Em 2024, a riqueza total dos bilionários aumentou em US$ 2 trilhões, com a criação de 204 novos bilionários. Isso representa uma média de quase quatro novos bilionários por semana. O crescimento em 2024 foi três vezes mais rápido do que em 2023
O novo relatório da organização não governamental (ONG) internacional Oxfam , divulgado nesta última segunda-feira (20), mostra que a riqueza dos bilionários aumentou três vezes mais rápido em 2024 do que em 2023. “Agora, se espera que haja cinco trilionários em uma década. Enquanto isso, as crises econômicas, climáticas e de conflito mostram que o número de pessoas que vivem na pobreza praticamente não mudou desde 1990”, diz o documento em sua apresentação.
Coincidentemente o relatório, que mostra a voracidade do atual sistema capitalista em exigir cada vez mais dinheiro para os ricos, foi divulgado durante o início das solenidades de posse do novo presidente americano, Donald Trump, que reúne 14 bilionários. Os super ricos que vão comandar o novo governo dos Estados Unidos possuem, segundo dados divulgados pela imprensa internacional, cerca de US$ 452,8 bilhões de dólares (R$ 2,7 trilhões), que supera o produto interno bruto (PIB) de 154 países.
Apresentação
Na apresentação, o relatório da Oxfam traz um depoimento do então presidente Sukarno, da Indonésia, (1945-1967) feito durante a Conferência de Bandung, em 1955. Sukarno tornou-se um dos mais destacados porta-vozes do Terceiro Mundo. No texto que abre o documento, ele fala que o colonialismo não está morto, fazendo com que a sua fala seja atual. Leia a citação:
- “Muitas vezes nos dizem que ‘o colonialismo está morto’. Não vamos nos deixar enganar ou mesmo nos acalmar com isso. Eu te digo que o colonialismo ainda não está morto. Como podemos dizer que está morto, enquanto grandes áreas da Ásia e da África não estiverem livres? E peço que não pensem no colonialismo apenas na forma clássica que nós, da Indonésia, e nossos irmãos em diferentes partes da Ásia e da África, conhecemos. O colonialismo também tem sua roupagem moderna, na forma de controle econômico, controle intelectual, controle físico real por uma comunidade pequena, mas estranha, dentro de uma nação. É um inimigo habilidoso e determinado, e aparece sob muitas formas. Ele não desiste de seu saque facilmente. Onde, quando e como quer que apareça, o colonialismo é algo maligno e deve ser erradicado da Terra.”
No Brasil não é diferente
No Brasil, a lógica não é diferente. Segundo Viviana Santiago, diretora executiva da Oxfam Brasil, entrevistada pela Agência Brasil, disse que de uma maneira geral, somos levados a pensar a desigualdade no Brasil a partir da chave da pobreza, mas o que torna a realidade brasileira complexa é pensar o outro lado da moeda. “Ao mesmo tempo em que temos milhões de pessoas em situação de fome e insegurança alimentar, a imensa população de rua, ou quando pensamos as pessoas sem acesso à água e ao saneamento básico, temos o outro extremo, que são aquelas muito ricas, bilionárias. Durante a pandemia, enquanto vimos pessoas perdendo tudo e tendo de ir morar na rua, surgiram dez novos bilionários no país. Hoje, menos de 100 pessoas no país tem R$ 146 bilhões”, esclareceu.
“Ao mesmo tempo, temos pessoas que trabalham e não conseguem garantir o seu sustento enquanto, no mesmo momento, há pessoas que estão acumulando milhões de reais. Essas pessoas estão se apropriando de riquezas que deveriam ser melhor divididas e não o são pois temos um sistema fiscal que não taxa adequadamente essas riquezas e a transmissão por herança. Temos um país que favorece a evasão fiscal e elisão fiscal, enquanto o trabalhador não tem como evitar esses impostos e continua, com isso, inevitavelmente pobre, mesmo após toda a reforma feita sobre o consumo. A população pobre tem 70% de sua renda comprometida com o consumo, sobre o qual incidem impostos”, explicou Viviana Santiago.
Para ela, a correlação entre ganhos de poucos e miséria de muitos está atrelada, especialmente no Brasil, ao papel que as pessoas que se beneficiam dessa lógica exercem dentro das instituições que as mantém. É o que o estudo principal identifica como presença constante de vantagens, seja motivada por correlações oligárquicas ou subornos, que por sua vez estão entre as principais condições para as riquezas extremas.
Corrupção é uma das fontes de enriquecimento
Na página cinco do relatório, a Oxfam explica como essa riqueza dos homens mais ricos do mundo é multiplicado. “A maior parte da riqueza dos bilionários é tomada, não conquistada – 60% vem de herança, favoritismo e corrupção ou poder de monopólio. Nosso mundo extremamente desigual tem uma longa história de dominação colonial que beneficiou amplamente as pessoas mais ricas. Os mais pobres, as pessoas racializadas, as mulheres e os grupos marginalizados foram e continuam sendo sistematicamente explorados a um custo humano enorme. O mundo de hoje continua colonial em muitos aspectos.?”
