A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a absolvição de um catador de reciclado no interior de São Paulo, preso por uma sucessão de absurdos do próprio Judiciário. O caso, segundo o que consta na decisão da ministra, foi iniciado no dia 2 de abril último quando o catador de reciclado Marcos Roberto dos Santos foi preso em flagrante,”pela suposta prática de furto qualificado ao ter subtraído dois sacos contendo 20 quilos de material reciclável, avaliados em R$ 30,00”. O catador disse que a venda do produto era para comprar comida, já que estava com fome.
A prisão em flagrante foi convertida em preventiva, no dia seguinte, pelo juiz de Direito Antonio Benedito Morello, em regime de plantão judiciário da Comarca de São Carlos (SP), tendo o Habeas Corpus indeferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no dia 13. E, posteriormente, decisão do ministro Ribeiro Dantas, do Superior Supremo Tribunal Federal, que manteve a prisão. A Defensoria Pública de São Paulo intercedeu e levou o caso até o STF. “O caso reúne as condições exigidas para ser enquadrado no princípio da insignificância (ou bagatela)”, disse a ministra Carmem Lúcia.
Prisão
Os fatos ocorreram na cidade de São Carlos (SP), no último dia 2, quando o homem, em situação de rua, foi preso em flagrante depois de pular o muro de uma cooperativa de reciclagem e ser flagrado pelos próprios cooperados. Em depoimento à polícia, ele disse que iria vender os recicláveis para “comprar comida”. A prisão foi posteriormente convertida em preventiva, e ele foi denunciado pelo Ministério Público estadual 12 dias depois do episódio.
A Defensoria trouxe o caso ao Supremo depois de tentativas infrutíferas perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiram liminar. No STF, sustentou que o material, de valor irrisório, foi restituído à vítima e que não houve violência.
Ilegalidade
Por razões processuais (Súmula 691), a ministra negou seguimento ao Habeas Corpus (HC) 200764, mas concedeu a ordem de ofício depois de verificar a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. De acordo com a jurisprudência do STF, esses são os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância.
Na decisão, Cármen Lúcia afirmou que o STF não pode fechar suas portas para casos de ilegalidade manifesta que possam comprometer os direitos fundamentais das pessoas. Segundo ela, a conduta, embora se amolde à tipicidade formal, não tem relevância penal. A relatora observou, ainda, a partir da leitura do termo de interrogatório que consta do auto de prisão em flagrante, que o envolvido vivia em situação de vulnerabilidade econômica e social e que não houve emprego de violência.