Sindicalistas emitem manifesto para dizer que o setor agrícola será o maior prejudicado porque o manuseio nas fazendas experimentais não é para amadores
Vinte e três deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) bateram continência ao projeto de extinção de cargos e de demissões na Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).e aprovaram a toque de caixa, sem um debate com os servidores a extinção de 253 cargos. Apenas a deputada estadual Iriny Lopes (PT) se colocou contra a retirada do emprego dos pesquisadores em plena pandemia do Covid-19 e do desemprego recorde no Brasil. Foram 23 votos a favor do Projeto de Lei Complementar (PLC) 8/2021 proposto pelo governador do PSB do Espírito Santo, Renato Casagrande.
Num primeiro momento serão extintas 154 vagas que já estão em vacância e, assim que forem sendo liberadas, as demais 99 vagas. A idéia de Casagrande é não ter mais os pesquisadores nas fazendas experimentais do Incaper e gastar o dinheiro público remunerando empresários particulares do setor através de uma terceirização da mão de obra, segundo a justificativa feita aos deputados pelo governador do PSB.
No seu documento, o “socialista” não apresentou proposta de garantir o emprego dos pesquisadores em outros setores do Estado. A proposta foi defendida pelo deputado que foi o candidato derrotado à Prefeitura de Vitória, Fabrício Gandine Aquino, que usa o sobrenome grafado como Gandini. “São atividades eventuais, por isso o governo entende que não precisa fazer concurso para esse cargo, então eles querem contratar uma empresa prestadora de serviço complementar para suprir essa demanda sazonal, em especial, da colheita de café, que vai de maio a setembro”, disse o deputado do Cidadania.
Outro lado
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos), Tadeu Guerzete, e o presidente da Associação dos Servidores do Incaper (Assim), Abilde Maisa Moreira Costa, assinaram um manifesto em defesa da importância do cargo de auxiliar em desenvolvimento rural, que foi extinto em uma só canetada pelos deputados estaduais nesta última terça-feira (11).
Eles fazem uma contextualização entre a apresentação e a votação a toque de caixa sobre a extinção imediata de 154 vagas não ocupadas atualmente e a extinção na vacância de outras 99 com servidores ativos. De acordo com o PLC haverá a extinção de 253 vagas. Eles lembram que os cargos extintgos foram descritos na Lei Complementar nº 697/3013, e são destinados às atividades de roçagem, manejo e tratos de culturas agrícolas, capinar, colher, pulverizar, irrigar, podar, plantar e fazer covas de plantios, além de executar atividades de pós-colheita, tais como: armazenar, embalar, encaixotar produtos e secar grãos.
Os ocupantes dos cargos eliminados ainda exercem atividades de manejo e tratos de animais, tais como: conduzir, apartar e pear animais, ordenhar, vermifugar e limpar curral; Executar atividades afins relacionadas à proteção sanitária e à aplicação de defensivos agropecuários, a manutenção geral básica (limpeza de áreas externas, jardinagem, elétrica e hidráulica); Operar e conduzir máquinas, equipamentos agropecuários e veículos para os quais seja exigida habilitação nas categorias A, B, C e D (transporte de mudas, semente e insumos necessários aos experimentos de pesquisa, condução de veículos com capacidade acima de 8 passageiros, guincho), entre outras.
Impossibilidade de substituição
Os sindicalistas alegam no manifesto que o exercício do cargo de Auxiliar de Desenvolvimento Rural é mais complexo que os tratos culturais de uma atividade agropecuária por si só, ele envolve experimentação, necessita de anotações de dados precisos, medições precisas, de continuidade dos trabalhos. Vejamos a seguir trabalhos que exigem presença obrigatória de profissionais altamente treinados e que não permitem descontinuidade em períodos de intervalos entre projetos, portanto não compatíveis com mão de obra temporária.
E são citadas as fazendas experimentais onde haverá conseqüências. “UEPA em Linhares – Manutenção do plantel de aves que vem sendo melhorado geneticamente ao longo de mais de 10 anos. Nesse caso, se as aves forem descartadas, se tem um prejuízo triplo: Perde-se o trabalho de melhoramento realizado ao longo desse período, perde-se um tempo considerável para refazer o plantel e se tem um prejuízo financeiro pois o custo de reposição do plantel é muito maior que o valor arrecadado no descarte”, alegam no documento.