E cita exemplos da desigualdade no mundo capitalista. “O cidadão belga tem 180 vezes mais poder de voto no Banco Mundial do que o cidadão etíope. Esse sistema continua a extrair riqueza do Sul Global para o 1% super-rico do Norte Global a uma taxa de US$ 30 milhões por hora. Isso precisa ser revertido. As reparações devem ser feitas àqueles que foram brutalmente escravizados e colonizados. Nosso sistema econômico colonial moderno deve se tornar radicalmente mais igualitário para acabar com a pobreza. O custo deve ser arcado pelas pessoas mais ricas, que são as que mais se beneficiam”, prossegue.
Mundo de duas classes
Na página 9, o relatório cita tópicos sob o título “Um mundo de duas classes: Os fatos”. Leia a seguir os tópicos citados pelo Relatório Oxfam:
- Em 2024, a riqueza total dos bilionários aumentou em US$ 2 trilhões, com a criação de 204 novos bilionários. Isso representa uma média de quase quatro novos bilionários por semana.
- A riqueza total dos bilionários cresceu três vezes mais rápido em 2024 do que em 2023.
- Cada bilionário teve sua fortuna aumentada em média US$ 2 milhões por dia. Para os 10 bilionários mais ricos, suas fortunas cresceram em média US$ 100 milhões por dia.
- No ano passado, a Oxfam previu um trilionário em uma década. Se as tendências atuais continuarem, haverá agora cinco trilionários em uma década.Enquanto isso, de acordo com o Banco Mundial, o número de pessoas que vivem na pobreza praticamente não mudou desde 1990.
- 60% provêm de herança, favoritismo e corrupção ou poder de monopólio.
- Em 2023, pela primeira vez, mais bilionários foram criados por herança do que por empreendedorismo.
- Em 2023, o 1% mais rico do Norte Global recebeu US$ 263 bilhões do Sul Global por meio do sistema financeiro – mais de US$ 30 milhões por hora.
- Dos US$ 64,82 trilhões extraídos da Índia pelo Reino Unido durante um século de colonialismo, US$ 33,8 trilhões foram para os 10% mais ricos; isso seria suficiente para cobrir Londres com notas de 50 libras quase quatro vezes.
Início do capitalismo
Já na página 13, o relatório cita o início do sistema capitalista. “O período do colonialismo histórico também foi um período de extrema desigualdade nas nações mais ricas. No Reino Unido, em 1900, o 1% mais rico tinha o dobro da renda da metade mais pobre da população.49 Em 1842, em Manchester, no Reino Unido, a idade média de morte dos trabalhadores era de 17 anos. Homens, mulheres e crianças trabalhavam até a morte para alimentar a rápida expansão industrial e aumentar a fortuna dos proprietários dessa nova economia.”
A Oxfam calcula que, entre 1765 e 1900, os 10% mais ricos do Reino Unido extraíram riquezas somente da Índia no valor de US$ 33,8 trilhões em dinheiro de hoje. “Isso seria suficiente para cobrir a superfície de Londres com notas de £50 quase quatro vezes.”
Futuro igualitário?
Na conclusão, a Oxfam diz que “um futuro mais igualitário é possível”. E traz os seus pontos de vista:
“Temos sinais evidentes de esperança. A União Africana e os membros da CARICOM criaram um fundo global de reparação e exigiram desculpas formais das nações europeias.Temos sinais evidentes de esperança. A União Africana e os membros da CARICOM criaram um fundo global de reparação e exigiram desculpas formais das nações europeias. Em 2024, sob a liderança dos países africanos, um Sul Global fortemente unido iniciou com sucesso as negociações para uma estrutura de convenção da ONU sobre cooperação tributária internacional que está confrontando o domínio de décadas do clube rico da OCDE na definição de padrões tributários internacionais e princípios de cooperação. Enquanto isso, sob a liderança do Sul Global, o G20 estabeleceu, pela primeira vez, um compromisso de considerar a cooperação global para tributar de forma mais efetiva as pessoas físicas com patrimônio líquido elevado para combater a desigualdade. A ação legal da África do Sul na Corte Internacional de Justiça mostra como as nações do Sul Global estão alavancando o direito internacional para enfrentar a violência, a injustiça e a impunidade e para proteger as comunidades marginalizadas.
Esses esforços significativos liderados pelo Sul podem ser vistos como um sinal de uma agenda econômica nova, mais inclusiva e progressiva que está rompendo com o neoliberalismo pós-colonial. Há um longo caminho a percorrer para alcançar tudo o que sonhamos, mas podemos encontrar esperança se buscarmos inspiração e motivação nos movimentos dos povos que lutam contra a desigualdade e resistem ao colonialismo. Um futuro em que os povos originários e as minorias vivam livres do legado devastador do colonialismo é possível. Os governos, sob pressão de seus povos, podem e devem agir agora para combater a desigualdade, reformular as regras globais, acabar com o racismo e reparar os crimes coloniais. As comunidades exploradas em todos os lugares têm o direito de prosperar em um planeta protegido, livre da influência colonial, passada e presente.
Somos solidários com todos aqueles que lutam por um mundo igualitário. Aqueles que lutam todos os dias por economias que se baseiam no cuidado e no bem[1]estar de todos, e não na ganância de poucos. Isso nos dá esperança de que o futuro será de fato igualitário.”
Leia a íntegra do relatório em arquivo PDF:
Relatrio_Oxfam_2025_As_Custas_de_Quem