A medida, permite personalizar o tratamento conforme as necessidades de cada paciente. A pesquisa da UFRGS é pioneira no uso da tecnologia que pode facilitar o acesso às medicações, aumentar a adesão dos pacientes e reduzir custos para o sistema de saúde
Uma tecnologia inovadora com potencial para revolucionar os tratamentos de saúde: assim pode ser descrita a impressão 3D de medicamentos, tema da tese de doutorado defendida pela pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCF- UFRGS) Juliana dos Santos. O trabalho foi reconhecido com o Prêmio Capes de Tese, uma das mais prestigiadas honrarias acadêmicas do Brasil, e publicado em sete revistas científicas internacionais.
Apesar de estar em estágio inicial em território brasileiro, a impressão 3D de medicamentos já é uma prática consolidada em diversos países da Europa. Sob a orientação de Ruy Beck, professor do PPGCF e um dos responsáveis por trazer essa tecnologia para cá, o estudo explora a técnica de modelagem por deposição de material fundido, um método de impressão 3D que possibilita a criação de medicamentos personalizados em formato e dosagem.
Para conduzir a pesquisa, Juliana contou com o suporte do Laboratório de Tecnologia Farmacêutica Avançada e Farmacometria (LATAF), vinculado à Faculdade de Farmácia da UFRGS, e realizou parte dos estudos na Alemanha, na Goethe University Frankfurt, durante seu doutorado sanduíche.
Benefícios econômicos e sociais
Três minutos e 90 centavos: esses são o tempo e o custo necessários para criar medicamentos personalizados com uma impressora 3D, enquanto a fabricação de uma medicação comum custa em torno de 5 reais. Segundo Juliana, é possível fabricar medicamentos em diversos formatos, desde ursos e corações para crianças até comprimidos de fácil ingestão para quem tem dificuldade de engolir as pílulas.
A impressão 3D também é útil para fabricar medicamentos com múltiplas camadas, chamados de poli-pills, que liberam substâncias em momentos diferentes, facilitando o tratamento para pacientes que tomam múltiplos remédios. Essa abordagem beneficia, por exemplo, idosos que tomam vários medicamentos diariamente, reunindo tudo em uma única pílula, ou crianças que podem receber comprimidos lúdicos e mais fáceis de engolir. “Hoje um mesmo medicamento é produzido para pessoas de diferentes faixas etárias e condições. Isso pode resultar em respostas inadequadas ao tratamento”, comenta a pesquisadora.
Estudos preliminares indicam que a abordagem pode ser utilizada em comunidades isoladas, promovendo a descentralização da produção farmacêutica e reduzindo custos logísticos. Há propostas de levar a tecnologia a regiões de difícil acesso, onde a distribuição convencional de medicamentos enfrenta obstáculos. “Existem algumas pesquisas nesse sentido de, por exemplo, ir até a região Amazônica, levar a impressora até lá e produzir os medicamentos. É uma forma ‘descentralizada de produção de medicamentos’, e com a impressão 3D com certeza você consegue descentralizar essa produção e torná-la mais acessível”, explica.
O futuro da impressão 3D de medicamentos no Brasil
Juliana vislumbra aplicações promissoras dessa tecnologia em hospitais, em que os medicamentos prescritos aos pacientes podem ser feitos sob medida e impressos na hora, assegurando maior precisão no tratamento. Vendo o potencial de expandir a ideia no mercado farmacêutico brasileiro, ela e os especialistas Júlia Leão, Nadine Funk, Diego de Andrade, Monique Deon e o orientador da tese, Ruy Beck, fundaram a Formula3D, uma startup dedicada a ajudar hospitais a implementarem a impressão 3D para produção de medicamentos personalizados e sob demanda. Atualmente, a empresa está pré-incubada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde recebe apoio para desenvolver aplicações clínicas da tecnologia.
Por ser uma inovação recente no país, foi necessário superar desafios regulatórios e técnicos para patentear a solução. No entanto, a Formula3D avança com parcerias e pesquisas clínicas, impulsionando a integração da novidade ao sistema de saúde brasileiro. “A gente tem essa visão de que isso precisa, sim, ser regulado porque a impressão 3D tem esse potencial para ser amplamente acessível a diferentes populações”, complementa.
A impressão 3D não tem como objetivo competir com a indústria farmacêutica tradicional, mas, sim, atender a demandas específicas. Seja em tratamentos pediátricos, geriátricos ou de alta complexidade, a tecnologia foi criada para que medicamentos customizados sejam realidade em hospitais e farmácias do país. O trabalho desenvolvido é um marco nesse caminho, mostrando como a ciência e o empreendedorismo podem transformar a saúde no Brasil.
“Existem possibilidades de produzir em larga escala, mas nesse momento a gente quer uma coisa personalizada. A ideia é levar a tecnologia para o mercado de forma acessível, iniciando em contextos hospitalares e futuramente em farmácias de manipulação. Então, revolucionar, sim, o mundo farmacêutico, mas não competir com a indústria farmacêutica”, explica Juliana.
Serviço:
A pesquisa completa está disponível no Lume – Repositório Digital da UFRGS.