As quatro empresas que compraram o direito à exploração comercial de sal-gema em Conceição da Barra (ES) ainda estão fazendo os estudos. Comunidades quilombolas ainda não foram ouvidas pelo Governo Federal, assim como a população desse município que teme desabamentos como ocorreu em Maceió (AL)
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“Atualmente não existe nenhum título autorizativo de lavra para exploração de sal-gema no município de Conceição da Barra (ES)”. A afirmação foi feita pelo ouvidor interino da Agência Nacional de Mineração (ANM), André Elias Marques ao Grafitti News, após questionamento sobre questionamento sobre circulação de geólogos dentro das comunidades quilombolas de Conceição da Barra (ES), sem consentimento e sem comunicação formal e nem explicação do que estão fazendo. No entanto, a expectativa na ANM é que os estudos comerciais sejam finalizados neste ano.
As jazidas de sal-gema no Norte do Espírito Santo e principalmente em Conceição da Barra, segundo a ANM, foi “estimada pela Petrobrás foi de 8,78 bilhões de toneladas” e está entre as maiores reservas da América Latina. No entanto, as mineradoras apostam que essa quantidade pode chegar a 20 bilhões de toneladas. O potencial aguçou as grandes mineradoras e dos políticos que fizeram lobby para apoiar seus interesses comerciais, já que a lucratividade é elevada. Com esse lobby o então Governo Bolsonaro realizou um leilão das jazidas do Norte capixaba em 23 de setembro de 2021.
As jazidas compradas por 4 empresas: 1) José Augusto Castelo Branco (sócio/dono da Sal-Gema do Brasil-SGB-Ltda, Reserva Mineral Ltda, Su’S Importacao e Exportacao Ltda. 2) Dana Importação e Exportação Ltda, que tem como sócios Maria Conceição do Carmo Pasti e Eudimar Pasti, 3) Unipar Carbocloro S/A; que tem como presidente Rodrigo Cannaval, 4) Pedras do Brasil Comércio Importação e Exportação Ltda, que tem como controlador Orion Participações e Serviços Ltda, que tem como sócioi-administrador Simone Checon.
Nos registros da ANM, a SG Brasil e a Sal-Gema do Brasil possuem autorização em duas áreas cada – 48076.896328/2021-00 e 48076.896329/2021-46; e 48076.896350/2021-41 e 48076.896351/2021-96; respectivamente – podendo explorar também boratos (SG Brasil) e areia (Sal-Gema Brasil), além de sal-gema. A Dana está autorizada a explorar apenas sal-gema, de uma área (48076.896338/2021-37). Já Unipar Carbocloro também possui três autorizações (48076.896325/2021-68, 48076.896326/2021-11 e 48076.896327/2021-57), apenas para sal-gema. Os estudos devem ser encerrados no decorrer deste ano.
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Jazidas estão a 2 Km de profundidade
A destruição ambiental vai modificar a paisagem, principalmente em Conceição da Barra, segundo especialistas no setor, uma vez que as jazidas de sal-gema estão em camadas que vão até dois quilômetros de profundidade. No entanto, a preocupação e o temor dos moradores de Conceição da Barra não foi ouvida pelas autoridades federais, quando concederam a titularidade de 11 jazidas aos empresários.
As jazidas estão sob a cidade e o receio é que Conceição da Barra afunde de forma semelhante com o que ocorre na exploração das jazidas de sal-gema em Maceió, capital de Alagoas, exploradas pela empresa Braskem S/A. Nesse caso, a ANM foi questionada se nunca fez uma avaliação de risco com a extração de sal-gema sob a cidade de Maceió. Veja a resposta da ANM:
“Cabe ao empreendedor fazer a análise de risco e gestão de impacto da atividade minerária. À ANM, cabe trabalhar com a análise de estudos e elementos apresentados pelo empreendedor. A ANM sempre realizou fiscalizações rotineiras e o acompanhamento dos relatórios topográficos de subsidência das minas da Braskem. Tais documentos não apresentaram indícios de subsidência até que houve o evento sísmico e a análise do SGB (Serviço Geológico do Brasil), que comprovou a afundamento do solo. Após tal confirmação, a ANM procedeu de imediato às medidas legais: interdição, autuações e o fechamento adequado da mina, que vem ocorrendo desde então.”
Ainda em 2018 os moradores da capital de Alagoas sentiram o primeiro tremor indicando que algo não ia bem na exploração de sal-gema. No entanto a ANM nada fez naquele ano e foi questionado sobre a omissão. Veja a resposta da ANM:
“A recomendação de realocação da área de resguardo só ocorreu em 2019, após a realização de estudos por consultoria especializada. A partir daí, foi acionado o Plano de Ação Emergencial, sem qualquer falha de procedimento. Todas as ações têm sido implementadas com conhecimento técnico e responsabilidade.”
