Os pesquisadores do órgão da UFRJ analisaram 76,3 mil vídeos no YouTube, empresa do Google, que ainda remunera os autores dos discursos de ódio
Com o Congresso Nacional se opondo a colocar regras na internet, em busca de dinheiro farto pessoas mal-intencionadas, que se auto intitulam “influenciadores digitais”, usam os canais online para colocar suas opiniões de repulsa, ódio ou aversão às mulheres, a misoginia, com o intuito de transformar opiniões e comportamentos a favor de suas ideias. A observação é de pesquisadores do Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, o NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Os chamados “influenciadores digitais” são responsáveis por uma gama de conteúdos em diferentes plataformas, como YouTube, Twitter, Facebook, Instagram e TikTok. Como não há legislação punindo as big techs por permitirem discursos de ódios, os tais “influenciadores” atuam em diversas áreas, chamando atenção por usarem a língua do público-alvo de temas específicos, como moda, games, educação, maternidade, finanças e ativismo. Mas, há os que usam para praticar a misoginia.
Monetização do YouTube para os discursos misóginos
O relatório desenvolvido no âmbito do Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, em parceria entre o NetLab UFRJ e o Ministério das Mulheres, investiga a presença de discursos misóginos no YouTube. O estudo mapeou estratégias de monetização desses conteúdos, analisando como canais misóginos geram lucro por meio de anúncios, membros de canais e outros recursos.
A pesquisa utilizou ferramentas avançadas de inteligência artificial para analisar 76.289 vídeos e identificar as comunidades e padrões da “machosfera” brasileira. Também examina as formas de monetização e sua relação com o conteúdo misógino e discriminatório.
Com o objetivo de embasar políticas públicas contra a misoginia digital, o relatório destaca contribuições metodológicas, incluindo o desenvolvimento de modelos e protocolos para mapear conteúdos misóginos. Essas ferramentas podem ser adaptadas e replicadas em investigações futuras.
Principais resultados
A busca por expressões e canais problemáticos no YouTube levou a 76,3 mil vídeos, que compuseram o corpus de análise geral da pesquisa. Os conteúdos coletados são provenientes de 7,8 mil canais brasileiros e foram analisados a partir de técnicas computacionais. Com o uso de Inteligência Artificial e Aprendizado de Máquina, o corpus foi refinado, resultando em 601 canais, selecionados para análise qualitativa.
A análise qualitativa confirmou a existência de conteúdos misóginos em pelo menos 137 canais do YouTube. Os vídeos expressam aversão, desprezo, controle e ódio às mulheres, com comentários direcionados a grupos específicos, tratados de forma generalizada, como “as feministas”, “as mães solteiras” e “as mulheres mais velhas”. Com isso, perpetuam comportamentos hostis, fortalecendo um cenário discriminatório contra mulheres no YouTube.
Nos últimos anos, houve um crescimento expressivo da “machosfera” e do volume de conteúdos potencialmente misóginos no YouTube.Isso é particularmente evidente a partir de 2022, quando ocorre um aumento significativo de vídeos com narrativas masculinistas. Predominam conteúdos que disseminam teorias conspiratórias prejudiciais à igualdade de gênero e comportamentos nocivos às mulheres disfarçados de estratégias de valorização dos homens
Desprezo às mulheres
“Desprezo às mulheres e estímulo à insurgência masculina” é o tema que predomina na machosfera, afirma o estudo. A maior parte dos vídeos analisados computacionalmente promove a crença de que há uma espécie de conspiração social pela dominação feminina. Os influenciadores defendem que é necessário resistir a essa dominação e se insurgir contra as mulheres, que são vistas por eles como manipuladoras e oportunistas.
Mais da metade dos canais com conteúdo misógino ataca “as feministas”. Foram identificados 89 canais que ofendem ou incitam a aversão a mulheres descritas como feministas ou ao feminismo. Além disso, os conteúdos questionam direitos das mulheres e da família, como a garantia à pensão alimentícia e a proteção da mulher vítima de violência pela Lei Maria da Penha. Influenciadores misóginos negam a existência do patriarcado e afirmam que o feminismo é um movimento social opressor que subjuga os homens e prejudica as próprias mulheres.
Encorajamento à violência psicológica contra as mulheres
Há canais com conteúdo misógino que encorajam violência psicológica ou moral contra mulheres. A ideia disseminada é de que as mulheres são inimigas, oportunistas ou “parasitas emocionais” dos homens, e isso serviria como justificativa para o uso de táticas de manipulação e abuso psicológico, como formas de “dominação” masculina.
Controle, subjugação e submissão das mulheres são as principais formas de expressão da misoginia. A pesquisa encontrou 89 canais que promovem a ideia de que as mulheres devem ocupar um papel secundário na relação com homens, devendo a eles servidão, seja na esfera do relacionamento ou da família. Desvios a essa conduta são entendidos como uma ameaça aos homens e ao bem-estar familiar e social.
Sede por dinheiro do Google/YouTube estimula monetizar esses vídeos
Segundo os dados da pesquisa, 80% dos canais misóginos contam com alguma estratégia de monetização. Recursos nativos do YouTube, como anúncios e doações em transmissões ao vivo, são as principais formas de monetização utilizadas em canais com conteúdos misóginos. Esses canais também recorrem a formas alternativas de geração de receita, como vendas de produtos e serviços, plataformas de financiamento coletivo e links de afiliados, chegando a cobrar R$1 mil por “consulta individual”.
Controle, subjugação e submissão das mulheres são as principais formas de expressão da misoginia. A pesquisa encontrou 89 canais que promovem a ideia de que as mulheres devem ocupar um papel secundário na relação com homens, devendo a eles servidão, seja na esfera do relacionamento ou da família. Desvios a essa conduta são entendidos como uma ameaça aos homens e ao bem-estar familiar e social.
Serviço:
Leia a íntegra da pesquisa “Aprenda a evitar ‘esse tipo’ de mulher”: Estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube. Relatório do Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas plataformas digitais, clicando neste link.