Na avaliação do MPC-ES, a renúncia fiscal de R$ 55milhões concedida à Samarco, além de questionável do ponto de vista jurídico e financeiro, ignora o passivo ambiental existente. E aponta a destruição com poluentes da Samarco na Lagoa de Mãe-Bá, a segunda maior do Espírito Santo, que recebe rejeitos da mineradora
A isenção tributária de R$ 55 milhões concedidas pelo atual prefeito de Anchieta (ES), Fabrício Petri (PSB) à mineradora Samarco, empresa de propriedade da Vale e BHP Billiton que foi responsável pelo crime ambiental de Mariana (MG) em 5 de novembro de 2015, poderá ser desfeita pela Justiça. “Ação do MPC-ES questiona acordo milionário de isenção fiscal entre a Prefeitura de Anchieta e a Samarco, que prevê renúncia de receita pública de R$ 55 milhões sem contrapartida privada”, diz em nota o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES).
O questionamento do MPC-ES vem da constatação de que “há mais de três décadas, segunda maior lagoa do Estado (Lagoa de Mãe-Bá) sofre graves implicações ambientais com a operação da mineradora. Imagens de satélite revelam a dimensão do dano ambiental”, afirma na mesma nota o órgão. Foi diante da destruição ambiental que a Samarco vem provocando e da benesse milionária concedida pelo atual prefeito de Anchieta, que o MPC-ES “deu entrada em recurso contra decisão do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES)”. O TCE-ES ignorou a falta de contrapartida.
Detalhes do acordo
Segundo o MPC-ES, “esse acordo de transação tributária, cuja legalidade se discute no Processo 784/2020, teve como objetivo extinguir as ações judiciais de execução fiscal ajuizadas pelo município em razão de duas décadas de inadimplência fiscal do IPTU pela mineradora Samarco.
A transação redefiniu os limites das áreas de incidência e de isenção do IPTU em favor da empresa inadimplente, ao reduzir a área tributável de 350 hectares para 133 hectares e, com isso, diminuiu a base de cálculo do imposto.
SEGUNDO consta no recurso, a criação irregular de Áreas de Preservação Permanente (APP) administrativa pela Prefeitura de Anchieta no imóvel da Samarco Mineração S.A. – incluindo a parte represada da Lagoa de Mãe-Bá (Barragem Norte), de 36 hectares (360 mil m2), que serve de depósito de rejeitos da mineração da usina de pelotização Ponta Ubu – motivou a celebração de transação tributária, a qual, por sua vez, foi utilizada como fundamento para a extinção das execuções fiscais ajuizadas pelo município de Anchieta contra a empresa.
Prefeito retirou áreas protegidas, para beneficiar a Samarco, diz MPC-ES
Assim, com a revisão das áreas protegidas por lei, novos trechos da empresa mineradora passaram a não serem mais atingidos pela tributação de IPTU. Trecho do Parecer do MPC-ES no Processo 784/2020 faz a seguinte observação:
- “(…) revela-se patente o desvio de finalidade do ato administrativo do Chefe do Poder Executivo municipal, Sr. Fabrício Petri, consubstanciado pelo Decreto Municipal 5.896/2019, na medida em que se destinou precipuamente à concessão de benefício fiscal indevido à Samarco Mineração S.A. (interesse privado) e não à proteção do meio ambiente (interesse público), que já se encontrava protegido em razão da existência de Área de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal (RL) situada em região com vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica.”
“O aspecto ambiental se encontra, portanto, no cerne da questão levada ao Tribunal de Contas, por ter servido de fundamento para a redefinição da área tributável, gerando efeitos jurídicos todos os anos por ocasião da ocorrência do fato gerador do IPTU”, prossegue o MPC-ES.
Conforme o recurso, o acordo administrativo celebrado entre o município e a mineradora “está permeado de irregularidades que afetam diretamente a sustentabilidade da Lagoa de Mãe-Bá, uma área de proteção ambiental degradada pelas atividades da Samarco”, afirma o órgão de fiscalização dos atos públicos.
Para o MPC-ES, o histórico da poluição causada à Lagoa de Mãe-Bá pela Samarco torna ilegítima a concessão de qualquer benefício fiscal que premie a poluidora por suposta proteção ambiental na área do seu empreendimento, tendo em vista a natureza indivisível da área de proteção ambiental a ser salvaguardada.
“Grave erro de gestão pública”, afirma o MPC-ES
O MPC-ES reforça que a transação tributária, homologada sem uma avaliação adequada dos impactos ambientais e financeiros, é um grave erro de gestão pública. A isenção retroativa de impostos, concedida à empresa responsável por um dos maiores passivos ambientais do Estado – atualmente em regime de recuperação judicial –, é um claro exemplo de como o poder público tem falhado na proteção do meio ambiente e dos interesses da sociedade.
Na avaliação do MPC-ES, o benefício fiscal concedido à Samarco, além de questionável do ponto de vista jurídico e financeiro, ignora o passivo ambiental existente. Diante disso, espera que o Tribunal de Contas reverta a decisão, suspendendo imediatamente os efeitos da transação, pois considera inadmissível que uma empresa responsável por tamanha destruição ambiental continue a ser beneficiada, enquanto a sociedade arca com as consequências ecológicas e financeiras.
Órgão de fiscalização cobra “rigorosa fiscalização” do Iema
O órgão ministerial acredita que a ausência de uma análise ambiental criteriosa por parte dos órgãos competentes coloca em risco o equilíbrio ecológico da região. Argumenta ainda, no recurso, que além de possível dano ao erário, o acordo também pode comprometer os esforços de recuperação ambiental da Lagoa de Mãe-Bá, já extremamente degradada pela atividade mineradora.
Por isso, defende a necessidade de uma fiscalização rigorosa do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) a suspensão imediata da eficácia da transação, a fim de evitar maiores prejuízos à sociedade e ao meio ambiente. Atualmente, as entidades ambientais do Espírito Santo vêm questionando o comando dos órgãos ambientais, como a própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente, que foi entregue ao presidente estadual do partido político União Brasil, Felipe Rigoni, que não tem conhecimento do que é o segmento ambiental.
Quem é o atual prefeito de Anchieta
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fabrício Petri, é do Partido Socialista Brasileiro (PSB), o mesmo do governador Renato Casagrande (PSB), é servidor público municipal concursado e é formado em Direito, com especialização em Direito Processual Público. Petri está em seu segundo mandato consecutivo e por isso não concorreu às eleições municipais deste ano.
Ele foi eleito pela primeira vez em 2016 pelo então partido PMDB, atual MDB. Em 2020 foi reeleito pelo PSB com a coligação “Anchieta seguindo em frente”, composta por 10 partidos (PSL/PSB/PSDB /PSD/ Republicanos/MDB /PTB/PSC/Cidadania/PMN. O TSE informa que atualmente ele tem 46 anos, é caso e em 2020 teve receita de doações no valor de R$ 213.135,58. Teve em 2020 como maiores pessoas físicas doadoras o empresário do ramo de hoteleria José Olympio Alochio (R$ 24 mil), o sócio da Construtora Santo Anchieta Ltda, Aldemar Goncalves Perdigão (R$ 10 mil) e o sócio do escritório Alochio Advogados Associados, Clei Fernandes de Almeida (R$ 10 mil).