A proposta visa combater o crime da exploração ilegal do garimpo, principalmente nas terras indígenas, uma vez que o governo Bolsonaro não apresenta nenhuma iniciativa nesse sentido
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) anunciou em suas redes sociais que apresentou um projeto de lei obrigando o sistema financeiro a rastrear, de forma efetiva, a origem do outro extraído no Brasil. O objetivo é combater o garimpo ilegal, que atua de forma criminosa em terras indígenas, onde “por trás do qual há interesses poderosos, está arruinando territórios do país”, disse o senador. A atuação criminosa de garimpeiros e de madereiros, que devastam a selva amazônica, conta com o apoio do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Junto com a sua publicação, o senador capixaba colocou o link de um trecho da reportagem do programa Coluna Momento Eco, da TV Senado, que destaca o uso de mercúrio no garimpo ilegal em terras indígenas de Roraima. O vídeo pode ser visto logo abaixo, para conferir a gravidade observada pelo senador Contarato.
Projeto de lei
O projeto de lei (PL) ao qual ele se refere é o 836/2021, que altera a Lei nº 7.766, de 11 de maio de 1989, e a Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, com o objetivo de estabelecer parâmetros sobre a comercialização do ouro, e revoga artigos da Lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013, com o objetivo de estabelecer parâmetros sobre a comercialização do ouro, e revoga artigos da Lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013.
Na justificativa, o senador Contarato disse que “a situação atual da comercialização do ouro, a partir da sua fase inicial, deixa clara a necessidade de instrumentos aprimorados para o controle e ideal validação do ouro que tem sido extraído de nossas terras. Segundo o estudo “A nova corrida do ouro na Amazônia”, realizado pelo Instituto Escolhas e outras entidades, é extremamente fácil comercializar ouro ilegal no Brasil.”
O senador do Espírito Santo disse na justificativa que “um garimpeiro precisa apenas mostrar seu documento de identidade, preencher um formulário à mão e declarar a origem do metal, sem a necessidade de qualquer tipo de comprovação. Dessa forma, o ouro ilegal entra no mercado financeiro, por meio da sua venda para as DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), que são os postos de compras de ouro das instituições financeiras localizadas na Amazônia. A partir de então, passa a ser comercializado ‘legalmente’”.
Prosseguindo, disse: “Essa completa falta de controle sobre a origem do metal fomenta um bilionário mercado de ouro extraído em áreas proibidas como as terras indígenas e unidades de conservação na Amazônia. Além disso, financia uma extensa rede de organizações criminosas, em cuja prática se destacam invasões de terras, ameaças e assassinatos de lideranças indígenas e locais, corrupção de autoridades públicas, evasão fiscal, contrabando de mercúrio, desmatamento e contaminação ambiental em larga escala.”
Violência
“Um dramático exemplo dessa inaceitável situação se observa junto aos índios Yanomamis, em Roraima, e aos Mundurukus, no Pará. Esses grupos estão fortemente submetidos a casos de violência física e simbólica e, também, a riscos à saúde, como a contaminação das águas, solos e dos peixes por mercúrio e pela Covid-19, levada para suas comunidades por garimpeiros. Um estudo realizado pela Fiocruz em parceria com o WWF-Brasil em 2020, com os indígenas Munduruku, indicou que todos os participantes da pesquisa estavam afetados por esse contaminante. De cada dez participantes, seis apresentaram níveis de mercúrio acima de limites seguros: cerca de 58% dos participantes apresentaram níveis de mercúrio acima de 6μg.g-1 – que é o limite máximo de segurança estabelecido por agências de saúde3”, prosseguiu.
A contaminação é maior em áreas mais impactadas pelo garimpo, nas aldeias que ficam às margens dos rios afetados. Nessas localidades, nove em cada dez participantes apresentaram alto nível de contaminação. As crianças também são impactadas: cerca de 16% delas apresentaram problemas em testes de neuro desenvolvimento. Levantamento realizado em agosto de 2020 pelo neurologista Erik Jennings, médico da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, com 109 indígenas Mundurukus do Alto Tapajós, mostrou que 99% da população examinada tem níveis de mercúrio no sangue acima do considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde. Algumas têm até 15 vezes acima do recomendado4.
