O que aconteceu com a empresária em Vitória (ES) é corriqueiro em bairros de trabalhadores humildes do Espírito Santo, onde policiais invadem residências sem nenhum mandado judicial e tocam o terror. No entanto, cenas como essa jamais foram vistas nos bairros nobres, onde mora a elite econômica, como a Praia do Canto, Ilha do Boi ou Ilha do Frade
O arrombamento, invasão e ameaça com armas de alto calibre na residência de uma empresária em Vitória (ES), realizado por quatro policiais civis na madrugada da última sexta-feira (16), não vai ser mais um caso que ocorre comumente em bairros da periferia dos municípios capixabas e que fica por isso mesmo. Considerado como um crime, a ação estapafúrdia dos policiais virou duas peças jurídicas.
O advogado Siderson do E. S. Vitorino protocolou nesta última quarta-feira (21) uma Representação Criminal e um pedido de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD). O primeiro documento foi entregue ao titular da Delegacia de Polícia Civil de Santo Antônio, em Vitória, região que compreende onde o arrombamento e invasão ocorreu (Bairro Inhanguetá). O segundo foi entregue ao titular da Corregedoria Geral da Polícia Civil do Espírito Santo.
“A ação criminosa”, segundo relato do advogado, foi entre iniciada às 4h50 da madrugada da última sexta-feira e prosseguiu até 5h50. No meio da madrugada, a empresária “foi acordada com batidas insistentes na porta de sua casa”. “Para ter acesso à porta da casa da noticiante, primeiro os policiais retiraram do trilho um portão de garagem, quebraram um cadeado de outro portão, colocaram uma escada que utilizaram para subir até a varanda da casa da requerente que fica no andar superior do terreno”, narrou Siderson Vitonino.
“Ato contínuo, os referidos policiais civis, entraram pela porta da cozinha da requerente que estava destrancada. Seguindo para o seu quarto onde dormia dizendo as seguintes, mas não exclusivas, palavras de ordem: Abre a porta!, Polícia!, É a polícia!, Abre essa porta!, A casa está cercada. Tudo isso, na porta do quarto onde estava dormindo a requerente, e tais palavras eram ditas em forma de bravatas, por meio de gritos capazes de apavorar a qualquer que experimente tal situação”, prosseguiu.
Após arrombar e invadir, empresária vê policiais dentro de casa
Segundo o advogado, atordoada e sem entender o que estava acontecendo, a vítima resolveu abrir a porta, tremendo de medo, quando se deparou com uma equipe de policiais formada por dois homens e uma mulher, todos com roupas camufladas e portando armas de grosso calibre. “Espantada, a requerente não esboçou qualquer reação. Fragilizada por estar ainda sobre o efeito do sono e vestindo roupas íntimas para dormir, se viu violada tanto na sua casa quanto na sua intimidade”, contou.
E respondendo às perguntas dos policiais, informou o advogado, ela alegou que morava sozinha neste mesmo endereço há mais de 30 anos. Foi quando a equipe de policiais civis se deu conta de que estavam na casa errada. Alegaram que foram cumprir um mandado de prisão. Mas nem a requerente e nem a sua casa eram os alvos do mandado. “No momento da saída dos três policiais, estes colocaram novamente o portão da garagem no trilho. Momento acompanhado pela requerente que se deparou com outros dois policiais masculinos que estavam na sua garagem”, prosseguiu.
Penas para crimes desse tipo
Siderson Vitorino cita nos documentos protocolados junto aos órgãos policiais quais são as punições para condutas criminosas como as foram descritas:
Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade
- Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
- Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
- Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa
Além do crime de abuso de autoridade, por se tratar de policiais civis no exercício de suas funções, o advogado ainda cita o crime de dano ao patrimônio:
Código penal
Dano
- Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
- Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa
Dano qualificado
- Parágrafo único – Se o crime é cometido:
- I – com violência à pessoa ou grave ameaça;
- Associação Criminosa, descrita no § único do Artigo 288 do CP. In liters:
Associação Criminosa
- Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
- Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
- Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Código Penal.
DO CONCURSO DE PESSOAS
- Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade
- Concurso material
- Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela
Provas
O advogado ainda complementou na sua peça jurídica sobre as provas. “A ação se deu de forma tão repentina, que foi impossível para a requerente juntar provas do alegado.No entanto, vestígios papiloscópicos ficaram no portão da requerente, bem como, nas maçanetas das portas e ainda nos vidros dos quartos.
“Ainda, as marcas das botas deixadas pela escalada feita pelos policiais servem de elemento de comparação. Por derradeiro, em diligências informais, chegou ao conhecimento do causídico signatário do presente, que no mesmo dia, horário e bairro, a polícia civil estava produzindo uma operação chamada “Bujeria” buscando alvos durante a madrugada para cumprimento de mandados de prisão”, complementou.
O que foi perguntado à Polícia Civil e o que foi respondido por nota:
Foi perguntado o que a Policia Civil já fez ´para punir essa ação criminosa, se os policiais envolvidos na invasão domiciliar serão expulsos da corporação, com demissão suimária, se a Policia Civil já procurou a vítima para ressarcir dos prejuízos materiais e danos morais e se esse tipo de ação mostra que há erro na academia de formação de policiais. A resposta foi a seguinte:
“A Polícia Civil informa que na sexta-feira (16) foi deflagrada a operação “Brujeria”, que deu cumprimento a diversos mandados de busca e apreensão e de prisão nos municípios de Cariacica, Serra, Vila Velha, Vitória e Viana. Durante a ação no bairro Inhanguetá, em Vitória, policiais civis chegaram a uma residência que constava nos mandados, mas, imediatamente, ao perceberem que não se tratava do alvo pretendido, se retiraram do local. Ao todo, na operação, quatro pessoas foram presas e 16 mandados de busca e apreensão cumpridos. Também durante a operação, três armas de fogo foram apreendidas.”