O vídeo foi lançado nas redes sociais da Marinha do Brasil neste último domingo (1º) e, além de questionar existência de privilégios dos militares, o filme de 1’15’’ ainda mostra sua tropa é quem trabalha de verdade e que a sociedade civil vive no ócio, apenas fazendo lazer
O Comando da Marinha no governo do ex-presidente Bolsonaro, segundo o Relatório N° 4546344/2024 da Policia Federal (PF) e divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), “foi o único dentre os três a aderir ao plano que objetivava a abolição do Estado Democrático de Direito.” Apesar de ter a credibilidade abalada com esse documento, agora o atual comandante da Marinha do Brasil, almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen, permitiu a divulgação de um vídeo polêmico, que está sendo visto como um confronto ao pacote fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que cortou privilégios dos militares.
Entre os privilégios dos militares, incluindo os da Marinha, está a pensão vitalícia para filhas solteiras da casta militar, que mesmo tendo sido abolida em 2001, ainda continua trazendo prejuízos para a sociedade brasileira. Isso porque os militares que entraram nas forças armadas até 2000 ainda tem o direito de garantir esse privilégio quando morrer. Apenas em 2020, o Governo Federal gastou R$ 19,3 bilhões com pensões de dependentes de militares, onde a maioria é para as filhas com idade adulta e onde muitas deixam de trabalhar para viver desse pensão.
Q quantidade de filhas de militares sustentadas pelos impostos pagos pela sociedade brasileira alcança 60% do total das pensões a integrantes da Marinha, Aeronáutica ou do Exército, segundo os números divulgados pela Controladoria-Geral da União (CGU). Governo. De um total de 226 mil pensões pagas pelas Forças Armadas, 137.916, são filhas para as filhas de militares que já mortos morreram, segundo dados inéditos divulgados pela CGU.
“Só a Marinha trabalha. O resto é um bando de come-dorme”
O professor de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Leonardo Moretti Sakamoto, analisou o confronto que a Marinha criou em seu vídeo, entre confrontar cenas de seus militares em atividades árduas com a sociedade civil em lazer. Na sua coluna no portal UOL fez a sua análise sobre o vídeo com o título “Marinha sugere que só ela trabalha e resto do Brasil é bando de come-dorme.”
Neste último domingo (1ª) a Marinha do Brasil usou as suas redes sociais oficiais para questionar os chamados privilégios das Forças Armadas, que foram citados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad em seu recente pronunciamento em rede nacional de televisão.
A peça publicitária é apresentada como sendo parte dos festejos pela passagem do Dia do Marinheiro, que é celebrado no dia 13 de dezembro. Em um minuto e 15 segundos o vídeo faz comparações questionáveis, onde mostra militares da Marinha em suas atividades normais, com a inclusão de recortes que mostram a sociedade civil em seus momentos de lazer. No vídeo não é mostrado os trabalhadores civis em seus árduos trabalhos em troca de um dos piores salários mínimos do mundo (R$ 1.412,00), mas apenas o lazer da sociedade civil com maior remuneração;.
O intuito do vídeo é mostrar que quem trabalha duro são os integrantes da Marinha. Já a sociedade civil é apresentada nessas intercalações com as seguintes cenas de membros das escalas inferiores da Marinha em árduas atividades. Os recortes intercalados mostram civis sem trabalhar:
- um surfista pegando onda;
- pessoas em uma boate;
- uma festa de aniversário infantil;
- passageiros arrastando mala em aeroporto;
- banhistas em uma praia;
- uma moça pegando Sol na praia;
- um grupo de pessoas fazendo um brinde;
- oito cidadãos fazendo ioga em um parque;
- uma mulher nadando em uma piscina;
- jogando videogame;
- praticando parapente;
- grupo de pessoas fazendo corrida;
- torcedores em estádio de futebol.
- E no final, uma mulher com farda da Marinha diz: “Privilégio? Vem para a Marinha.”
Comentários ácidos no YouTube
O vídeo da Marinha do Brasil no YouTube serviu para receber centenas de críticas, como essas: “A galera viajando, curtindo praias são viúvas e filhas de militares?”; “Gostei da ideia de mostrar em vídeo o ócio criativo das famílias dos militares, mas ficou feio.”. “A Marinha do Brasil deveria se lembrar que eles só vestem roupas pq tem uma costureira, e que os jeeps só andam pq existem metalúrgicos, e que esse metalúrgico e essa costureira trabalham até os 65 em uma escala 6×1 para se aposentar com 1400 reais. Então menos insinuações fajutas e mais trabalho, por favor.”
