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Feriado de Tiradentes é comemorado no Brasil há 135 anos, desde o nascimento da República


Há polémica em relação à imagem de Tiradentes, uma vez que historiadores garantem que o quadro do pintor Pedro América, de 1893, foi retratado um Tiradentes de cabelos longos, barba espessa e expressão serena, muito semelhante às tradicionais imagens de Jesus Cristo. Pedro Américo é o mesmo que pintou de forma épica, 66 anos após o quadro o  ‘Grito do Ipiranga’, referente à Independência


A imagem divulgada semelhante a Jesus Cristo, como se fosse de Tiradentes, o que dificulta saber como era na realidade o personagem da História do Brasil | Imagem: Freepik

O Dia de Tiradentes, celebrado nesta segunda-feira, 21 de abril, consta no calendário brasileiro como uma homenagem a Joaquim José da Silva Xavier, o dentista prático mineiro conhecido como Tiradentes. Ele é um personagem da História do Brasil, conhecido por ter sido enforcado pela sua participação na conspiração que foi planejada contra a Coroa portuguesa, denominada de Inconfidência Mineira.

Esse dia foi estabelecido como feriado nacional por meio do Decreto 155-B, de 14 de janeiro de 1890, assinado pelo primeiro presidente após o fim da Coroa portuguesa, o marechal Manuel Deodoro da Fonseca. Posteriormente, foi reafirmado como feriado nacional por meio da Lei Nº 662, de 6 de abril de 1949 e a a Lei Nº 1.266, de 8 de dezembro de 1950, ambas assinada pelo ex-presidente Eurico Gaspar Dutra. E reconfirmada pela Lei Nº 10.607, de 19 de dezembro de 2002, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

O feriado a Tiradentes foi parte da iniciativa dos defensores da república, na década de 1890, de estabelecer Tiradentes como um herói nacional e grande defensor da república. “Tiradentes” era o apelido de Joaquim José da Silva Xavier. Ele não possuía formação escolar completa para atuar como dentista, mas dominava o uso de ferramentas e sabia realizar extrações dentárias e dessa forma trabalhava como dentista prático.

Decreto do marechal Deodoro da Fonseca estabelece o dia 21 de abril como feriado nacional | Imagem: Biblioteca do Senado

Inconfidência mineira

O movimento do qual participava, denominado pela Coroa portuguesa de  Inconfidência mineira, por terem conspirado contra o Governo imperial, não tinha raízes populares e nem foi uma revolta. Era a insatisfação da elite econômica da época, como grandes extrativistas de ouro, fazendeiros, padres e até elite militar. Tiradentes era o mais pobre entre os chamados inconfidentes. Ele era quarto entre os sete filhos de Domingos da Silva Santos, um fazendeiro de origem portuguesa, e de Antônia da Encarnação Xavier.

Após a morte precoce dos pais, desenvolveu diversas habilidades e exerceu diferentes profissões ao longo da vida, atuando como comerciante, tropeiro, minerador e militar nas regiões de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.

Influenciada pelas ideias do iluminismo no século 18, que defendia mais liberdade e menos absolutismo, insatisfeita com os elevados tributos cobrados pela Coroa, a elite mineira idealizou estabelecer em Minas Gerais uma república autônoma e se livrar do domínio português.

Quinto e a derrama

A insatisfação da elite econômica mineira vinha da cobrança pelo Império de impostos considerados como abusivos. Era o Quinto, um imposto onde o fazendeiro, os exploradores de ouro e até os comerciantes,  eram obrigados a entregar 20%,. daí denominado de quinta. Com as minas de ouro se exaurindo, os exploradores  não conseguiam pagar o tributo. Para obrigar ao pagamento, o Governo português instituiu a Derrama, uma cobrança forçada que autorizava autoridades fiscais a confiscar bens e propriedades para cobrir os valores considerados como devidos.

