O ministro Marco Aurélio determina realização do censo demográfico de 2021 e afirma que o direito à informação é basilar para a formulação e a implementação de políticas públicas.
Atendendo a pedido feito pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu nesta quarta-feira (28) liminar para determinar à União e à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a adoção de medidas voltadas à realização do censo demográfico de 2021. A decisão foi proferida na Ação Cível Originária (ACO) 3508, ajuizada pelo Estado do Maranhão.
Na ação, o governo estadual alega que a falta de dados sobre a população pode abalar o pacto federativo e levar à perda de receitas tributárias, gerando a diminuição de transferências de verbas. Sustenta, ainda, que a não realização do censo causa desequilíbrio na viabilização de ações governamentais, em razão da dificuldade na formulação e na execução de políticas públicas, com prejuízo à autonomia dos entes federativos.
Formular políticas públicas
Para o ministro Marco Aurélio, o direito à informação é basilar para que o poder público possa formular e implementar políticas públicas, pois é por meio de dados e estudos que os governantes podem analisar a realidade do país. Ele lembrou, ainda, que a extensão do território e as diversidades regionais impõem medidas específicas.
“O censo permite mapear as condições socioeconômicas de cada parte do Brasil”, salientou. Segundo o ministro, os dados coletados auxiliam os Poderes Executivo e Legislativo na elaboração de políticas para implementar direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
Desrespeito
O relator destacou que a União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo em 2021 em razão de corte de verbas, descumpriram o dever de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional (artigo 21, inciso XV, da Constituição). Com isso, “ameaçam a própria força normativa da Lei Maior”, concluiu.
Por fim, o ministro Marco Aurélio considerou que é imprescindível a atuação conjunta dos três Poderes para o cumprimento da Constituição. A seu ver, em razão do omissão constatada e da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, cabe ao Supremo impor a adoção de providências para viabilizar a pesquisa demográfica.
A liminar determina a adoção de medidas voltadas à realização do censo, observados os parâmetros preconizados pelo IBGE, no âmbito da sua discricionariedade técnica.
Leia a íntegra da decisão
TUTELA ANTECIPADA NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 3.508 DISTRITO FEDERAL
RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO
AUTOR(A/S)(ES) :ESTADO DO MARANHAO
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO MARANHÃO
RÉU(É)(S) :UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RÉU(É)(S) :FUNDACAO INSTIT BRAS DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA IBGE
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL FEDERAL
DECISÃO CENSO DEMOGRÁFICO – OMISSÃO – CORTE DE VERBAS – CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS – CONSTITUIÇÃO FEDERAL – OFENSA – POSSIBILIDADE – TUTELA DE URGÊNCIA – DEFERIMENTO.
1. O assessor Eduardo Lasmar Prado Lopes prestou as seguintes informações:
O Estado do Maranhão ajuizou, contra a União e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ação cível originária, com pedido de tutela de urgência, visando sanar irregularidades ante omissão em formalizar atos administrativos e alocar recursos para a realização do censo demográfico no ano de 2021.
Afirma legitimidade e interesse, aludindo à perda de receitas tributárias e à dificuldade, em razão da falta de dados, de formular e executar políticas públicas.
Alega ser o conflito capaz de abalar o pacto federativo, estando em jogo diminuição de transferências de verbas aos entes, desequilíbrio na viabilização de ações governamentais e prejuízo à autonomia.
Narra que, a partir da Lei nº 8.184/1991, o censo passou a ocorrer a cada dez anos, considerada a relevância. Sublinha o reconhecimento internacional das pesquisas. Discorre sobre a necessidade das estatísticas, elaboradas por meio de contagem populacional, identificação de características dos habitantes, modos de vida e condições de moradia, para fins de subsidiar ações em todos os níveis de governo e fomentar investimentos da iniciativa privada. Salienta inviabilizado o estudo, em virtude da redução de custos, da supressão de perguntas do questionário e da alteração na metodologia de trabalho resultante das sucessivas trocas na Presidência do IBGE.
Aludindo a veto do Presidente da República à lei orçamentária aprovada, noticia ausente dotação direcionada à realização do censo nacional no ano em curso. Diz do prejuízo ao combate às desigualdades sociais. Reporta-se a ofício do Ministério Público Federal versando os cortes e risco ao interesse público. Articula com o agravamento da situação de vulnerabilidade das pessoas ante a crise sanitária decorrente do novo coronavírus.
Sustenta contrariados os princípios da legalidade e da eficiência. Alega impactada a atuação do gestor público e descumprida obrigação prevista no artigo 1º da Lei nº 8.184/1991. Destaca a possibilidade de haver contingenciamento de despesas em descompasso com a Carta da República e a legislação – artigo 9º, § 2º, da Lei Complementar nº 101/2000.
Assinala a instrumentalidade do censo para implementação de direitos fundamentais e enfrentamento da pandemia covid-19.
Evoca a proporcionalidade e a razoabilidade, ressaltando que a inércia dos réus, ao resultar no cancelamento do estudo em 2021, revelou desrespeito ao interesse público. Frisa imprópria a justificativa alusiva à falta de capacidade fiscal, levando em conta as renúncias de receitas. Menciona matérias jornalísticas versando coincidência entre o processo de fragilização institucional do IBGE e as concepções pessoais do Chefe do Poder Executivo, em afronta ao Estado de Direito, aos princípios da impessoalidade e republicano. Cita precedente do Supremo, no sentido da viabilidade do controle jurisdicional ante inação do Estado em formular e executar políticas de base constitucional.
Realça inobservados o direito à informação e a proporcionalidade, sob a óptica da proibição da proteção insuficiente, referindo-se à utilidade do censo para concretização de direitos fundamentais. Sob o ângulo do risco, afirma prejuízo nas áreas econômica e social.
Requer, no campo precário e efêmero, a determinação de adoção de medidas voltadas à realização da pesquisa, a partir dos parâmetros indicados pelo IBGE, observada a própria discricionariedade técnica, inclusive com abertura de créditos em valores suficientes. No mérito, busca a confirmação da providência.
2. O direito à informação é basilar para o Poder Público formular e implementar políticas públicas. Por meio de dados e estudos, governantes podem analisar a realidade do País. A extensão do território e o pluralismo, consideradas as diversidades regionais, impõem medidas específicas.
O censo, realizado historicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, permite mapear as condições socioeconômicas de cada parte do Brasil. E, então, o Executivo e o Legislativo elaboram, no âmbito do ente federado, políticas públicas visando implementar direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Como combater desigualdades, instituir programas de transferência de renda, construir escolas e hospitais sem prévio conhecimento das necessidades locais?
A União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional – artigo 21, inciso XV, da Constituição de 1988. Ameaçam, alfim, a própria força normativa da Lei Maior.
Surge imprescindível atuação conjunta dos três Poderes, tirando os compromissos constitucionais do papel. No caso, cabe ao Supremo, presentes o acesso ao Judiciário, a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais e a omissão dos réus, impor a adoção de providências a viabilizarem a pesquisa demográfica.
3. Defiro a liminar, para determinar a adoção de medidas voltadas à realização do censo, observados os parâmetros preconizados pelo IBGE, no âmbito da própria discricionariedade técnica.
4. Citem a União e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
5. Publiquem.
Brasília, 28 de abril de 2021.
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator