Inovação foi proposta por egresso do curso de design da Escola de Arquitetura e aprimorada em conjunto com profissionais do Hospital das Clínicas
No Brasil, mais de 40 mil pessoas aguardam por um órgão para transplante, segundo o Ministério da Saúde. A maioria (quase 90%) espera por um rim. O foco das preocupações recai quase sempre sobre a disponibilidade de órgãos, ou seja, sobre os doadores, mas outro fator, menos notado, impacta – e muito – o trabalho das equipes médicas mundo afora: o transporte dos órgãos.
De acordo com a Organização Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), a logística inadequada responde por 5% a 10% das doações não concretizadas. Os transplantes, procedimentos complexos, envolvem a substituição de órgãos doentes por saudáveis, e o trajeto que eles percorrem entre o doador e o receptor exerce papel crítico nesse processo.
Segundo a ABTO, a Anvisa define regulamentos para o transporte de órgãos, de modo a garantir sua integridade e evitar contaminação. A escolha da via de transporte e embalagem apropriadas é crucial, já que, como ressalta a organização, problemas logísticos podem levar à perda de órgãos doados. “Ainda hoje, os órgãos são transportados de forma quase artesanal, em coolers à venda em supermercados, onde eles são colocados junto com gelo.
Em alguns locais, não há nem termômetros para monitorar essa temperatura, o que gera o risco, entre outros, de o órgão congelar”, explica o professor Marcelo Sanches, da Faculdade de Medicina da UFMG, coordenador do Instituto Alfa Gastro do Hospital das Clínicas, responsável pelos transplantes de fígado da Unidade.
Solução promissora
Uma solução promissora para o problema foi gestada na Escola de Arquitetura da UFMG: no fim do ano passado, o designer Wallace Terra apresentou um novo design para transporte de órgãos. “Durante toda a graduação, pensava em como aplicar meus conhecimentos na logística de transporte, e quando deparei com o transplante de órgãos vi que havia ali muitos problemas a ser enfrentados”, destaca o pesquisador. O projeto acabou virando tema de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), sob a orientação da professora Laura Cota.
A ideia foi recebida com entusiasmo pelos profissionais do Hospital das Clínicas, que, durante um ano, trabalharam com o estudante para desenvolver a tecnologia. “Temos hoje uma excelente alternativa para enfrentar o problema do transporte de órgãos no Brasil”, afiança Sanches. O pedido de patente, intitulado Dispositivo para acondicionamento, preservação e transporte de órgãos para transplante, foi depositado pela UFMG, em julho deste ano, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
A tecnologia
Segundo os pesquisadores, o dispositivo, feito à base de polipropileno (um termoplástico), visa oferecer facilidade, estabilidade e segurança, com o intuito de reduzir o estresse da equipe médica responsável pelo transporte e o estresse do próprio órgão. “Criamos uma alça adaptada, que serve tanto para a movimentação horizontal quanto para a vertical, quando se carrega a caixa para o porta-malas e depois para subir escadas”, explica Terra.
Para a parte interna do dispositivo, foi criada uma espécie de bolsa de silicone com filamentos inspirados, segundo os inventores, nas estrelas do mar. Assim, o órgão fica suspenso em meio à solução aquosa e não sofre impactos no interior da caixa, como ocorre com os dispositivos existentes. Essa redução de impacto pode diminuir o estresse do órgão, aumentando suas chances de aceitação para transplantes.
Para redigir o pedido de patente, analistas do Núcleo de Inovação da UFMG, vinculados à Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), fizeram buscas por tecnologias ao redor do mundo que se propunham a resolver o mesmo problema. “Não encontramos tecnologias similares a essa, que não tem alto nível de complexidade, o que facilita sua produção por parte de empresas do ramo, e apresenta elementos novos e interessantes para ser incorporados ao transporte de órgãos no Brasil”, destaca o redator de patentes Nathan Giovanni.
O Núcleo de Inovação da Universidade procura agora empresas parceiras para a fabricação dos dispositivos. A intenção é usá-los em projeto-piloto do Hospital das Clínicas para o transporte de órgãos que serão transplantados.
Texto: Janaína Coelho/CTIT/UGMG