sua culpa para a Marinha
Em 20 de setembro de 2023 em entrevista ao G1 ES/TV Gazeta, o diretor da Ceturb jogou a responsabilidade de não ter providenciado o acesso de cadeirantes às lanchas do aquaviário à Marinha do Brasil.
Barbosa disse naquela ocasião que o projeto do aquaviário tinha sido “pensado para ser totalmente acessível”, mas alegou que uma orientação da Marinha do Brasil, provocou a suspenção da operação com cadeirantes. “Nós fomos orientados a suspender esse serviço, não esperávamos que isso fosse acontecer.”
O 1º Distrito Naval da Marinha do Brasil foi procurado e substanciado com a Ação Civil da Defensoria Pública Estadual, que transformou a Ceturb em ré e com as seguintes documentações em PDF: Edital e na minuta de contrato do Governo do Espírito Santo, através da Semobi, onde ao usar a lupa do PDF em nenhum momento aparece as palavras “mobilidade”, “cadeirante”, “deficiente físico”. E a Marinha foi questionada sobre a acusação do diretor da Ceturb. A resposta da Marinha veio através da seguinte nota oficial:
“A Marinha do Brasil, por intermédio do Comando do 1º Distrito Naval, informa que a Capitania dos Portos do Espírito Santo (CPES), como Agente da Autoridade Marítima, possui a competência de contribuir para a segurança da navegação e a salvaguarda da vida humana no mar.
Nesse sentido, esclarece que as embarcações que realizam o transporte de passageiros (denominado Aquaviário) entres os terminais de Vitória, Vila Velha e Cariacica foram inspecionadas e homologadas para início das operações, estando os respectivos condutores devidamente habilitados.
Importante mencionar que as embarcações em seu interior possuem as condições de acessibilidade, garantindo assim a segurança das pessoas com necessidades especiais ou mobilidade reduzida.”
A CPES vem orientando os demais órgãos competentes, os quais se comprometeram a cumprir as exigências técnicas e de engenharia no tocante as plataformas de embarque e desembarque, de modo a garantir o acesso das pessoas com necessidades especiais.“
Saiba o que diz a norma Associação Brasileira de Normas Técnica (ABNT) NBR 15450 2006, que regula a acessibilidade de passageiros no sistema de transporte aquaviário e tem detalhes de como fazer o acesso de um cadeirante a uma lancha de transporte aquaviário. Leia o documento na íntegra e em arquivo PDF:
NORMA-ABR-Acessibilidade-de-passageiros-no-sistema-de-transporte-aquaviario_edited_unlockedSaiba o teor da Lei 10.098/200, que estabelece normas gerais e critérios básicos para deficientes físicos atualizada, em arquivo PDF:
Lei-10.098-que-estabelece-normas-gerais-e-criterios-basicos-para-deficientes-fisicos-atualizada