A cobrança extorsiva de impostos fez com que essa elite econômica se revoltasse. Não foi planejada uma revolta armada, mas sim uma conspiração, que ganhou força entre 1788 e 1789. Mas, o movimento acabou ao ser traído pelo coronel Joaquim Silvério dos Reis, participantes dos encontros entre os inconfidentes. O coronel fez a denúncia às autoridades da Coroa de Portugal para obter o perdão de suas dívidas. Os líderes da Inconfidência foram detidos e enviados para o Rio de Janeiro.]

Tiradentes, o mais pobre entre os inconfidentes, foi capturado e passou três anos preso até ser julgado. Em 1792, foi condenado à morte por enforcamento. Sua execução foi autorizada por D. Maria, avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II, imperadores do Brasil. De acordo com historiadores, Tiradentes foi escolhido porque, embora não fosse o líder do movimento, era o mais pobre no grupo de rebeldes, além de ser o mais engajado e, também, o que mais se expunha publicamente, tornando-se, aos olhos da Coroa, o rosto da rebelião.

História em quadrinhos publicada em 1906 na revista Tico-Tico narra a Inconfidência Mineira em versão para crianças | Imagem: Biblioteca Nacional Digital

Esquartejamento

Em 2022, o Senado publicou um longo artigo intitulado Em busca de apoio popular, República fez de Tiradentes herói nacional, assinado pelo jornalista Ricardo Westin, onde narra o interesse dos novos governantes republicanos em criar mitos, para fortalecer o novo regime.

Ali lembra que alferes (encarregado do transporte da bandeira ou estandarte de um exército, unidade militar, ordem de cavalaria ou outra instituição militar, civil ou religiosa) Tiradentes após ter sido enforcado na então Praça da Constituição, uma das mais importantes do Rio e que passou a ser denominada posteriormente de Praça Tiradentes.A execução foi em 21 de abril de 1792, com o cadáver sendo esquartejado. Em seguida, os pedaços do corpo foram transportados para Vila Rica (atual Ouro Preto). Os pedaços foram deixados ao longo da estrada. Apenas a cabeça em decomposição chegou à capital da capitania de Minas Gerais, onde permaneceu exposta no alto de um poste.

O “espetáculo” lúgubre foi uma advertência da rainha portuguesa D. Maria I àqueles que na Colônia ousassem embarcar em algum movimento separatista., conta o texto. Com o passar do tempo, Tiradentes se reabilitou como personagem histórico. Antes um subversivo execrável e perigoso, ele hoje é símbolo do Brasil e recordista de homenagens. O inconfidente foi o primeiro brasileiro a receber o título de herói da pátria. Também é, por força de lei, patrono cívico da nação e patrono das polícias civis e militares. Praticamente toda cidade do país tem alguma rua, praça ou escola com o seu nome. O dia 21 de abril é um dos nove feriados nacionais.

A denominada Cadeia Velha, no centro do Rio, local onde Tiradentes havia aguardado o enforcamento foi demolido e o novo prédio, que ficou pronto em 1926, passou a abrigar a Câmara dos Deputados, cujo prédio foi batizado de Palácio Tiradentes. Diante dele, ergueu-se uma estátua do inconfidente. No edifício hoje funciona a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Propositalmente, o pintor Pedro América fez o quadro “Tiradentes Esquartejado” (à esquerda) de Tiradentes em 1893, com a semelhança em Jesus, não representando a verdadeira imagem de Tiradentes, que é desconhecida – Imagem: Redes sociais

Imagens divulgadas de Tiradentes não o representam

Oficialmente, a primeira câmera fotográfica do mundo foi desenvolvida em 1839 na França, na Academia Francesa de Ciência. O inventor foi Louis Jacques Mandé Daguerre. Em 1884, nos Estados Unidos, George Eastman inventou uma tecnologia que usava nitrato de celulose para revelar cada foto, o que tornava o processo mais veloz e rentável. Mais tarde, ele fundou a famosa Kodak e popularizou a câmara fotográfica. Os registros históricos apontam que a novidade chegou ao Brasil no mesmo ano em que foi inventada: 1839.