As críticas prosseguem: “Parabéns, uma instituição de função técnica utilizando dinheiro público para fins políticos.”; “Resumo: Civis Brasileiros = Novela da Globo. Militares brasileiros = Filme Norte-americano.”; Faltou filmar os clubes militares em meio de semana cheio de tiozão na faixa dos 40 curtindo a piscininha.”; “Acho que durante a formação eles também têm aulas de cinismo.”; “Tradução do vídeo:1. Militares do alto escalão = nas praias, nas festas e com altos privilégios que precisam ser cortados. 2. Militares praças = trabalhando bastante.”
“É um absurdo a Marinha gastar o nosso dinheiro para criar e postar um vídeo assim, dizendo claramente que só eles trabalham. Fui da Marinha e o que vi foi exatamente o contrário. Saí porque vi que ninguém ali trabalha. Quando viajei no Navio Soares Dutra, transporte de tropas, ficava me perguntando: “pra que serve isso tudo aqui?” Realmente não faz sentido tantos privilégios enquanto quem os sustenta sofre. Se eles vieram com esse papo de que estão protegendo a Nação, qualquer trabalhador honesto pode dizer a mesma coisa.”; Com esse vídeo aprendi que por mais que eu trabalhe todos os dias, pague meus impostos e ainda pague esses militares do vídeo, não é suficiente. Desculpa Marinha! Vou me esforçar mais…”; “Exclui o vídeo que ainda dá tempo.”
O que diz o relatório da PF sobre o Comando da Marinha no Governo Bolsonaro
Seguindo o Relatório N° 4546344/2024 da Polícia Federa, que apurou as responsabilidades criminais de um grupo que agiu com o intuito de derrubar o regime democrático e implantas uma ditadura no Brasil, e que teve seu sigilo quebrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Comando da Marinha foi o único das Forças Armadas que topou participar. E entre os que vão responder judicialmente está o almirante-de-esquadra Almir Garnier Santos, que foi o Comandante da Marinha no Governo Bolsonaro.
“O arcabouço probatório obtido ao longo da investigação demonstra de forma inequívoca que o almirante Almir Garnier anuiu com o Golpe de Estado, colocando as tropas à disposição do então presidente da República Jair Bolsonaro”, afirma o Relatório da PF nas suas páginas 811 e 812, no item específico sobre o então comandante da Marinha.
“Conforme detalhadamente descrito no presente relatório, Jair Bolsonaro convocou, no dia 07 de dezembro de 2022, os comandantes das Forças Militares e o ministro da Defesa no Palácio da Alvorada para apresentar a minuta de decreto presidencial e pressionar as Forças Armadas a aderirem ao plano que objetivava a abolição do Estado Democrático de Direito. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a aderir a qualquer plano que impedisse a posse do governo legitimamente eleito. Já o comandante da Marinha, almirante Garnier, colocou-se à disposição para cumprimento das ordens”, prossegue o documento divulgado pelo STF.
“Da mesma forma, na reunião do dia 14 de dezembro de 2022 no Ministério da Defesa, em que o ministro Paulo Sérgio apresentou novamente o Decreto golpista, o almirante Almir Garnier foi o único comandante a não se opor aos atos que levariam à abolição do Estado Democrático de Direito. Os elementos de prova obtidos, tais como mensagens de texto e depoimentos dos então comandantes da Aeronáutica e do Exército prestados à Polícia Federal, evidenciam que o então comandante da Marinha do Brasil, almirante Almir Garnier, foi o único dentre os três a aderir ao plano que objetivava a abolição do Estado Democrático de Direito”, ´prossegue o documento.
“Organização criminosa”, diz a PF
“Outrossim, a adesão de Almir Garnier, conforme as trocas de mensagens entre investigados e adeptos do golpe de Estado, descritas ao longo do relatório, serviu para Organização Criminosa pressionar ainda mais o Alto Comando do Exército a aderir ao plano que objetivava a abolição do Estado Democrático de Direito.”, diz a PF
“Em razão disso, conforme amplamente detalhado e demonstrado nos autos, o General Braga Netto determinou e orientou militares que promovessem e difundissem ataques pessoais ao General Freire Gomes e ao Tenente-Brigadeiro Baptista Junior, inclusive, aos familiares destes, em razão de serem “traidores da pátria”. Por outro lado, com relação ao almirante Almir Garnier a orientação era de difundir elogios. Há registros de então comandante da Marinha ser reconhecido como ‘patriota’”, concluiu.