No curso de Inseminação Artificial Manutenção do plantel de vacas utilizadas para a prática da inseminação: É preciso manter o plantel de animais mesmo no intervalo entre os cursos e para tal é preciso de profissional treinado. Da mesma forma que as aves, o processo de reforma do plantel exige tempo e é sensivelmente mais caro do que o preço obtido no descarte, sem contar a possibilidade de compra de animais que não se adequam ao serviço.
Fazenda Experimental de Jucuruaba
Na Fazenda Experimental de Jucuruaba é citado que a agrofloresta é uma atividade que se desenvolve ao longo de 20 a 30 anos ou mais e exige mão de obra muito qualificada para sua condução. A agrofloresta está abandonada, em Jucuruaba, o que não deveria acontecer pois é uma grande saída contra o aquecimento global. Já existem exemplos de grande sucesso nessa atividade, porém falta ainda muita pesquisa na área.
Os projetos de pesquisa desenvolvidos dentro de agroflorestas exigem metodologias de pesquisa mais complexas e infelizmente, no Incaper, esses projetos têm sido deixados de lado. Normalmente esses projetos têm duração menor do que 5 anos mas pressupõem a existência de um sistema agroflorestal de 10 ou 20 anos. Sendo assim, quando os projetos se encerram, não é possível abandonar os tratos da agrofloresta para esperar a aprovação de novos projetos.
Horta medicinal
“É preciso continuar tratando da área até a entrada de novos projetos de pesquisa e/ou para que ela seja utilizada como unidade de demonstração para agricultores e técnicos. Já a horta medicinal tem sido usada para receber visitas de membros da pastoral da saúde e distribuição de mudas de plantas medicinais para agricultores e outras pessoas interessadas mesmo sem a existência de projetos de pesquisa”, prosseguem.
O trabalhador que atua nessa área precisa identificar todas as espécies aí cultivada bem como saber manejar cada uma delas desde o plantio até a colheita. A falta desse traquejo pode causar problemas sérios, até à saúde de quem é atendido, no caso, por exemplo, de troca de espécies, complementam.
Educação ambiental
Nas áreas reflorestadas/Projeto de Educação Ambiental é citado do manifesto que essas áreas têm dado um enorme suporte aos projetos de educação ambiental das escolas de Cariacica e muitas vezes da grande Vitória. São cultivadas inúmeras espécies que exigem podas diferenciadas e em momentos certos. Sem um bom treinamento é impossível executar essa tarefa. Durante a recepção das turmas, no projeto de educação ambiental, são desenvolvidas algumas práticas que exigem a participação de profissionais preparados para isso.
Com relação às culturas da aroeira e do cacau é lembrado pelos sindicalistas que a poda e o processo de colheita e preparo da produção não são atividades para amadores: É preciso muita formação. O mesmo é dito para a cultura da borbulheira de citrus, cuja atividade é fundamental para manter os clones de cítrus descritos e identificados bem como livres de doenças para abastecer projetos de pesquisa e fornecer material de qualidade para viveiristas.
Fazenda Experimental Mendes da Fonseca
Na Unidade de pesquisa agroecológica da Fazenda Mendes da Fonseca, localizada em Domingos Martins, também do Incaper, é lembrado que a unidade de pesquisa agroecológica do Incaper é a mais antiga unidade de pesquisa, nessa área, do Brasil. São quase trinta anos de pesquisa no mesmo local e que a tornaram como um ícone da agroecologia/agricultura orgânica do nacional. O livro escrito com base nas pesquisas ali desenvolvidas se tornou o manual de agricultura orgânica na maioria das faculdades de agronomia do país. Os Auxiliares rurais, treinados continuamente, tiveram papel importante para o atingimento desse patamar.
Os projetos são desenvolvidos anualmente, bianualmente porém a implantação desses projetos pressupõem a existência de uma área com manejo agroecológico de muitos anos, portanto não dá para abandonar a área ao final de cada projeto de pesquisa. É preciso mantê-la sempre.
Fazenda Experimental de Viana
A produção de sementes básicas de milho e feijão na Fazenda Experimental do Incaper de Viana o documento diz que o processo de produção de sementes em geral precisa atender determinados protocolos e exige profissionais altamente treinados para desenvolver tais serviços. Nas pesquisas com milho e feijão “todo processo de pesquisa exige procedimentos padronizados e portanto pessoas capacitadas para fazê-los. Esses procedimentos devem ser executados por pessoas treinadas para tal ou serem acompanhados de perto pelo pesquisador”.