Em 1792, ano da condenação e morte por enforcamento de Tiradentes não havia máquina fotográfica e ele não era um cidadão rico, para ter encomendado a um pintor para fazer um quadro com a sua imagem. Em artigo publicado no portal do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) há um questionasmento sobre a imagem de Tiradentes que é amplamente difundida.

“Curiosamente, a forma como Tiradentes passou a ser representado após sua morte contribuiu ainda mais para a construção desse mito. Pinturas e esculturas produzidas a partir do final do século XIX começaram a retratá-lo com cabelos longos, barba espessa e expressão serena, muito semelhante às tradicionais imagens de Jesus Cristo”, inicia o texto.

“Essa representação simbólica tinha um propósito: reforçar a ideia de que Tiradentes foi um ‘sacrifício humano’ pela liberdade do povo brasileiro, alguém que entregou a própria vida por uma causa maior. Ao associá-lo visualmente à figura de Cristo, o novo regime republicano criava não apenas um herói nacional, mas também um ícone moral”, prossegue.

“Assim, Tiradentes deixou de ser apenas um personagem histórico e se tornou um mito fundacional da República, presente em monumentos, livros didáticos, feriados e até na moeda de cinco centavos. Sua imagem, cuidadosamente construída, mostra como a história também é feita de escolhas simbólicas: um “criminoso” aos olhos de um regime pode virar herói aos olhos do outro”, conclui.

A transformação da imagem de Tiradentes em herói e mártir foi acompanhada de iniciativas que o retratavam de uma maneira muito semelhante a como Jesus era representado. Alguns artistas brasileiros incorporaram essas características em suas obras. Um dos trabalhos artísticos mais conhecidos sobre a morte de Tiradentes é o de Pedro Américo, criada em 1893.

Guerra de versões entre historiador monarquista e parlamentar republicano. Enquanto um chama Tiradentes de rude e doido o outro o denomina de ser místico | Imagens: Biblioteca do Senado

Historiadores se conflitam sobre quem foi Tiradentes

No mesmo texto do Senado sobre quem foi Tiradentes, há a exposição  de duas versões., que vão de “doido” a um ser “místico.” Em seu livro o historiador monarquista Joaquim Norberto de Souza Silva, publicado em  1873, onde pode ser lido um trecho abaixo, onde é mantida a fidelidade com as palavras redigidas pelo idioma português da época:

  • “Era elle de estatura alta, de espaduas bem desenvolvidas, como os naturaes da capitania de Minas Geraes. A sua physionomia nada tinha de sympathica-e antes se tornava notavel pelo quer que fosse de repelente, devido em grande parte ao seu olhar espantado Possuia, porem, o dom da palavra e expressava-se as mais das vezes com enthusiasmo; mas sem elegancia nem attractivo, resultado de sua educação pouco esmerada; ouvindo-o porem na rudeza de sua conversação, gostava-se da sua franqueza selvagem, algumas vezes por de mais brusca e que quasi sempre degenerava em leviandade, de sorte que uns lhe davam o caracteristico de heroe e outros o de doido. Tornava-se assim o objecto de publico gracejo, provocando o riso, e não poucas vezes as vaias é apupadas do vulgo *. Não tinha instrucção alguma alem da ordinaria, todavia era…”

Já no trecho a seguir no discurso do ativista republicano Silva Jardim, de 1890, ele aparece como uma figura quase mística. Leia a seguir, também sendo respeita a grafia da época:

  • “Tiradentes esteve á altura de seu coração magnanimo. Profundamente religioso, seguro de que era vontade do céo que tudo se soubesse, attrahiu sobre sua cabeça a grave responsabilidade de toda a conspiração, confessando heroicamente .o que em verdade fôra, seu mais ardente sectario. Sua generosidade fe-lo não comprometter seus amigos e até a defender a um inimigo, Gonzaga, segundo…”