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12 municípios capixabas sob o risco de exploração de sal-gema
Ao ser questionada sobre a quantidade de pedidos para a exploração de sal-gema no Espírito Santo, a ANM citou 12, incluindo Vitória, a capital do Espírito Santo, que segundo estimativa de 2024 do IBGE possui 342.800, com apenas 97,123 km² e uma densidade populacional de 3.324,33 habitante por quilômetro quadrado. Veja a lista citada oficialmente pela ANM:
- Conceição da Barra
- São Mateus
- Itapemirim
- Serra
- Aracruz
- Anchieta
- Piúma
- Linhares
- Presidente Kennedy
- Marataízes
- Vila Velha
- Vitória.
Além de Conceição da Barra, cujo quantitativo de sal-gema foi estimado pela Petrobrás, que foi quem descobriu aquela jazida, a ANM declarou que “não existe uma estimativa para o potencial de sal-gema do Estado do Espírito Santo.” Em Conceição da Barra é onde a situação é mais grave, porque atinge as comunidades quiloimbolas e envolve a própria sede do município, a Praia da Bugia, além de bairros e distritos.
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Quilombolas
Sobre as comunidades quilombolas que poderão ser afetadas com as escavações de grandes proporções em suas terras, já que é lá onde se encontra boa parte das jazidas de sal-gema, a ANM deu o seguinte esclarecimento: “Não há dispositivo legal que impeça a outorga de alvarás de pesquisa em comunidades quilombolas. Contudo, caso e quando a empresa for realizar as atividades de lavra, no processo de licenciamento ambiental, realizado por órgão ambiental municipal, estadual ou federal, muito provavelmente as comunidades afetadas serão ouvidas.”
Ainda em relação aos quilombolas, como a comunidade Sapê do Norte, a Agência do Governo Federal acrescentou: “Com relação a este assunto, a ANM segue o Parecer Nº 457/2010/HP/PROGE/DNPM, sobre procedimentos legais para a outorga de títulos minerários em regiões ocupadas por comunidades quilombolas, que conclui que:”
- “a) não há impedimento legal ao desenvolvimento de atividades de mineração em terras que foram objeto de titulação decorrente de ocupação por remanescentes das comunidades de quilombos, assim como de áreas já demarcadas com essa finalidade, porém, ainda não tituladas;”
- “b) a expedição de alvarás de pesquisa e títulos de lavra para aproveitamento de recursos minerais nas referidas áreas independe da adoção de um procedimento especial, com a criação de fases, etapas ou requisitos não previstos expressamente na legislação.”
Acima, em arquivo PDF, pedido de informação do então deputado federal Felipe Rigoni em 2019, atual secretário de Estado do Meio Ambiente, cobrando celeridade na autorização do leilão de privatização das reservas de sal-gema no Norte do ES
Lobby de parlamentar capixaba
Um dos maiores lobistas para dar início à exploração comercial do sal-gema no Norte do Espírito Santo foi o do então ex-deputado federal Felipe Rigoni, que após ser derrotado na sua tentativa de reeleição s eleições de 2022, antes mesmo de finalizar o mandato foi premiado pelo governador Renato Casagrande para ser o seu secretário de Estado do Meio Ambiente. Enquanto deputado fez intenso lobby a favor da exploração do sal-gema no Norte capixaba.
Logo em 2018, no primeiro ano de mandato, começou a fazer gestões junto ao Ministério das Minas e Energia, para destravar o leilão que tinha sido programado para as jazidas de sal-gema em Conceição da Barra e São Mateus, mas que estava parado. Em 29 de julho de 2019 enviou um Requerimento de Informação ao ministro de Minas e Energia daquela ocasião, onde cobrava a seguinte informação: “A justificativa da morosidade na concessão da autorização.”
Na justificativa desse pedido ao ministro, alegava: “Ocorre que a Petrobrás, que é a detentora dos direitos de exploração do mineral ainda não iniciou os procedimentos exploratórios, pois aguarda a mais de uma década as devidas autorizações da Agência Nacional de Mineração. Dessa forma, se faz urgente a concessão de licença à Petrobrás para a exploração no norte capixaba do mineral, especialmente no atual cenário de crise econômica e desemprego elevado. Por isso, encaminha-se esse requerimento para que sejam prestadas as devidas informações por esse Ministério.”