Como normalmente esses procedimentos tem dia certo para serem executados e os pesquisadores estão lotados longe da fazenda, é prudente que haja pessoas bem treinadas no local onde o projeto de pesquisa esteja sendo desenvolvido. Nada melhor do que possuir um auxiliar de desenvolvimento rural treinado, na própria fazenda, para executar as atividades normalmente e/ou na impossibilidade do pesquisador estar presente.
Fazenda Experimental de Bananal do Norte
A área cultiva de café com árvores Ingá, gliricídia, pupunha e bananeira, na Fazenda Experimental do Incaper de Bananal do Norte, é dito que é onde estão sendo investigados diversos parâmetros, entre eles produtividade do café e quantidade de água das chuvas retida nas copas das árvores e a quantidade que atinge o solo, entre outros. Esses projetos têm períodos determinados para terminarem mas é necessário que se mantenham a cultura para instalação de futuros projetos de pesquisa. As atividades de poda, de captação das águas são tarefas bastante complexas e exigem profissionais capacitados.
Fazenda Experimental de Marilândia
A pode e manejo de cultivares experimentais na Fazenda Experimental do Incaper de Marilândia o documento garante que órgão é a principal instituição de pesquisas em café conilon no Brasil tendo se tornado referência internacional no assunto. Não se justifica colocar o manejo de áreas experimentais nas mãos de pessoas não treinadas pois qualquer descuido nessa área pode comprometer importantes resultados de nossa pesquisa. A poda exige a escolha entre ramos com características muito próximas um dos outros, daí a necessidade de pessoas muito bem treinadas para executar esse serviço. Trabalhos realizados em viveiros como seleção de mudas entre outros
A produção de mudas em geral é uma atividade que exige muita destreza e cuidados especiais. Quando se trata de mudas para experimentação essas exigências redobram. Quando é para uma atividade onde o Incaper é referência internacional, não existe nenhuma justificativa para ser colocada em mãos de pessoas que não sejam altamente treinadas e com espírito de pertença ao processo.
Conclusões dos sindicalistas
Faz-se saber que como expresso no PLC Nº8/2021 o cargo de Auxiliar de Desenvolvimento Rural não foi contemplado por concurso público desde 2011, logo o problema não é a contratação de mão de obra sazonal para a colheita de café, é a falta de concurso público para atender a demanda deste cargo.
Não pode-se fechar os olhos e dizer que o problema da falta de mão de obra nas Fazendas Experimentais do Incaper não existe, ele existe e é grave e de necessidade de resolução urgente. Porém, a resolução não passa pela extinção do cargo de Auxiliar de Desenvolvimento Rural.
Cabe dizer ainda que o problema de falta de força de trabalho dentro do Incaper não é localizado apenas para o cargo em questão, temos enfrentando um processo de redução gradativa do número de servidores para todos os cargos ao longo dos anos, algo que inclusive já foi oficiado ao governo por diversas momentos pela associação e pelo sindicato;
Uma política pública, seja ela operada com recursos federal ou com recursos próprios, não depende apenas de um elo de uma corrente, depende de toda a corrente. Para que o recurso seja bem aplicado é necessário o trabalho qualificado de todos, desde o auxiliar de campo e administrativo, passando pelos técnicos administrativos e agrícolas, analistas, extensionistas e pesquisadores.
Grave precedente
Partir de uma premissa da falta de mão de obra temporária para extinção de um cargo de maneira definitiva com vista a sua terceirização abre um grave precedente para que toda a execução de uma política pública permanente de caráter continuado e que necessita de um alto nível de especialização seja, a partir dessa decisão, alvo futuro de um processo maior de precarização em toda a estrutura do Instituto. O Incaper já demonstrou a importância do nosso trabalho bem como o retorno econômico, social e ambiental para toda a sociedade, amplamente documentado em seu Balanço Social;
Insta ainda dizer que não nos foi oportunizado o debate com a categoria e que em momento nenhum o projeto de lei em questão foi alvo de reunião. Muito nos preocupa ainda que, considerando um momento grave como o que estamos vivendo, o tema em questão seja debatido de maneira tão apressada. É preciso que seja promovido um maior debate sobre o tema, discutindo com todos os envolvidos os seus impactos. Não temos dúvidas de que existem soluções mais simples e muito mais eficazes e estamos dispostos a debatê-las e dar nossa contribuição.
“Sendo assim, diante das considerações expostas, a Assin e o Sindipúblicos vem por meio deste solicitar o aprofundamento desse diálogo para que esses caminhos sejam identificados e implementados”, finalizam e assinam Tadeu Guerzet e Abilde Maisa Moreira Costa.