Segundo o médico os quadros mais graves na região do Tapajós são encontrados entre crianças, em função da contaminação das mães. Isso porque o metal atravessa a placenta, causando uma lesão irreversível do sistema nervoso e podendo gerar problemas de coração, tireoide e no sistema imunológico dos bebês. Em termos de danos contra a floresta, levantamento realizado pelo Greenpeace, em junho de 2020, a partir de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), revelou que o desmatamento provocado por garimpos ilegais em unidades de conservação na Amazônia aumentou cerca de 80% nos quatro primeiros meses de 2020, em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Devastação da amazônia
O crescimento em terras indígenas foi de cerca de 13% em igual período Vale lembrar que a devastação na Amazônia aumentou 34% em 2019, na comparação com 2018, e subiu mais 9,5% em 2020 com respeito a 2019. No total, a devastação do bioma cresceu 47%, em relação a 2018. No que concerne à contaminação com mercúrio, um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, WWF-Brasil, IEPA – Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá e Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, constatou que os peixes mais consumidos pela população do Amapá apresentaram níveis detectáveis de mercúrio e que 29% deles excediam o limiar de mercúrio recomendado pela Organização Mundial da Saúde para consumo humano.
Descobriram, ainda, que quatro das sete espécies com as maiores concentrações de mercúrio estão entre as mais consumidas na região. O nível mais alto foi detectado no pirarucu, seguido por tucunaré e trairão. Além de todos esses graves impactos, um estudo do Instituto Escolhas confirmou que a exploração de ouro não leva desenvolvimento para a Amazônia. Foram analisados por 12 anos todos os municípios da Amazônia Legal que conviveram com essa atividade e os resultados mostraram que os efeitos sobre indicadores como a saúde, a educação e o PIB per capita dos municípios foram breves, deixando de existir entre três e cinco anos. Assim, a exploração de ouro é incapaz de mudar a dinâmica econômica para uma que gere benefícios duradouros para a população e nem de longe compensa os impactos negativos que permanecem no local.
Apesar de não trazer desenvolvimento para a região, o interesse dos poucos que se beneficiam com essa atividade continua a ameaçar as áreas protegidas da Amazônia. Levantamento do Instituto Escolhas mostrou que hoje existem 6,2 milhões de hectares dentro de áreas protegidas com pedidos de pesquisa para a mineração de ouro, área equivalente a dois países como a Bélgica. Apenas em Unidades de Conservação a extensão desses pedidos chega a 3,8 milhões de hectares e em Terras Indígenas a 2,4 milhões de hectares. Nesse sentido, prezados Senadores e Senadoras, elaboramos o presente Projeto de Lei, buscando impedir a continuidade dessa terrível realidade. Nossa proposição se baseou na proposta de regulação desenvolvida pelo Instituto Escolhas, a partir dos estudos mencionados, e que foi endereçada para as autoridades do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários.
Idéia central
A idéia central do PL é a criação de um sistema de validação eletrônica para comprovar a origem do ouro adquirido pelas instituições financeiras e que permita o cruzamento de informações com outras bases de dados, como a de arrecadação de impostos e de produção da Agência Nacional de Mineração.
Pretende-se que as próprias DTVM, para efetivar a transação, exijam a comprovação de que o ouro foi extraído de área com direito de lavra concedido pela Agência Nacional de Mineração e que a pessoa física ou jurídica que está fazendo a comercialização seja titular do direito de lavra ou portadora de contrato com quem tem esse direito. Além disso, o vendedor terá que apresentar a licença ambiental da área.
“Noutro ponto, para além das alterações à Lei nº 7.766, de 1989, fizemos alterações na lei de lavagem de dinheiro, especificando a necessidade dos comprovantes minerários e ambientais como forma de combater a lavagem de dinheiro. E, por fim, revogamos previsões da Lei nº 12.844, de 2013, que poderiam enfraquecer as determinações aqui estipuladas.Considero, prezados Senadores e Senadoras, que este Projeto de Lei vem contribuir de modo significativo também para que os compromissos anunciados pelo Banco Central do Brasil e pelo setor bancário, em favor da preservação da Amazônia e do respeito aos direitos indígenas possam ser alcançados com ações práticas e de alto impacto”, afirmou Contarato.