Na justificativa, para poder sensibilizar o ministro, o então deputado federal e atualmente o secretário de Estado do Meio Ambiente deu, segundo economistas consultados, números fantasiosos sobre uma possível geração de emprego com a extração de sal-gema iria gerar “até 15 mil empregos.” O IBGE informa que esse número fantasioso representa mais da metade da atual população de Conceição da Barra, que é de 27.458 habitantes.
Desse total, tirando os aposentados, enfermos, presos, crianças e recém-nascidos, segundo o IBGE, há 4.757 pessoas trabalhando, o que representa 17,32 % do total da população. Os supostos 15 mil empregos imaginados por Rigoni representam exatamente 54,63% da população de Conceição da Barra, sugerindo que praticamente não haveria mais cidade profissionais para os demais serviços a serem prestados, porque todos os moradores seriam empregados das quatro empesas que compraram na ANM o direito de explorar sal-gema.
PARECER-DA-AGUE-No-457-2010-HP-PROGE-DNPM-QuilombolasAcima, em arquivo PDF,. parecer da AGU que norteou a ANM a privatizar a exploração de sal-gema no subsolo do território de propriedade das comunidades quilombolas
Uso político da ANM?
Foi feita ao ouvidor da ANM, a seguinte pergunta: Atualmente o maior defensor da exploração comercial do Sal Gema em áreas com densa população é o presidente regional do partido União Brasil e, mesmo sem conhecimento em meio ambiente, acumula atualmente o cargo de secretário de Estado de Meio Ambiente do Espírito Santo. Essas interferências políticas afetam a decisão da Agência Nacional de Mineração em relação à exploração comercial do Sal Gema no Norte do Espírito Santo?
André Elias Marques, ouvidor interino da Agência Nacional de Mineração, se limitou a dar a seguinte resposta curta: “Não. A ANM não se pauta por influência política. A ANM se pauta nos princípios legais do Código de Mineração, sua regulamentação e eventuais normativos infralegais de sua autoria (Resoluções e Portarias).” No entanto, Rigoni em seu pedido de informação ao ministro, em 2019, colocou claramente a questão da interferência política, ao alegar que “o governo do estado do Rio Grande do Norte requereu a não concessão da licença, pois afetaria os interesses daquela unidade da federação, que é o maior produtor de sal do Brasil.”
O que é sal-gema
Segundo o geólogo e professor do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo Pedro Luiz Côrtes, em depoimento ao Jornal da USP, “o sal-gema é o cloreto de sódio, conhecido popularmente como sal de cozinha, que também pode ser usado na indústria química e é retirado de rochas subterrâneas. Diferentemente do sal de cozinha comum, extraído do sal marinho, o sal-gema é utilizado para a produção de soda cáustica e é fonte de cloro para produzir tubos de PVC.”
As reservas de sal-gema ficam em área profunda do solo, trazendo risco de desmoronamento da região, tragando as edificações e tudo que estiver no solo parfa dentro do buraco, em caso de acidente. O professor diz que normalmente o sal-gema é encontrado em aproximadamente 900 metros de profundidade em uma camada com cerca de 300 metros de espessura, “que foi gerada em um antigo ambiente marinho pela deposição lenta e cumulativa do sal.”
Ele lembra que no caso de Maceió, a mineradora Braskem fez poços que chegam até essa camada e passou a injetar água a uma grande pressão, essa água vai dissolvendo o sal e formando uma salmoura que é coletada e processada industrialmente para a separação do sódio e do cloro. “Então é um poço onde, na porção central, há uma tubulação pela qual a água é injetada e nas laterais dessa tubulação a água é coletada com o sal dissolvido para o processamento industrial.”, acrescenta Côrtes.
Cavernas no subsolo onde havia as jazidas
O professor discorre que esse tipo de extração gera vazios – espécies de cavernas – onde antes existia a camada de sal-gema. Ele ainda acrescenta que, como há uma grande espessura de rochas sobre essas cavernas (cerca de 900 metros de rochas), esse sistema pode entrar em colapso, o que ocorreu em parte da área em Maceió.
“As rochas que ficam sobre a camada de sal- gema são de origem sedimentar e não têm grande capacidade de autossustentação, por isso a ocorrência desses colapsos ou abatimentos, e isso é sempre um risco considerável à medida em que a extração de sal-gema vai avançando e esses grandes vazios vão sendo criados a grande profundidade,” explica o geólogo.
As rochas sedimentares são formadas através da deposição e junção de outros tipos de rochas, sendo elas ígneas, metamórficas ou até mesmo sedimentares. Esse tipo de rocha costuma ser porosa, o que permite que tenha acumulação de água no seu interior. Além disso, por conta dessa característica, não há sustentação desse material ao solo.